domingo, 23 de outubro de 2016

Mar de riquezas

Mar de riquezas

Até 2017 o Brasil deve triplicar seu investimento anual em mineração submarina para procurar ouro, diamantes e outros tesouros escondidos no fundo do oceano


Cortesia Nautilus Minerals
Indo mais fundo: a pesquisa e o desenvolvimento da mineração marinha brasileira receberá R$100 milhões em quatro anos
Crédito: Cortesia Nautilus Minerals
Tratores submarinos de 25 toneladas varrem os mares do Alasca, nos Estados Unidos, para obter ouro. Na África do Sul, mergulhadores descem 30 metros para comandar dragas que sugam diamantes para a superfície — na Namíbia, que usa o mesmo procedimento, 64% da produção dessas pedras preciosas vem do mar. Um quarto da areia e do cascalho do Reino Unido já vem de terra sob as águas e, no Japão, quase um terço do carvão produzido chega de depósitos subaquáticos.

Minério de ferro, cobre, níquel, bromo, iodo, titânio e estanho são outros materiais que compõem a lista do que é extraído nos mares e oceanos. Em vez de milhares de garimpeiros munidos de peneiras, a exploração de minérios submarina atrai algumas dezenas de cientistas com doutorado que manipulam robôs com câmeras e braços hidráulicos a 6 mil metros de profundidade. O motivo é o mesmo pelo qual buscamos petróleo no oceano: o esgotamento das fontes terrestres (estimativas apontam que o ouro, por exemplo, pode acabar em uma década se não houver descobertas de novas reservas). 
Nakheel
Direto da fonte: dragas semelhantes a essa, usada em Dubai, retiram areia do mar para a recuperação de praias no RJ e ES
Crédito: Nakheel
Com a escassez dos materiais em terra firme, o preço sobe e a exploração marítima fica mais viável. Para se ter uma ideia, a cotação da areia (um dos produtos retirados do mar pelo Brasil) mais do que dobrou desde 2003 em São Paulo, de acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Os investimentos ainda são pequenos, cerca de R$ 9 milhões anuais vindos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas o valor deve quase triplicar nos próximos quatro anos, com cerca de R$ 100 milhões de investimentos até 2017. Some-se a isso um programa de R$ 25 milhões do Ministério de Ciência e Tecnologia, em um Núcleo de Estudos Avançados do Mar em São Vicente (SP). “Para coletarmos 200 amostras de rochas na elevação do Rio Grande [área do fundo do mar próxima ao Sul do Brasil], os custos giram em torno dos R$ 9 milhões”, diz Kaiser Gonçalves, geólogo e chefe da divisão de Geologia Marinha da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), de Brasília, empresa vinculada ao Ministério de Minas e Energia. A conta fica mais alta do que na mineração terrestre já que é necessária equipe especializada e equipamentos novos têm que ser desenvolvidos para aguentar altas pressões. 
Águas brasileiras
A mineração submarina passou a receber maior atenção do governo e das empresas brasileiras a partir de 2004, quando a Petrobras liberou estudos de geologia marinha mantidos em segredo por razões estratégicas. “Vários projetos de pesquisa de minerais foram ativados e os estudos mostraram que há algo a mais no mar”, afirma Kaiser. Esse “algo mais” (veja quadro ao lado) ainda é bastante obscuro, já que menos de 1% dos 4,5 milhões de quilômetros quadrados da nossa plataforma continental marítima — o equivalente a metade da área do Brasil — é mapeado. Há busca de ouro perto do litoral do Maranhão e de diamantes na costa da Bahia, mas ainda temos muito a descobrir. O objetivo é que, até 2030, tenhamos conhecimento de 25% da composição do território marítimo brasileiro (o equivalente ao dobro da área da Bahia) em uma escala topográfica que permita exploração comercial.

Algumas empresas não quiseram esperar tanto e já exploram areia e calcário em águas rasas, de até 50 metros de profundidade, no litoral do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Maranhão. A areia do mar é usada na recuperação de praias e na construção civil. Já o calcário marinho, que vem do esqueleto de algas, é empregado na ração de animais e em fertilizantes agrícolas. A exploração, ainda muito pequena, é estratégica (importamos 90% dos minerais usados em fertilizantes), e deve crescer para se tornar de larga escala — o que já é feito em países como França e Irlanda. 
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Lá do fundo
Por enquanto, apenas uma instituição no País, a Universidade Federal Fluminense (UFF), tem especialistas aptos a fazer estudos em áreas de maior profundidade. “Daí a urgência de investimentos”, diz Sidney Mello, pesquisador do Laboratório de Geologia Marinha da UFF. Os sais de potássio, associados à camada pré-sal e usados em fertilizantes, são alguns dos minerais que ocorrem nesse tipo de região que estão sendo estudados. “Temos mais de mil áreas de pesquisa requisitadas por duas empresas, uma brasileira e outra canadense, perto do Espírito Santo e da Bahia”, diz Kaiser. No entanto, as companhias, que aguardam aval do Ibama e desenvolvimento de tecnologia, só devem começar a produzir em dez anos, prevê o geólogo. Quanto maior a profundidade, maiores as dificuldades. A lavra comercial de nódulos polimetálicos (ricos em manganês e outros minerais), conhecidos há mais de 30 anos e com mais de 100 patentes relacionadas à exploração, ainda nem começou. As grandes fontes desse minério encontram-se entre 5 e 6 mil metros, exploração ainda muito cara e que não compensa para as grandes empresas.

Outra barreira é a necessidade de mais estudos de impacto ambiental. “Qualquer mineração vai destruir o hábitat de organismos que servem de presas para outros. Gera impacto na biodiversidade e até na pesca. Outro problema é levantar material do solo marinho: gera turbidez que impede que raios solares penetrem na camada do mar, onde os organismos fazem fotossíntese”, afirma o biólogo Fábio Motta, coordenador do Programa Costa Atlântica da Fundação SOS Mata Atlântica. Já para Kaiser Gonçalves, o problema ambiental seria minimizado numa escala oceânica. Antes das preocupações com o que o aumento da mineração submarina pode causar, o Brasil tem um longo caminho para garimpar informações sobre o que explorar. A estimativa é que em 2030, quando devemos ter um quarto do nosso território marinho mapeado, o setor esteja estruturado para uma exploração de maior envergadura. “Vinte anos é o tempo médio em que as atividades de mineração, incluindo a formação de recursos humanos, infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento tecnológico deverão se tornar realidade.”

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