Cinquenta anos do garimpo de ouro do Tapajós
Luiz Preto: Quatro décadas dedicadas ao garimpoQuando
nasceu, no Ceara, no município de Juazeiro do Norte, no dia 02 de
janeiro de 1945, seus pais lhe deram o nome de Luiz Silva de Sousa, mas,
ficou mesmo conhecido foi pelo apelido de Luiz Preto. Em 1957 deixou
seu Ceará por causa de um forte seca, mudando-se para o Maranhão. Ele
tem passado a maior parte de sua vida, mais de quatro décadas, exercendo
a atividade de garimpeiro. É esse personagem bastante conhecido na
região, o destaque desta edição na série de reportagens sobre o
cinquentenário da garimpagem no Tapajós.
"Eu comecei a trabalhar
em garimpo, no ano de 1965, já vivendo no Estado do Pará. Chamava-se
garimpo do Cajueiro, na margem do Rio Araguaia, no município de São
Geraldo do Araguaia. Deu pra fazer um dinheirinho lá. Depois voltei para
o Maranhão, onde trabalhei num garimpo perto de Imperatriz. Eu tinha só
vinte anos de idade. Passei um tempo em Marabá, onde não dei muita
sorte. No verão de 1970 mexi com caça de gato do mato para vender a
pele. Em 1971 fichei na ECIR, que trabalhava na construção da
Transamazônica, de Marabá para Itaituba. No verão de 1974 estava
desempregado. Depois de trabalhar na juquira durante o inverno, eu vim
tentando conseguir alguma firma para fichar, até que cheguei a Itaituba.
Tomei conhecimento das atividades de garimpo, me animei e resolvi
entrar. Entrei no dia 28 de novembro de 1974 levado para o Marupá pelo
seu Argemiro, irmão do seu Lulu do Juliana Park Hotel.
Nesse
tempo tinha dono de garimpo que cobrava até 45 diárias numa passagem
para garimpo. Eu tive sorte de achar aquele cidadão que me levou por
apenas 16 diárias. O preço era 32 gramas de ouro pela passagem; como ele
pagava dois gramas por diária, com 16 dias trabalhados a gente pagava a
passagem de avião.Teve um que cobrava 45 diárias, quer me perguntou se
eu não queria ir. Eu respondi que não, porque não era ladrão do meu
próprio bolso.
A gente foi direto para a pista velha do Marupá;
aquela mesmo, que começa ao lado do cemitério, conhecida como a pista
dos Sudário. Fui trabalhar com o seu Argemiro e com o seu Goiano, mais
tarde, dono da Táxi Aéreo Goiás. Eles eram sócios. Naquele tempo o
Goiano era pobre, daquele tipo que levantava às quatro e meia da manhã
para fazer o café dele.
Fomos em três daqui. Chegando lá nos
dirigimos direto para o baixão do Bem-Ti-Vi. Não era fácil! Um tinha que
ficar para fazer e levar a merenda, enquanto dois saiam com escuro,
pois a gente tinha que secar o barranco na lata, pois minava muita água.
Quando dava lá pelas oito horas da manhã a gente terminava de secar o
barranco para poder começar a trabalhar na busco do ouro.
Eu
demorei bastante tempo nesse garimpo, porque o seu Argemiro e o seu
Goiano foram excelentes patrões. Eu era brabo em garimpo de ouro e
aprendi a trabalhar com eles. Fiquei mais de um ano lá com eles. Foi
quando apareceu a chance de ir para outro serviço melhor, juntamente com
o Vovô e o Felipão, dois crioulos das guianas que me ensinaram muitas
coisas. Foram tempos muito difíceis. Eu só fui conseguir dinheiro para
ir até a currutela depois de seis meses. Se tivesse tirado um ouro bom
antes, talvez tivesse ido embora, pois eu custei a me acostumar com
aquela vida, longe de tudo. A malária me achou muito cedo, com uns vinte
dias que eu estava lá ela me pegou. Todo mês eu perdia uma semana ou
mais. Mas, com o tempo fui me acostumando e estou até hoje no garimpo.
A
situação melhorou quando eu encontrei um cidadão, também, muito bom,
que foi o Zé da Roça, que vendia uns remédios com os quais eu me dei
bem. Nesse tempo, no Marupá, eu já estava mais manso e cheguei a juntar
mais de um quilo de ouro, quando eu tocava um serviço próprio, com mais
de vinte pessoas trabalhando. A essa altura eu já vinha a Itaituba,
comprava o rancho e levava num vôo completo. Houve um tempo em que eu
gastava na currutela tudo que ganhava. Mas, depois eu vi que aquilo não
tinha futuro e parei com as farras.
Algum tempo depois eu mudei
para o garimpo Nova Vida, que era do Elídio Leal onde eu fiquei quase um
ano; com isso, eu acabei completando quase quatro anos na região do
Marupá. Passei um tempo explorando perto da pista do Luiz Barbudo, do
final de 1978 para o início de 1979; foi quando aconteceu um negócio que
não foi muito agradável no Marupá (quando a reportagem pergunta que
tipo de negócio desagradável foi esse, Luiz Preto fica silencioso e
desconversa) e aí eu tive que vir para Itaituba.
Nesse tempo uma
malária braba me pegou. Um dia, subindo uma ladeira eu estava tão mal
que eu achei que não iria conseguir chegar em cima. Dava um passo para
frente e dois para trás, com muito sacrifício consegui chegar num
barraco que havia lá. Sem comida, comi um jacu insosso; a fome estava
braba e quando eu dei fé tinha comido quase tudo.
A chegada no CrepurizinhoEm
Itaituba, onde vim tratar da malária, encontrei o Bitonho que eu já
conhecia lá do Marupá. Ele tinha ido olhar o Crepurizinho. Ele me disse
que eu tinha tudo para me dar bem por lá, pois havia bastante terra para
ser explorada. O Crepurizinho já era uma curritela grande. Me contaram
que a exploração de garimpo começou do final de 1959 para o começo de
1960. O Aluizio Mourão conhece tudo direitinho; ele sabe quando começou.
Vai
fazer 30 anos que eu cheguei. No dia 28 de outubro de 1978 eu cheguei
no Crepurizinho. Na noite daquele dia eu conheci um camarada chamado
Raimundo Varador, com o qual eu fui para o baixão do Papagaio. Na manhã
seguinte. Ele me vendeu um servicinho, fiado, que ele tinha lá com uma
tralha, por cem gramas de ouro. Até hoje eu estou naquele lugar.
No
Crepurizinho eu passei por momentos muito bons, mas, também vivi
situações muito difíceis. Isso aconteceu (o bom) a partir do momento em
que surgiu o trabalho com balsa, mais tarde veio a chupadeira e melhorou
de 80% a 90%. Foi de 1982 para 1983. Eu cheguei a ter até 18 pares de
máquinas. Foi um período em que a gente produziu bastante. Tinha um
rapaz que trabalhava comigo, que anotava tudo; em pouco mais de dois
anos e meio de exploração, até 1987, a gente produziu mais de 170 quilos
de ouro.
Quando a situação estava muito boa, veio o governo do
presidente Fernando Collor de Melo. O grama do ouro estava sendo vendido
entre 850 mil e 890 mil Cruzeiros. Quem vive em Itaituba e na região de
garimpo desde aquele tempo sabe muito bem do que estou falando. O
Collor arrebentou com a gente. Eu mesmo afundei, pois eu tinha mais de
cinco quilos de ouro que era para saldar uma conta de um milhão e
duzentos mil Cruzeiros.
