sábado, 11 de fevereiro de 2017

"Não há como ultrapassar a barreira dos 115 anos"

"Não há como ultrapassar a barreira dos 115 anos"

Especialista em longevidade, Jan Vijg diz que o importante hoje é fazer com que as pessoas possam envelhecer com qualidade até lá

O pesquisador Jan Vijg, especialista em longevidade: pesquisa identificou que idade limite de vida do ser humano é de 115 anos (Foto: Divulgação)
Que  as“viver para sempre” é algo compreensível, masJan Vijg acredita que, pelo menos durante algum tempo, esse sonho só vai chegar para alguns afortunados no planeta. E, mesmo assim, somente até os 115 aos.
Por que 115 anos? “Essa é a idade limite que surgiu como conclusão de nossos estudos”, diz o especialista em genética molecular do Departamento de Genética do Albert Einstein College of Medicine, escola de medicina privada em Nova York, nos Estados Unidos. Ao cruzar dados de diversos países, os pesquisadores chefiados por Vijg perceberam que havia um limite para as pessoas bastante idosas, os chamados supercentenários, e que esse era de 115 anos. “Nossa pesquisa sugere que há um limite para a duração da vida humana”.
O estudo indica, ainda, que após os 100 anos, os centenários entram em rápido declínio e, por isso, tão poucos são capazes de se aproximar dessa idade-limite de 115 anos. Para Vijg, enquanto os cientistas não determinam qual é o mecanismo que poderia estender a expectativa de vida — se é que isso é possível — nós deveríamos nos concentrar em “viver melhor e com saúde”. “Queremos que mais pessoas possam viver melhor, com saúde, até atingir esse teto”, afirma. “Ou até que possamos encontrar o mecanismo que permite viver mais”.Esse limite de 115 anos é um salto enorme comparado à expectativa de vida em 1900, por exemplo. Nos Estados Unidos, a expectativa média ficava em 47 anos, enquanto hoje uma criança nascida em território americano chega em média aos 79 anos. Entre os países, o Japão carrega a “taça” da longevidade, com uma expectativa média de 83 anos para alguém nascido hoje.
Seu estudo aponta que o limite de vida dos seres humanos estaria em 115 anos. Mas, enquanto estamos conversando, dezenas de companhias gastam bilhões de dólares em pesquisa para aumentar a expectativa de vida humana. O sr. diria que é um dinheiro mal gasto, já que sua pesquisa aponta que chegamos ao limite?
Evidentemente, é preciso continuar pesquisando, mas o que percebemos até agora é que não há como ultrapassar essa barreira de 115 anos. Nos últimos 25 anos, embora tenhamos registrado um significativo avanço em tratamentos para muitas doenças, não tivemos um aumento nessa idade máxima. Isso nos mostra que ainda não fomos capazes de encontrar algo que nos faça viver mais tempo. A boa notícia é que há mais tratamentos disponíveis para muitas enfermidades, portanto, um número muito maior de pessoas é capaz hoje de se aproximar dessa idade máxima.
Quais são os principais fatores que garantem a um ser humano chegar perto desse teto?
Há alguns elementos em comum, mas ainda não é possível associar um só perfil aos que vivem mais tempo. Seja por uma questão genética, uma mistura de sorte e uma vida saudável, um pequeno número de pessoas chega próximo a esse limite de 115 anos. Isso é o que os dados nos mostram. Se você pensar que houve um momento na história em que a idade média das pessoas girava em torno dos 25 anos, porque muitas crianças morriam ainda na infância de várias doenças, de fome ou de frio, tivemos um enorme avanço. A expectativa de vida chega a quase 80 anos em grande parte dos países desenvolvidos. Um número imenso de pessoas está vivendo mais e melhor. Se encontrarmos o mecanismo que limita nosso tempo de vida, aí teremos as ferramentas que permitirão quebrar essa barreira — e, por consequência, teremos seres humanos que possam desafiar o limite da idade. O problema é que hoje não sabemos qual é esse mecanismo.
Em seu estudo, qual foi a descoberta mais surpreendente? Foi o fato de que nós temos um “teto” de sobrevivência?
Quando iniciamos o estudo, havia uma suposição de que nós, seres humanos, temos um limite de vida. Quando publicamos nossas conclusões, muita gente não conseguia acreditar nos dados apresentados e houve muita repercussão. Eu mesmo fiquei muito surpreso. Alguns pesquisadores apontaram que mesmo com cobaias criadas em laboratório, em um ambiente limpo e controlado, os ratos ainda assim sentiam os efeitos do envelhecimento e chegavam aos três anos e morriam. E esse é o limite para os ratos. No caso dos seres humanos, como vimos na nossa pesquisa, é de 115 anos. Podemos afirmar isso agora com acuidade, porque com 7 bilhões de seres humanos no mundo, há uma boa quantidade que vive em condições confortáveis, com boa comida, acesso a tratamento médico e ainda assim temos um número muito pequeno de pessoas que chegam perto dos 115 anos.
Os próprios avanços da ciência permitiram a muita gente estender sua expectativa de vida. Isso é um passo no processo da busca pela longevidade?
