quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Múltis controlam o ouro no país e têm produção recorde

Uma surra. Nada se compara à valorização que o ouro tem registrado nos últimos anos frente aos princi
pais títulos de investimento. Tome-se como referência o ano de 2008, quando a crise das hipotecas arrastou os bancos americanos e contaminou toda a Europa. De lá para cá, o ouro já acumula uma valorização de 177%. É muito, principalmente se essa rentabilidade for confrontada aos papéis de renda fixa. Se a base de comparação for o Ibovespa, este teria de ser multiplicado por cinco para, ao menos, se aproximar do resultado alcançado pelo metal.


Essa valorização está refletida no ritmo que tomou conta da produção no Brasil nos últimos anos. Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Valor obteve um panorama sobre a produção do metal, com base em informações do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão federal responsável pelas concessões de pesquisa e lavra.


Os dados apontam que o país atingiu, no ano passado, o maior volume de produção dos últimos 18 anos. Foram 65,2 toneladas de ouro extraídas legalmente do país, o melhor resultado desde 1994. Neste período, houve uma mudança radical no perfil de exploração. No início dos anos 90, 53% do ouro era retirado por grandes empresas, em processos industriais. Os demais 47% ficavam com os garimpos, considerando apenas aqueles legalmente autorizados. Duas décadas depois, a situação é outra. No ano passado, 87,4% das lavras de ouro ficaram com as indústrias, enquanto os garimpos viram sua participação encolher para 12,6%.


O que mais chama a atenção na mudança de perfil são as empresas que estão por trás dessa nova fronteira industrial. Os cinco maiores produtores de ouro no Brasil hoje, donos de praticamente 90% do que é retirado industrialmente do solo, são companhias estrangeiras. Do Canadá, estão presentes quatro grandes empresas de mineração: Kinross, Yamana, Jaguar Mining e Aura Gold. Completa o topo da lista a AngloGold Ashanti, da África do Sul. A maior parte do ouro produzido por essas empresas, consequentemente, tem como destino o mercado internacional.

Para o especialista Marcelo Ribeiro Tunes, diretor de assuntos minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o oligopólio tem origem no próprio modelo de exploração que ainda predomina entre os empresários brasileiros: o garimpo de superfície, voltado para a camada inicial do solo e do leito dos rios, onde o mineral já está desagregado, in natura.

"O Brasil nunca teve uma tradição de mineração subterrânea de ouro muito forte, enquanto essas empresas internacionais têm tradição e experiência em mineração subterrânea, por isso são elas que puxam o desenvolvimento do setor", comenta Tunes. "Infelizmente só o brasileiro é que não acredita que dá para fazer minas de ouro no Brasil. Tem de vir gente de fora para fazer."

As três minas de ouro mais produtivas do país são exploradas por companhias estrangeiras. A Kinross retira ouro da mina Paracatu, em Minas Gerais. Na mina Cuiabá, localizada em Raposos (MG), a extração é feita pela AngloGold Ashanti. A companhia também explora a mina Serra Grande, em Crixás (GO), após adquirir 50% de participação na mina da Kinross.

Para Tunes, o principal obstáculo enfrentado pelo investidor brasileiro, que prefere se embrenhar em garimpos na Amazônia a perfurar minas subterrâneas, é a dificuldade de se obter financiamento para esses projetos. "Mineração é uma atividade de capital, não de Estado. E o preço é alto. Hoje nós não temos uma estrutura de financiamento que atenda a mineração. Essas empresas que estão aí são de fora porque, em países como o Canadá, há apoio para esse tipo de operação. Qualquer cidadão coloca seu dinheiro na bolsa para financiar esses empreendimentos."

Por conta dessa limitação, diz Tunes, a maioria dos projetos internacionais em atividade no país foi atraída por empreendedores brasileiros que não conseguiram encontrar capital nacional para bancar as explorações em minas, que são mais caras e complexas que o tradicional garimpo. "Se você não tem um sistema de financiamento no país, você vai buscar lá fora, não tem segredo."

Do Brasil, as empresas que se destacam são a Mineração Tabipora, que atua no Paraná; e a Mineradora Caraíba Metais-Paranapema, com exploração em Nova Xavantina (MT). Segundo o DNPM, a Vale está entre as produtoras de ouro, com o minério associado, como subproduto, à exploração de cobre, nas minas de Sossego e Salobo, no Pará.

No DNPM, há atualmente 9.227 alvarás de pesquisa de ouro em análise. Em 2008, o órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia concedeu 890 alvarás para estudos. Esse volume praticamente triplicou até o ano passado, chegando a 2.421 concessões. Atualmente, há 466 requerimentos de concessão de lavra industrial em análise. Quando se trata de lavra garimpeira, esse volume chega a 16.477 solicitações.

Pelos cálculos do DNPM, a lavra industrial em minas de ouro emprega cerca de 9.400 trabalhadores diretos e cerca de 2.700 terceirizados. O cálculo do pessoal que trabalha no garimpo, segundo a autarquia, é um dado precário e não estimado pelo departamento.

O aumento da produção formal do ouro refletiu nas arrecadações da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), o royalty que o minerador paga para extrair o ouro. A alíquota aplicada ao metal é de apenas 1%, índice que o governo pretende ampliar, a partir do novo código de mineração, que está em gestação no MME. Em 2008, o DNPM embolsou R$ 8,8 milhões com o royalty do ouro. A arrecadação mais que triplicou até o ano passado, chegando a R$ 27,5 milhões. Até 2020, estima o governo, a produção industrial de ouro poderá atingir entre 120 e 130 toneladas por ano, o dobro do volume atual.

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