quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O nióbio e a realidade brasileira

O nióbio e a realidade brasileira

Sei que você já deve estar cansado de ler e ouvir falar sobre o nióbio e sobre uma teoria da conspiração propagada, frequentemente, na mídia. Sei, também, que você deve se perguntar se tudo isso é verdade.

Será que o nióbio sozinho pode levar o Brasil e seu PIB aos píncaros da glória como o falecido Enéas Carneiro e muitos falam e escrevem?

Será que o mundo todo está comprando o nióbio contrabandeado da Amazônia e se locupletando com os lucros assombrosos desse contrabando enquanto o Brasil mal consegue adicionar valor à sua economia, mesmo sendo o maior exportador mundial deste produto?

Apesar de tudo o que se propaga sobre o nióbio, que o metal é muito estratégico e nobre, com preços elevadíssimos e que a procura é tão grande que ele está sendo contrabandeado, em pequenos aviões, de Seis Lagos para fora do Brasil, você vai ver que a realidade mostra-se bem diferente.

A principal aplicação do nióbio é na indústria siderúrgica. Ele é um metal importante, pois os aços com nióbio tem uma maior resistência e tenacidade e melhor soldabilidade. Mas, como veremos a seguir, o metal ainda está longe de ser tudo aquilo que se propaga na internet e que nos faz, muitas vezes, ficar indignados.

Quando falamos de nióbio falamos, obrigatoriamente da brasileira controlada pelo Grupo Moreira Salles, a CBMM.

A  Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, CBMM, é a maior produtora de nióbio do mundo. Ela é, também, a detentora das maiores reservas de pirocloro, o principal mineral de nióbio e extraído em 97% dos jazimentos de nióbio do mundo.


A foto acima mostra a operação a céu aberto da CBMM em Araxá, onde é lavrado o pirocloro.

Mas o que a teoria da conspiração mais fala é sobre o Complexo Carbonatítico de Seis Lagos, um gigadepósito de nióbio que, segundo se fala, está enriquecendo compradores fantasmas de todo o mundo enquanto o Brasil patina no seu terceiro-mundismo.

O Carbonatito de Seis Lagos, localizado próximo a São Gabriel da Cachoeira, no meio da floresta amazônica, atiça a curiosidade pública e é o ponto mais controverso do assunto nióbio no Brasil.

Os recursos de Seis Lagos (imagem satélite), empiricamente testados pela CPRM, aparentam ser gigantescos. Um cálculo muito preliminar feito pela CPRM mostra um jazimento de mais de 2 bilhões de toneladas com teores de Nb2O5 acima de 2%. Se esses números forem confirmados a jazida tem condições de mudar o panorama do nióbio inundando o mundo com esse metal. Se esse for o caso o nióbio continuará tão valioso quanto hoje?

O que nós realmente sabemos sobre esse depósito é, ainda, muito pouco.

Foi no final da década de 60, com uso das imagens do RADAMBRASIL, que os geólogos da CPRM fizeram a descoberta de uma estrutura semi-circular com mais de 8.000m de eixo maior, imediatamente apelidada de Seis Lagos.

Nesta época a CPRM ainda fazia pesquisa mineral relevante.

Na fase inicial da pesquisa em Seis Lagos a CPRM plotou 4 furos exploratórios que intersectaram lateritas, gnaisses e carbonatitos. A laterita, que tinha espessura variando entre 9 a 255m, apresentava zonas enriquecidas em nióbio e terras raras. Esta cobertura laterítica, que é o minério de Seis Lagos, foi subsequentemente estudada pela CPRM que fez  apenas quatro novos furos com 60 metros de profundidade cada e cubou uma imensa jazida de nióbio.

A CPRM chegou a conclusão de que Seis Lagos era um depósito de 2,89 bilhões de toneladas com teor médio de 2,81% de Nb2O5. Essa reserva, sozinha, se existente, é muitas vezes maior do que todas as demais reservas de minério de nióbio conhecidas no mundo.

Será que esses números são reais?  Qual a confiabilidade que esses cálculos devem ter?

