Exploração de minério: o surgimento de um novo Carajazão. Entrevista especial com Rogério Almeida
“É o maior empreendimento de mineração de ouro a céu aberto do
país e deverá retirar 50 toneladas de ouro no prazo de 12 anos. Um
prazo curtíssimo”, constata o pesquisador.

O
projeto Belo Sun, a ser executado no estado do Pará, “é o maior
empreendimento de mineração de ouro a céu aberto do país e deverá
retirar 50 toneladas de ouro no prazo de 12 anos”, informa Rogério
Almeida, em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail.
Segundo ele, a empresa Belo Sun “tomou posse dos antigos garimpos
Grota Seca, Galo e Ouro Verde, que existem desde os anos 1940. Isso já
provoca estranheza num cenário marcado pela desordem fundiária, onde a
maioria das terras é tutelada pela União. Ali vivem os povos indígenas
Juruna e Arara e outros povos isolados, além de lavradores,
extrativistas e pescadores que sofrem com a espoliação e a expropriação
promovidas pela Belo Monte”.
Almeida relata que há seis meses os garimpeiros estão “impedidos de
operar nas antigas áreas”, e a empresa prometeu reassentar mais de mil
famílias. No entanto, ressalta, “na Ressaca e na Ilha da Fazenda, que
ficam bem próximas, o clima é de incerteza e insegurança. As populações
já socializam a desordem que a usina de Belo Monte provoca. É ali que o
Xingu terá a sua vazão reduzida em perto de 80%. É um impacto absurdo e
tem implicações no deslocamento das pessoas, nas fontes de recursos que a
natureza possibilita. As pessoas não sabem informar sobre o
reassentamento. Parte da Ressaca é de projeto de assentamento da reforma
agrária”.
Rogério Almeida é graduado em Comunicação Social pela Universidade
Federal do Maranhão e mestre em Desenvolvimento Sustentável do Trópico
Úmido pela Universidade Federal do Pará, com a dissertação intitulada
Territorialização do campesinato no sudeste do Pará, a qual foi laureada
com o Prêmio NAEA/2008. Atualmente leciona na Faculdade de Tecnologia
da Amazônia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que consiste a atividade da Belo Sun e desde quando a empresa atua no Brasil?
Rogério Almeida – Tomei conhecimento da existência da Belo Sun no
Brasil agora, em visita às comunidades da Vila da Ressaca e da Ilha da
Fazenda, que serão impactadas pelo projeto da hidrelétrica de Belo
Monte, na Volta Grande do Xingu, no território do município de Senador
José Porfírio.
Conforme o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA apresentado à
Secretaria de Meio Ambiente do Pará – SEMA, trata-se de uma subsidiária
brasileira da Belo Sun Mining Corporation, pertencente ao grupo Forbes
& Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado que
desenvolve projetos de mineração em todo o mundo.
A Belo Sun passa a integrar a aquarela de grandes corporações de
mineração que operam no estado do Pará, competindo com a Vale, a
estadunidense Alcoa, a suíça Xstrata, a francesa Imerys, a Reinarda,
subsidiária da australiana Troy Resourses, a norueguesa Norsk Hydro e a
chilena Codelco.
IHU On-Line – O que é o projeto Belo Sun?
Rogério Almeida – É o maior empreendimento de mineração de ouro a céu
aberto do país e deverá retirar 50 toneladas de ouro no prazo de 12
anos. Um prazo curtíssimo. Localiza-se numa região que será
profundamente impactada pela usina de Belo Monte. A Belo Sun tomou posse
dos antigos garimpos Grota Seca, Galo e Ouro Verde, que existem desde
os anos 1940. Isso já provoca estranheza num cenário marcado pela
desordem fundiária, onde a maioria das terras é tutelada pela União. Ali
vivem os povos indígenas Juruna e Arara e outros povos isolados, além
de lavradores, extrativistas e pescadores que sofrem com a espoliação e a
expropriação promovidas pela Belo Monte. O futuro das pessoas que moram
na Volta Grande do Xingu é incerto pelo conjunto de impactos que os
dois projetos irão produzir. A mineração do ouro usa cianeto, dragas e
dinamite, e deixará uma montanha de resíduos ali. Externalidades
negativas é uma matriz da mineração. O projeto aprofunda ainda mais a
condição econômica da Amazônia como uma grande província exportadora de
recursos naturais. Uma colônia baseada em commodities. Há perto de 500
pedidos de prospecção protocolados junto ao Departamento Nacional de
Produção Mineral – DNPM somente na Volta Grande do Xingu, e, desse
total, 228 possuem foco no ouro.
IHU On-Line – Como está ocorrendo a exploração de minério no Pará?
Rogério Almeida – O minério é o principal item da balança comercial
do estado, responde por quase 100% do Produto Interno Bruto – PIB. Em
todo o território existe minério, de seixo a ouro. O ferro da província
de Carajás, explorada desde a década de 1980, continua sendo o
principal. O estado é duplamente saqueado, por conta da renúncia fiscal
da Lei Kandir (lei complementar federal nº 87, de 13 de setembro de
1996). Ela desobriga as empresas de recolher o Imposto de Circulação de
Mercadoria e Serviço – ICMS dos produtos primários e semielaborados.
Literalmente fica somente o buraco.
