segunda-feira, 10 de julho de 2017

"Alface" com 1484 esmeraldas aterra no Museu de Arte Antiga

"Alface" com 1484 esmeraldas aterra no Museu de Arte Antiga

Vinda a Portugal da custódia da Igreja de Santo Inácio de Bogotá é um “momento irrepetível”, diz diretor do MNA
Em 310 anos, esta é apenas a segunda vez que esta peça de ourivesaria sai da Colômbia. Estará em Lisboa até 3 de setembro, antes de rumar ao parisiense Louvre.
Chegou a Lisboa na quinta-feira, vinda diretamente de Bogotá, num voo em que viajou em primeira classe e até teve direito a um lugar só para si. A seu lado e a ela sempre amarrado viajou Efrain Riaño, diretor de arte do Museu de Arte do Banco da República. "A caixa em que é transportada, resistente à água, ao fogo e a qualquer imprevisto não cabe por baixo dos assentos dos aviões", explica o colombiano sobre as condições em que chegou a Portugal a Lechuga (alface) mais preciosa do mundo.
Uma peça de ourivesaria "que é uma espécie de bandeira nacional da Colômbia, tal como é a Custódia de Belém para Portugal". O paralelo foi ontem feito por António Filipe Pimentel, diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, sobre esta Custódia da Igreja de Santo Inácio de Bogotá, feita em ouro de 18 quilates e que tem encastradas 1759 peças preciosas, entre as quais 1484 esmeraldas. E foi precisamente a cor dominante, o verde das esmeraldas, que criou o nome popular pelo qual é conhecida esta peça de ourivesaria.
As paredes da pequena Sala do Teto Pintado, do Museu Nacional de Arte Antiga, foram pintadas de preto para receber este "tesouro da arte barroca mundial", como é referida no texto de sala da exposição. Uma apresentação "o mais austera possível", anuncia Filipe Pimentel antes mesmo de se poder entrar no espaço onde se encontra a custódia, para que nada distraia o visitante da peça encomendada em 1700 pela Companhia de Jesus do então Novo Reino de Granada, atual Colômbia, a um ourives local de origem espanhola, José de Galaz.
Apesar da supremacia das esmeraldas, esta peça de ourivesaria, realizada entre 1700 e 1707, tem ainda um topázio brasileiro, pérolas de Curaçau, ametistas da Índia, diamantes africanos, rubis do Sri Lanka e uma safira do Reino de Sião (hoje Tailândia). Na breve apresentação à imprensa, Efran Riaño fez questão de situar a proveniência das esmeraldas - "do centro do país" - e do ouro - "extraído das mesmas minas de onde foi extraído o ouro das peças de arte pré-colombianas". É também o diretor de arte do Museu de Arte do Banco da República, entidade que em 1985 comprou a custódia à Companhia de Jesus, que assinala o facto de esta ser apenas a segunda vez que a custódia sai do país. A primeira aconteceu há dois anos, quando a Colômbia foi o país convidado da feira de arte contemporânea Arco Madrid, e agora estará em exposição em Portugal até dia 3 de setembro. Depois seguirá viagem até Paris para ser mostrada no Museu do Louvre entre 12 de setembro e 15 de janeiro.
Uma peça "extraordinária, única no panorama da ourivesaria latino-americana", classifica-a Luísa Penalva, conservadora de ourivesaria da instituição. "O Museu de Arte Antiga também tem custódias--joias, mas esta foi feita quase 50 anos mais cedo do que as do museu e tem uma particularidade fantástica: tem uma cor, o verde da esmeralda que é a pedra da Colômbia. As duas custódias do museu, a da Bemposta e a de São Vicente de Fora, são mais tardias, já de meados do século XVIII", explica Luísa Penalva. E, continua a conservadora, "é muito interessante perceber que teve um percurso parecido com algumas peças de arte portuguesa que, com a expulsão dos jesuítas ["em 1759, número das pedras preciosas da custódia Colômbia", notou António Filipe Pimentel] e das ordens religiosas [em 1834] também foi escondida, com várias histórias míticas dizendo que esteve enterrada, guardada nos locais mais díspares. As nossas peças também tiveram este lapso de umas décadas cujo paradeiro era desconhecido."
Desaparecida durante muitos anos, só no final do século XIX voltou à Igreja de Santo Inácio de Bogotá, quando os bens confiscados à Companhia de Jesus foram devolvidos aos jesuítas, podendo ser vista só em algumas celebrações solenes.
Representando um sol, encimado por uma cruz, cujos 22 raios terminam noutros sóis mais pequenos, a custódia é decorada com folhas de videira e cachos de uvas, símbolos de Cristo e da Eucaristia. O sol, por sua vez, é sustentado por um arcanjo, figura emblemática da evangelização da Companhia de Jesus na América.
"Formalmente, é completamente diferente das nossas custódias. O trabalho do ouro é completamente diferente do nosso, muito mais pormenorizado, e depois tem um arcanjo todo esmaltado. O esmalte é algo completamente inusitado, nós não temos nada disso. Nessa altura, início do século XVIII, os esmaltes em Portugal desaparecem porque começam a chegar ao nosso país as pedras preciosas oriundas das minas do Brasil. E era muito mais fácil pôr pedras do que fazer esmalte porque ao mais pequeno erro na temperatura dos fornos estragava-se a cor. E o arcanjo barroco, é muito solto, com asas coloridas, a sua capa é completamente esvoaçante", nota, entusiasmada, a conservadora do MNAA.
A completar a apresentação austera, uma escultura de madeira exótica, do século XVII, oriunda do Museu da Marinha, representando Santo Inácio de Loyola (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus.
O empréstimo desta peça ao Museu de Arte Antiga é um "momento irrepetível", reconheceu António Filipe Pimentel, lamentando a situação atual de luto nacional devido aos incêndios em Pedrógão Grande, que levaram ao cancelamento da inauguração, inicialmente marcada para hoje, pelos presidentes da República dos dois países, Marcelo Rebelo de Sousa e Juan Manuel Santos.
Informação útil
La Lechuga - Custódia da Igreja de Santo Inácio de Bogotá
Sala do Teto Pintado do Museu Nacional de Arte Antiga

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