É muitíssimo improvável que eles se aproximem da realidade, pois são cálculos primários que jamais deveriam ter sido publicados da forma como foram.

Sabemos, através de estudos posteriores, que foram descobertos níveis estéreis, sem nióbio, dentro da laterita. Tratar, portanto, a laterita de Seis Lagos, como uma unidade única e homogênea é uma generalização que leva a erros que irão, provavelmente, inflacionar as reservas.

Mais ainda, cubar um jazimento de grande área, sem mapeamentos geológico e topográficos de ultradetalhe e sondagem em malha de alta densidade, onde os todos os furos devem atravessar a mineralização é, com certeza, uma imensa inferência que nunca será certificada por nenhum protocolo usado fora do Brasil como o Jorc ou NI-43101.

Em outras palavras, quando se fala em números, Seis Lagos ainda é apenas um sonho que pode se transformar em pesadelo após um trabalho técnico adequado.

Isso sem falar na metalurgia, de que nada sabemos.

Ainda não foram feitas rotas econômicas para a extração do nióbio do rutilo de Seis Lagos. Não sabemos os custos da metalurgia desta jazida, que, com certeza, irão ser um importante componente no fluxo de caixa da mina.

A resposta a essas perguntas está logo ali, com a CPRM e com o MME. O Governo, que é o dono atual da jazida, deve à sociedade brasileira um trabalho de qualidade, que possa ser aceito pelo país, pelo mercado e pelos profissionais e empresas da área.

Enquanto isso não for feito qualquer numerologia ligada a Seis Lagos será mera especulação.

Mas, infelizmente, Seis Lagos está em terras indígenas e pertence ao Governo Brasileiro que parece não ter nenhum interesse em desenvolvê-lo.

Esse sim nos parece um crime de lesa-pátria, em um país que ainda luta para acabar com a pobreza. Não é dos contrabandistas fantasmas de nióbio que temos que ter medo, mas sim do Governo que se omite e nada faz.

Existe, agora, uma nova chance criada pelo novo Código Mineral, ainda não aprovado, que faz da CPRM a grande pesquisadora nacional. Talvez a CPRM volte ao Projeto Seis Lagos e finalize aquilo que começou, e nunca terminou, há quase 50 anos atrás. É o mínimo que o Governo deve fazer pela sociedade.

Este desinteresse do nosso Governo, junto com o possível tamanho de Seis Lagos nos leva a perguntar sobre os porquês.

Por que o Brasil não desenvolve essa jazida que dizem estar sendo dilapidada por contrabandistas que usam os índios e até a Funai para extrair o nióbio?

Esta história nos parece muito fantasiosa e não tem respaldo econômico.

Contrabandear minério de 2% dos confins da Amazônia, sem logística, em pequenos aviões é, com certeza, sonho de quem não entende de economia mineral.

Talvez o contrabando de concentrado de columbita-tantalita de alguns pegmatitos da Amazônia esteja nas raízes desta teoria da conspiração. A columbita é um mineral de nióbio que se associa à tantalita e tem um bom preço no mercado. É esse preço que permite o contrabando de concentrados de columbita-tantalita para fora do Brasil a partir, principalmente do Amapá.

No gráfico abaixo vemos que o preço do metal está se mantendo constante, em torno de US$30/kg nos últimos anos.


 Já o minério de Seis Lagos, que é a base de um rutilo com Nióbio na estrutura, um mineral cuja metalurgia pouco ou nada se conhece, com apenas 2% de Nb2O5, com certeza não pode ser economicamente contrabandeado.

Imagine transportar um produto com apenas 2% de Nb2O5, que vale pouco mais de US$0,6/kg em um avião que transporta apenas 500 quilos de carga...

O preço desta carga não paga nem o custo do combustível. Vai ser muito difícil encontrar um piloto kamikaze, burro o suficiente, que faria uma operação ilegal e perigosa sem lucro como essa... ou um comprador disposto a investir em caros estudos metalúrgicos para processar centenas de quilos... Sonho!

Se hoje as grandes produtoras já não conseguem vender todo o seu nióbio o que acontecerá quando novas minas entrarem em produção e a oferta for muito maior?