Ao longo dos anos da mineração em Carajás, os péssimos indicadores
socioeconômicos não sofreram alteração. A fronteira agromineral
consolidou o sul e o sudeste do Pará como os que mais desmatam, mais
assassinam camponeses na luta pela terra no Brasil, e com municípios nos
primeiros lugares entre os mais violentos do país e de vulnerabilidade
para a população jovem. Nenhum município tem renda per capita que
alcance um salário mínimo por mês. O município vizinho da mina de
Carajás, Curionópolis, tem a renda per capita de R$ 108,15, quase a
mesma da pequena Palestina do Pará, R$ 106,64.
IHU On-Line – Quem são os garimpeiros da Vila da Ressaca? Como eles atuavam antes da entrada da Belo Sun no Pará?
Rogério Almeida – Conforme informações da cooperativa dos garimpos da
Vila Ressaca, são perto de 600 garimpeiros. Eles trabalham em condições
marcadas pela precariedade, sem vínculo empregatício. Ficavam somente
com 20% do ouro encontrado. O “patrão”, o dono do local da exploração,
bancava com máquinas e combustível o processo, e ficava com 80%.
IHU On-Line – Em que consiste o conflito deles com a Belo Sun?
Rogério Almeida – Há seis meses os garimpeiros estão impedidos de
operar nas antigas áreas. Eles explicitam que perderam a principal fonte
de renda. A vila, hoje, tem um aspecto de cidade fantasma. As áreas
foram negociadas com a Belo Sun, como falei antes, num ambiente marcado
pela ilegalidade fundiária.
IHU On-Line – Qual é a proposta de reassentamento das famílias da Vila Ressaca, Galo e Ouro Verde, feita pela Belo Sun?
Rogério Almeida – Em documento formal a empresa afirma que promoverá o
reassentamento de mil famílias. No entanto, na Ressaca e na Ilha da
Fazenda, que ficam bem próximas, o clima é de incerteza e insegurança.
As populações já socializam a desordem que a usina de Belo Monte
provoca. É ali que o Xingu terá a sua vazão reduzida em perto de 80%. É
um impacto absurdo e tem implicações no deslocamento das pessoas, nas
fontes de recursos que a natureza possibilita.
As pessoas não sabem informar sobre o reassentamento. Parte da Ressaca é de projeto de assentamento da reforma agrária.
IHU On-Line – Qual a atual situação da exploração mineral em Carajás?
Rogério Almeida – Carajás vivencia uma grande inflexão com o
desenvolvimento do maior projeto de mineração da Vale ao longo dos seus
40 anos de vida, o Projeto de Mineração da Serra Sul (S11D), localizado
no município de Canaã dos Carajás, e que vai explorar ferro. O S11D
desponta no cenário atual como uma representação do Grande Carajás no
século XXI.
Um novo Carajazão, como o foi a primeira versão da década de 1980. O
mesmo consiste em profundas alterações nos cenários econômicos, sociais e
políticos em Carajás, que compreende desde a mina até o porto, em São
Luís, no Maranhão, pressionando reservas ambientais, vilas, territórios
ancestrais e projetos de assentamentos rurais. O S11D encontra-se nos
limites dos municípios a sudeste do Pará, Canaã dos Carajás e
Parauapebas.
Com o projeto, a mineradora vai incrementar a produção de ferro em 90
milhões de toneladas por ano, mas com capacidade de dobrar a produção. O
mercado asiático tem sido o destino do minério de ferro de excelente
teor das terras dos Carajás, em particular a China e o Japão. A previsão
é que a usina inicie as operações até 2016. A iniciativa, que inclui
mina, duplicação da Estrada de Ferro de Carajás – EFC, ramal ferroviário
de 100 km e porto, está orçada em US$ 19,5 bilhões.
Os recursos estão distribuídos da seguinte forma: a logística
consumirá US$ 14,1 bilhões; US$ 8,1 bilhões serão usados na mina e na
usina; enquanto US$ 2 bilhões serão usados durante o ano.
Como em outros empreendimentos na Amazônia, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES é o responsável por parte dos
recursos, ao lado do banco japonês Japan Bank International Cooperation
– JBIC. O projeto é maior ou equivalente à primeira versão do Programa
Grande Carajás – PGC, iniciado há quase 30 anos.
O minério que sairá da Serra Sul é considerado ainda de melhor teor
que o extraído da Serra Norte, avaliado como excelente. O teor da S11D é
de 65%. A Vale é, atualmente, a líder mundial no mercado de ferro,
responsável por 310 milhões de toneladas por ano. Como em outros casos
registrados na região, o início do projeto mobiliza uma série de
alterações na cidade que abriga a mina e em municípios do entorno.
IHU On-Line – Fala-se de um possível aumento de conflitos no
Pará por conta da exploração de ouro. O senhor vislumbra algo nesse
sentido?
Rogério Almeida – Faz-se necessário uma leitura sobre o contexto dos
grandes projetos na Amazônia, em consonância com obras de infraestrutura
do estado para que os mesmos possam ser viabilizados. Esse conjunto
coloca em oposição populações locais e as grandes corporações. É uma
luta desigual, marcada pela derrota dos primeiros, que ao longo dos
séculos são os penalizados com todo tipo de desrespeito, expropriação,
espoliação e morte. Não tem ocorrido nenhuma alteração.
IHU On-Line – Como o estado do Pará se manifesta diante da atuação da empresa na região?
Rogério Almeida – Ele garante as condições para o empreendedor
detentor de capital, ou que se capitaliza com os recursos do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, que se constitui
como o principal financiador das grandes corporações na Pan-Amazônia.
Soma-se a isso um xadrez no campo jurídico que busca fragilizar
algumas garantias das populações consideradas tradicionais, como
indígenas e quilombolas, entre outras. Para não falar nos bastidores das
negociatas típicas de vésperas de pleitos eleitorais.