Eu pagaria a conta com mais ou menos um
quilo e meio de ouro. Não vendi antes do Collor assumir, esperando
melhorar o preço. O resultado foi que tive que vender todo o ouro para
poder saldar a conta. Só não comecei do zero porque tinha um bom estoque
de mercadorias e um bom estoque de óleo diesel. Se a gente tivesse
tomado a decisão de parar por um tempo, talvez a gente tivesse se dado
melhor, porque o que aconteceu foi que voltei a tocar o serviço, queimei
o diesel todo e consumi a mercadoria e aí, sim, fiquei totalmente sem
capital.
Naquele momento vieram outros problemas que pioraram a
situação, que já era bem complicada. Veio separação de mulher,
desonestidade de gente que trabalhava comigo, que não repassava direito o
que era apurado. Apesar disso, eu nunca parei com a atividade
garimpeira. Eu passo quinze dias aqui e um mês lá dentro. No início em
passava seis meses lá e quinze em Itaituba. Tive que mudar porque eu não
ia abandonar meus filhos, que foram largados pela mãe. São três, dois
rapazes, um com dezoito anos, um com dezessete e uma moça dentro dos 14
anos.
Investimentos - Eu construi esta casa, que não está
concluída, que tem quatorze compartimentos, comprei uma terra que vai do
km 35 ao km 37, que se encontra invandida por um pessoal que diz ser
Sem Terra; eu digo que não são Sem Terra, coisa nenhuma. É gente que
viveu no garimpo, ganhou algum dinheiro, mas gastou tudo e se acostumou a
tomar terra dos outros, desde aquele tempo. A terra está quase toda
invadida. Ainda tenho um pouco de gado nessa fazenda e um pouco mais lá
dentro, no Crepurizinho, que está melhor do que a fazenda daqui. Eu
investi muito, também, em documentação de terra, tanto do solo como do
subsolo.
Tenho uma terra no Crepurizinho que está quase toda
regularizada, numa extensão de mais ou menos vinte mil hectares. Eu
aguardo algum interesse desses grupos de estrangeiros que estão
investindo na região, ou quem sabe, algum financiamento para poder eu
mesmo explorar o ouro, que agora está muito mais difícil, mais profundo,
pois o ouro mais raso está cada vez mais escasso. A terra em que eu
estou trabalhando eu sinto que é muito boa, mas me falta o capital.
Algumas
vezes corri risco de ser morto, como aconteceu quando estava
construindo uma pista naquela região. Fui avisado por uma pessoa chamada
Massa Bruta, de que o seu Lourival, dono de uma agência lá no
Crepurizinho, aquele mesmo, que era bastante conhecido aqui em Itaituba,
queria mandar me matar para evitar que eu construísse a pista.
Numa
viagem de avião, do garimpo para Itaituba, ele fez a proposta para o
Massa Bruta me matar, mas ele não aceitou fazer o serviço. O Massa Bruta
disse que não faria porque eu era um trabalhador; ele me avisou sobre o
que estava acontecendo para eu me cuidar. Eu tinha tentado fazer uma
sociedade na pista que eu estava construindo, mas o Lourival não quis.
Eu digo que eu escapei por pouco.
A juíza tomou meu garimpoO
momento mais difícil da minha vida de garimpeiro aconteceu quando eu
fui coagido por uma juiza que trabalhou em Itaituba, chamada Cléa Maia.
Ela tomou o garimpo que eu tocava na época, no inverno de 1984. Ainda
tem gente daquele tempo que trabalha comigo. Outros, que não trabalham
mais para mim estão na área para contar a história. Por causa disso eu
passei vinte e dois dias preso. O delegado era o finado Miguel Apinagés.
Eu
perdi tudo. Fui morar em casa alugada. As festas juninas de 84 eu
passei preso na delegacia que funcionava onde é agora o Detran. Fui
preso sem dever nada para a Justiça. Meu pecado era ser dono de uma
terra que um caboco chamado Augusto Franco queria de qualquer jeito.
Perdi a terra e quase perdi a vida; fui desmoralizado.