Os preços cairão!

A realidade é que a própria CBMM, a maior produtora do mundo, está exportando abaixo de sua capacidade. A crise de 2008 ainda não acabou para o nióbio.

A produção da CBMM vem caindo sistematicamente desde 2008, quando superou as 70.000 toneladas do metal. Em 2013, apesar dos esforços, a empresa exportou apenas 68.000t, 22.000 toneladas abaixo da capacidade instalada de 90.000t por ano.

Este é um ponto interessante, que coloca o assunto nióbio na devida perspectiva: a produção total de um ano da CBMM equivale a menos do que a Petrobras fatura em apenas dez dias. Ao contrário do que alguns pensam o nióbio não é ouro...e a procura, hoje, é menor do que a oferta.

Infelizmente o nióbio não tem a força que irá projetar o nosso país ao lugar de maior do mundo, como muitos “experts” propagam. Mesmo se Seis Lagos for tão grande quanto a CPRM inferiu...

Mesmo assim o negócio é bom, e a CBMM, com teores bem abaixo dos existentes em Seis Lagos, tem excelentes lucros fazendo do nióbio o terceiro item da pauta mineral de exportação do Brasil

As previsões para o futuro fazem a CBMM prever, com otimismo, um aumento de sua capacidade para 150.000t, em 2016. Se continuar como hoje o mercado pode não absorver esse excesso de oferta.

A CBMM, entretanto, espera poder criar novas aplicações para o nióbio através de seu Centro de Tecnologia e dos programas que ela financia em institutos e universidades.

Nada é de graça: é através de muito investimento e pesquisa de ponta que, aos poucos, se desenvolvem novas aplicações que permitem o crescimento do mercado.

No caso do nióbio a demanda se relaciona diretamente aos seus usos na indústria.

Se os preços caírem em decorrência de uma maior oferta é provável que o nióbio comece a substituir outros metais como o próprio cobre. No outro lado desta moeda, se os preços subirem, serão necessários novos usos, onde só o nióbio pode ser utilizado, para que haja a manutenção dos preços.

Parece lógico que se os preços melhorarem novos projetos de mineração (veja a lista abaixo) serão viabilizados. Afinal o nióbio não existe somente em solos brasileiros...

Certamente esse excesso de produção irá enfraquecer o mercado criando mais um componente importante neste jogo de força.


Como você já deve ter percebido, a realidade é bem mais dura do que parece.

Sabemos que o nióbio tem um bom preço, mas sabemos também que o mercado está saturado e não consegue absorver maiores quantidades, o que obriga a líder de mercado, a CBMM, a investir 2% de seu faturamento na pesquisa de novos usos e aplicações necessários para garantir as suas vendas no futuro.

Com a entrada de uma grande jazida, tipo Seis Lagos, em produção serão deslocadas, em primeiro lugar, aquelas mineradoras que produzem o nióbio com custos mais elevados. O excesso de produção só poderá ser assimilado se a indústria usar o nióbio em novas aplicações e ligas. Mesmo assim o preço irá cair em função do aumento de produção.

Fica claro que a teoria da conspiração do nióbio é mais um conto de fadas da internet já que, infelizmente, o nióbio não tem todo o valor que querem lhe atribuir.

Mesmo não tendo a força do minério de ferro e do petróleo o nióbio é, obviamente importantíssimo. Não é aceitável que o nosso país jogue no lixo do esquecimento reservas potenciais como Seis Lagos. É preciso equacionar definitivamente esse problema.

Cabe ao Governo Brasileiro uma explicação adequada sobre o assunto e sobre as riquezas minerais que ele gerencia.

Afinal, como vamos construir uma sociedade melhor, mais rica e mais justa se abandonarmos jazidas como Seis Lagos que nos colocam como líderes mundiais de um metal que ainda pouco se conhece?

O Brasil tem que:

-finalizar os cálculos de reservas e os estudos metalúrgicos de Seis Lagos
-estudar melhor o metal e seus usos na indústria, maximizando este bem mineral que nos coloca em posição de vantagem a nível mundial.
-usar o nióbio para o seu crescimento e desenvolvimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário