sexta-feira, 23 de junho de 2017

Era uma vez um ambulante

Era uma vez um ambulante

Ex-vendedor de mexericas na rua, Ricardo Nunes é hoje o presidente da segunda maior rede de eletroeletrônicos do Brasil, que planeja faturar 9 bilhões de reais neste ano


Odin
(Foto: Redação VejaBH)
No escritório: o único capricho de Nunes é poder conferir a perda dos cabelos em seu próprio banheiro
No intervalo da novela das 9, enquanto assiste ao comercial da rede varejista Ricardo Eletro, a advogada Maria da Conceição Lopes Pereira, de 71 anos, lembra-se do menino franzino e falante que, trinta anos atrás, lhe vendia mexericas na porta da faculdade de direito em Divinópolis, a 124 quilômetros da capital. "Eu não queria entrar na sala de aula com aquele cheiro característico nas mãos", conta. "Para não perder a venda, ele mesmo descascava as frutas." Ainda que comercializasse toda a produção anual de tangerinas do Brasil, aquele garoto, hoje um homem de 42 anos, não conseguiria juntar nem 6% dos 9 bilhões de reais que sua empresa espera faturar neste ano com a venda de eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos, móveis e outros produtos. A rede presidida por Ricardo Nunes, a Máquina de Vendas, que reúne cinco bandeiras (Ricardo Eletro, Insinuante, Eletro Shopping, City Lar e Salfer) e tem 1 100 lojas, tornou-se em abril a segunda maior do setor no país, atrás apenas do gigante Viavarejo, do grupo Pão de Açúcar, que tem as marcas Casas Bahia e Ponto Frio.
O mineiro soube surfar nas ondas do consumo movido a crédito e da tão propalada ascensão da classe C. Escreveu seu nome na lista de empresários poderosos como Samuel Klein, o fundador das Casas Bahia, e Luiza Trajano, a presidente da rede Magazine Luiza, que acaba de perder para Ricardo, como ele é chamado por todo mundo, a vice-liderança no ranking dos maiores do setor. "Eu mesmo me assusto com o tamanho que atingimos", afirma. A carreira de vendedor começou prematuramente, aos 12 anos, depois que o pai morreu de infarto e ele resolveu fazer dinheiro com as mexericas que cresciam no quintal de casa. Ainda adolescente, pegou a estrada rumo a São Paulo para comprar bijuterias e revender na loja da mãe, a Marina Joias. Aos 18 anos, decidiu que já era tempo de apostar no próprio negócio. Abriu uma portinha para vender bichos de pelúcia e, apenas um ano depois, inaugurou a Ricardo Eletro, que de eletro não tinha quase nada. "Era uma batedeira aqui e um liquidificador ali só para justificar o nome", recorda o irmão Rodrigo Nunes, de 39 anos, que hoje é vice-presidente da Máquina de Vendas e braço direito do fundador da empresa. "Ele vendia os eletrodomésticos por um preço abaixo do custo para conquistar a clientela e recuperava o prejuízo com os ursinhos."
A disposição para correr riscos, uma marca registrada do moço de Divinópolis, acabou por levá-lo do interior à capital. Para entrar no mercado de Belo Horizonte, onde hoje reina soberano, comprou redes tradicionais que, naqueles idos anos 90, enfrentavam dificuldades financeiras: Casa do Rádio, Mig e Kit Eletro. "O Ricardo sempre enxergou atrás da montanha", diz Rodrigo. "E nunca tirou os pés dos pontos de venda." Nem a frenética rotina de presidente de um grupo com tentáculos em todas as regiões do país fez Ricardo Elétrico, como costumam brincar seus amigos, abrir mão do compromisso que ele se impõe nas manhãs de sábado: visitar lojas. Acompanhá-lo nessas excursões é uma experiência enriquecedora. Ricardo não vai observar, e sim mostrar aos funcionários como se faz. Em apenas uma hora, é capaz de laçar oito pessoas na rua para irem até o balcão. Em um sábado de maio, pegou pela mão a vendedora Alessandra Santos, uma cliente em potencial que estava prestes a entrar no concorrente Ponto Frio. "O telefone custava menos na outra loja, mas ele acabou me dando desconto, como promete na propaganda", relatou ela, surpresa. Repetindo o mais conhecido de seus bordões, Ricardo explica: "É proibido perder venda".