Muitos cientistas acreditam que, ao desenvolvermos melhores remédios, tratamentos, ferramentas e pesquisas, seremos capazes de manter as pessoas vivas por mais tempo, gradativamente aumentando a longevidade até quebrar esse limite. Eu não acredito nisso. Pessoalmente, creio que o processo de envelhecimento afeta a todos nós. Alguns vão morrer ao chegar aos 75 anos, outros chegarão aos 80, 90 anos, alguns poucos, por uma questão de genes e outros elementos, poderiam chegar até os 115 anos — mas não além disso. O número de pessoas que chega próximo a esse teto é muito pequeno. Para mim, é importante perceber que hoje conseguimos manter as pessoas vivas por mais tempo. Acho isso milagroso. Só por essa questão, nós deveríamos estar muito felizes.
Diante dos estudos publicados, o sr. diria que falta muito tempo para que algum cientista consiga quebrar essa barreira do tempo — se é que isso é possível?
É difícil dizer, só posso falar baseado nos fatos que temos hoje. À medida que envelhecemos, há muitas coisas que podem dar errado, então para combater cada coisinha, você precisa de uma quantidade enorme de remédios e tratamentos, então me parece improvável que a maior parte das pessoas possa pensar em viver até os 115 anos. Claro, é preciso continuar pesquisando até que sejamos capazes de determinar qual é o processo básico de envelhecimento e, ao encontrarmos, sermos capazes de fazer algo a respeito. Mas, de novo, há cerca de dois séculos, nós também não esperávamos voar como os pássaros, e hoje podemos, então, quem sabe?
Ao analisar os dados dos países que hoje possuem maior número de centenários — como Japão, Estados Unidos e França —, o sr. percebeu algum fator cultural ou ligado à nutrição que seria comum aos supercentenários?
Não creio que haja uma conexão nesse sentido. Há países que contam com uma expectativa de vida mais alta do que outros, mas isso está relacionado, especialmente nos países ricos, ao fato de que mais pessoas têm acesso a bom tratamento médico, crescem com melhor nutrição ou mantêm bons hábitos para a vida toda. É nesses países que encontramos o maior número de pessoas centenárias. Dito isso, é importante citar que nós lidamos com dados organizados e, nos países desenvolvidos, a informação disponível é bem confiável. Há muitos países que podem até ter uma população centenária, mas que não dispõem de tantas informações. Muitas pessoas podem até dizer que têm mais de 115 anos, mas não há como aferir. Para nós, pesquisadores, que lidamos com dados, só foi possível concluir uma pesquisa como essa com base em documentação. E, em países como Reino Unido e Japão, os cidadãos têm acesso a bons programas de saúde, exercício, boa alimentação. Se pudéssemos contar com as mesmas informações na China, no Brasil e na Índia, talvez pudéssemos comprovar nossa conclusão ou, quem sabe, descobrir que estamos errados.
Diante da possibilidade de que mais seres humanos vão viver mais tempo, poderíamos concluir também que os governos vão ter de repensar a idade da aposentadoria. Será que as leis trabalhistas terão de ser todas reformadas em breve?
Olhando por esse lado, isso faz sentido. Mas me deixe dizer uma coisa. A caminho do meu trabalho, eu passo por trabalhadores que coletam lixo ou estão tirando neve das ruas. É um trabalho pesado. Acho que essas pessoas, por cujo trabalho eu sou muito grato, não deveriam se aposentar mais tarde, seguindo essa linha de pensamento, e, sim, mais cedo — já que têm um trabalho muito difícil. Como regra geral, acho que devemos ser cuidadosos antes de tomar uma decisão. Há certos tipos de trabalho que são muito pesados e que podem afetar sua saúde — portanto faria sentido se aposentar antes dos 60 anos. Se um profissional chega aos 60 anos se sentindo muito saudável, disposto, não há qualquer problema em continuar trabalhando. Mas em vários casos, creio que precisamos abrir exceções. Mas talvez daqui a algum tempo talvez vejamos a aposentadoria somente após os 70 anos.
Da mesma maneira, todos precisamos aceitar que vamos ficar velho e, sim, vamos morrer em algum ponto antes dos 115 anos.
Falando como cientista, eu diria que nunca se sabe. Há séculos, você pensaria que ao ver uma pessoa saudável e trabalhando aos 50 anos era praticamente impossível. Eu ainda continuo muito esperançoso que os cientistas possam encontrar um modo de ultrapassar o limite de 115 anos.
Portanto, na sua opinião, deveríamos aproveitar esta “era dourada” para envelhecer melhor e sermos gratos e felizes por estar aqui?
É exatamente o que deveríamos fazer. A coisa mais importante é tentar fazer com que mais e mais pessoas cheguem perto desse limite de 115 anos, prevenindo ou tratando e curando doenças, para que continuem saudáveis por mais tempo em suas vidas. E continuar pesquisando os mecanismos que nos permitiriam, talvez, viver mais tempo. Apesar do meu estudo, eu continuo otimista.

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