Eu estava
na agência do Pai Velho para viajar, quando o delegado Miguel chegou e
meu ordem de prisão. Ele ligou para a juiza e ela mandou me recolher.
Naquela situação eu fui ajudado pelo Pai Velho, pelo seu Argemiro, pelo
Goiano, pelo Irajá, pelo Zé da Roça e pelo Dr. Semir. Eu devo uma grande
fineza do Dr. Semir, que me defendeu mesmo sabendo que eu não tinha
dinheiro para nada naquela ocasião.
Todo o ouro que havia no
garimpo o Augusto Franco tirou nos cinco ou seis anos que ele ficou lá.
Ele construiu casa de trinta ou mais quilos de ouro aqui, construiu casa
em Santarém, teve fazenda. Ele só saiu de lá quando esgotou o garimpo.
Por estar preso, eu perdi uma roça de 55 hectares de arroz, que estava no ponto de ser colhido. Preso, não tive como colher.
A
minha situação ficou tão complicada, mas, tão complicada, mesmo depois
que eu ganhei a liberdade, que tinha horas que eu não sabia o que fazer.
Eu fui para o garimpo, pois tinha outra terra. Mas, para trabalhar eu
tinha que ir por um caminho, por uma vereda, e voltava por outro. Tinha
polícia pra todo lado, tudo contra mim. Por último, eu criei coragem de
enfrentar tudo aquilo, sabendo que podia morrer a qualquer momento; mas,
eu precisava trabalhar.
O Reinaldo tentou me matarFinal
dos anos 80, começo dos anos 90 eu fui morar com uma mulher, mãe destes
meninos (dois rapazes e uma moça citados antes). Ela estava envolvida
nuns negócios que eu não sabia, mas que podia ter custado minha vida.
Tinha
uma quadrilha formada pelo Barradas, o Reinaldo e outros que queria me
pegar. Eles arrumaram tudo para a mulher vir morar comigo, que era para
ver o que eu tinha, para que eles me sequestrassem e me matassem. Mas,
antes de me matarem eles me forçariam a assinar uns papéis, passando
para eles tudo o que eu tinha.
O que me fez entrar para a
política foi que eu estava num conflito tão grande, tão aflito com
aquele situação, com aqueles caras cercando minha casa, dizendo que eram
meus amigos, que queriam me proteger, quando na verdade queriam me
matar. O Reinaldo vivia dentro da minha casa, atendendo telefonema e
colocando os capangas dele para me vigiar. Eu estava sem controle da
minha vida. Eu tinha gasto mais ou menos uns cinco quilos de ouro
tentando esclarecer a morte do meu irmão Raimundo.
Na Semana
Santa de 1991 eles esperavam fazer o serviço. Uma noite o Reinaldo
chegou na mina casa com uns homens, com uma conversa furada, dizendo que
era para me proteger, porque podia acontecer alguma coisa comigo. Eu
olhei para o Céu e disse que achava que ele tinha vindo de lá.
Um
dia um amigo me convidou para ir fazer uma visita para o seu Wirland
Freire, que conhecia o Reinaldo. Seu Wirland mandou chamar ele. Quando o
Reinaldo chegou o seu Wirland disse que eu era amigo dele, além de ser
um bom cliente dele e que não queria que acontecesse absolutamente nada
comigo. Foi só assim que eles me deixaram em paz. A partir daí minha
vida começou a melhorar de novo. Por isso entrei na política.
Pouco
tempo depois a mulher foi embora deixando os três filhos, quase
assumindo a culpa, enquanto o Reinaldo foi morto não muito tempo depois
de tudo isso. Hoje, ela toca a vida dela e eu toco a minha, cuidando dos
meus filhos, sem nunca abandonar o garimpo. Mas, por eles, pelos
filhos, eu mudei até o tempo de permanência lá pra dentro. Assim tem
sido minha vida, vida de garimpeiro.