Apesar dos números bilionários que cercam seu negócio, o empresário, que não estudou além do curso técnico de contabilidade, continua levando uma vida relativamente simples. "Investi tudo o que ganhei, não tem nem quatro anos que deixei de pagar aluguel", afirma ele, que comprou seu primeiro apartamento no bairro Funcionários. Lá, mora com a mulher, Adriana, sua primeira e única namorada, e as filhas Laura, de 15 anos, e Lívia, de 12. Com elas, tem um pacto: em casa, trabalho não faz parte das conversas. "Aqui ele não fala sobre isso, só anota", confirma Adriana. Os papéis que Ricardo carrega são folclóricos. "Do lado da minha cabeceira sempre há algum para eu ir anotando as minhas ideias", diz, apontando três folhas avulsas com nada menos do que 37 itens marcados como "já cumpridos".
Todas as manhãs, o presidente da Máquina de Vendas sai de seu apartamento com uma lista na mão. Enquanto um segurança dirige o Land Rover Defender rumo à sede mineira da empresa, em Contagem, Ricardo repassa as anotações que fez sobre as tarefas do dia. Só espera dar 8 horas para disparar vários telefonemas. O itinerário de casa até o escritório sempre dependerá das ligações que fizer e das respostas que escutar. Se a nova campanha promocional não saiu como o empresário esperava, o percurso pode incluir uma passadinha na agência de publicidade que o atende. Quando finalmente chega ao complexo que abriga os edifícios administrativos e o maior dos centros de distribuição da bandeira Ricardo Eletro, ele já está acelerado.
Do lado de fora da sala onde se reúne com os diretores, é comum ouvir o repetido som de socos na mesa. Os ruídos podem parecer broncas, mas são apenas um hábito que ele não consegue largar. Seus funcionários já se acostumaram. O jeitão simples, que faz questão de conservar — está sempre de calça jeans e camisa social -, também se percebe em seu escritório. Sobre a mesa há apenas um suporte para balas e chocolates. O único privilégio que se permite é ter seu próprio banheiro. "Lá atrás, o que eu mais queria na vida era ter isso", confessa, orgulhoso da conquista.
Embora já se destacasse no mercado tendo apenas a bandeira Ricardo Eletro - que, sozinha, deverá faturar 3,6 bilhões de reais em 2012 —, o empresário deu sua grande tacada em 2010, quando resolveu procurar o baiano Luiz Carlos Batista, fundador da rede Insinuante. O setor passava então por um processo de consolidação, com pequenas marcas sendo incorporadas pelas grandes. Ricardo percebeu que precisava antecipar uma jogada: ou encontrava uma forma para sair comprando, ou seria comprado. Forte na Região Nordeste, a Insinuante vivia cenário semelhante. Ricardo não teve pudores, ligou para Batista e alertou: "Precisamos nos unir". Juntos, os empresários passaram a dar as cartas. Apenas três meses depois da fusão das duas bandeiras na empresa Máquina de Vendas, em junho de 2010, eles se associaram à City Lar, de Mato Grosso, que tinha 200 lojas. Um ano mais tarde, abocanharam a Eletro Shopping, com sede em Pernambuco e 150 lojas espalhadas em seis estados do Nordeste. No último mês de abril, juntaram-se à Salfer, um grupo com 178 lojas no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Foi a compra da participação majoritária na rede catarinense que garantiu o segundo lugar no pódio dos varejistas.
Com negócios no país inteiro, as viagens tornaram-se cada vez mais frequentes na rotina de Ricardo, que passou a usar um jato Premier, avaliado em 13 milhões de reais. Ele não se deixa fotografar no avião, diz que detesta ostentar e faz questão de frisar que o bem é da empresa, não dele. Garoto-propaganda das próprias campanhas, virou uma celebridade sempre disposta a agradar a um fã. Quando está nas lojas, chovem pedidos para tirar fotos a seu lado. Dificilmente ele seria descrito como uma pessoa reservada. A exposição, porém, não vai além da vida profissional. Ricardo não gosta de falar da vida pessoal e procura poupar a mulher e as filhas de aparições na mídia. Elas até dão entrevistas sobre o empresário, mas jamais posam para fotos. Ele também é avesso a badalações e não figura nas colunas sociais. O único programa do qual realmente gosta, segundo afirma, é ir com a família para a casa de campo que tem no condomínio Miguelão, em Nova Lima. Hobbies? Nenhum. Não gosta de futebol, não tem interesse especial pelo tênis — que joga eventualmente com outros empresários mineiros - e não aprecia a boa gastronomia. "Minha bebida favorita é Coca-Cola, prefiro cerveja a vinho e gosto mesmo é de comida mineira", resume.
Na definição da mulher e da mãe, é um moço beeeeem família. Mesmo que chegue tarde em casa, faz questão de lanchar com as filhas, perguntar como foi o dia de cada uma e colocá-las na cama. Antes de dormir, cumpre o religioso hábito de telefonar para a mãe, que, aos 71 anos, tão ativa quanto ele, ainda trabalha na loja de joias em Divinópolis. "Às vezes Ricardo me liga à 1 hora da madrugada para pedir bênção e tenho de dizer: 'Menino, eu tomo remédio para dormir'." A matriarca dos Nunes gosta de lembrar dos tempos em que o segundo de seus quatro filhos estudava no balcão da joalheria. E sempre se emociona ao pegar a foto em que o menino toca piano. "Ele estudou por sete anos. Tocou no velório do pai, para se despedir."
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(Foto: Redação VejaBH)
Os números impressionantes do negócio o fazem ser apontado, país afora, como exemplo de empreendedorismo. Mas a vitrine tem seu preço. A posição de destaque também o colocou no alvo de toda sorte de especulação sobre seus métodos empresariais. Há quem diga que, para vender barato e honrar seu slogan, importa produtos desmontados do Paraguai e sonega impostos. Ele rechaça as acusações. "Tenho dezoito centros de distribuição no país, com caminhões da Brastemp, Philips e LG descarregando o dia inteiro. O Paraguai teria de trabalhar só para mim", argumenta. Nem tudo é só boato, porém. No ano passado, Ricardo Nunes foi condenado, em primeira instância, a três anos e quatro meses de reclusão por corrupção ativa do auditor da Receita Federal Einar de Albuquerque Pismel Júnior. Os advogados de Ricardo recorreram, alegando que o cliente não é corruptor, e sim vítima de extorsão. O processo corre em segredo de Justiça. Ele, que não fala sobre o caso, atribui os comentários à falta de informação. "Os balanços de minha empresa são auditados. Nem se eu quisesse conseguiria sonegar. Gente que não conhece meu sacrifício para erguer o negócio sempre quer me derrubar." Se ele fica chateado com as fofocas, não demonstra. Prefere mudar de assunto e falar das ideias que tem para driblar um fantasma que assombra todo o varejo: o alto nível de endividamento das famílias, o que vem provocando queda nas vendas e nos lucros. "Está mais suado conseguir resultado", afirma. O comprometimento do orçamento dos brasileiros com prestações de longo prazo, como as da casa própria e as do carro novo, é uma ameaça para os varejistas. Mais do que nunca, os funcionários das lojas estão proibidos de perder uma venda. "Problemas não me assustam", avisa. Desde menino, Ricardo tem uma convicção: quem mais apanha é também quem mais alcança o sucesso. E disposição para apanhar, garante, é coisa que não lhe falta. Vaidoso, ele só se queixa dos cabelos que caíram. "Meu pai tinha apenas umas entradas", lembra. "Mas tudo bem, ele era dono de uma loja e eu, de 1 000."
Fonte: Veja

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