Enigma geológico
Pesquisa do IGC/UFMG estuda as rochas que dão origem aos diamantes
Passeando pelas ruas de algumas cidades do interior de Minas
Gerais, visi-tando igrejas e praças, percebe-se a presença de um de
seus elementos históricos mais marcantes: o diamante. Ele já motivou
tropeiros e comendadores e tornou famosa a escrava Xica da Silva. Ao
lado da importância histórico-cultural e econômica, a pedra preciosa
desperta também o interesse da geologia. Mais do que o próprio diamante,
o que tem motivado pesquisas nas universidades mineiras é a rocha que
encerra o mesmo: o kimberlito.
O kimberlito é um conduto
vulcânico, ou seja, uma estrutura que conecta a superfície da Terra ao
seu interior e por onde o magma (material expelido pela parte visível do
vulcão) flui, a partir das partes mais profundas, onde ele se forma.
Para visualizar seu formato, basta lembrar que, em inglês, conduto
significa neck, ou seja, pescoço.
Kimberlitos são objetos de
estudos de pesquisadores do Departamento de Geologia do Instituto de
Geociências (IGC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a
coordenação do professor Geraldo Norberto Chaves Sgarbi. Com o apoio da
FAPEMIG, o projeto denominado “Identificação de kimberlitos nas regiões
Oeste e Central de Minas Gerais” teve início no ano passado e começou
abrangendo as cidades da região do Alto Paranaíba, como Carmo do
Paranaíba, Patos de Minas, Arapuá, Coromandel, Patrocínio, Lagoa Formosa
e Tiros. A segunda fase do projeto, aprovada pela Fundação no final do
ano passado, vai aprofundar as pesquisas já realizadas e abranger também
a região central do Estado.

A vegetação indica a presença de rochas vulcânicas
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Diamantes mineiros O diamante forma-se no
interior da Terra, em profundidades de cerca de 150 km, sob altas
pressões e temperatu-ras, por átomos de carbono. Segundo o professor
Geraldo, o conduto vulcânico atua como uma espécie de “táxi” para a
pedra preciosa, visto que o magma, ao subir em direção à superfície, a
uma velocidade de aproximadamente 800 km/h, transporta a pedra, que se
encontra em estado bruto. Alguns geólo-gos fazem uma analogia desse
magma, que sobe em altíssima velocidade, com uma “perfuradeira química”,
que dissolve as rochas encontradas durante sua ascensão.
Todo
esse material é submetido a uma pressão muito alta no interior da Terra,
a qual é liberada ao atingir a superfície. Nesse momento, o magma
kimberlítico geralmente explode, devido à súbita redução da pressão, e
se solidifica em uma rocha denominada kimberlito. Quanto aos diamantes,
apenas uma ínfima fração resiste a esse transporte até a superfície.
O
processo de formação de kimberlitos ocorreu, no oeste mineiro, há cerca
de 85 milhões de anos e, hoje, os pesquisadores se deparam com um
“enigma geológico”: no Brasil, temos muitos kimberlitos estéreis, ou
seja, sem diamantes. Entretanto, a pedra pode ser encontrada em alguns
leitos dos rios dessas regiões. Curiosamente, alguns países de dimensões
continentais como a Austrália, África do Sul, Canadá e Rússia produzem
diamantes não somente através dos leitos dos rios, como no Brasil, mas
direto da fonte, ou seja, através dos kimberlitos. Isso fez com que
esses países sejam grandes produtores, ultrapassando o Brasil, que foi o
maior produtor mundial no século XIX.
Por que não fazemos o
mesmo? Porque, pelo que se sabe até então, não temos kimberlitos
mineralizados em diamantes. É justamente esse o contexto do enigma: não
temos kimberlitos mineralizados, mas temos aluviões com diamantes nas
mesmas regiões onde se encontram esses kimberlitos. Então, a pergunta
correta é: qual a origem dos diamantes mineiros? Um fator que ajuda a
compreender a dificuldade na realização dessas pesquisas é o clima
brasileiro, pois, em climas tropicais úmidos, a água aumenta
consideravelmente a velocidade das reações químicas. Assim, como os
minerais que formam a massa principal do kimberlito não são muito
resistentes à degradação química, este se transforma e se confunde com
outras rochas.

Prof. Geraldo Norberto Sgarbi, da UFMG
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A pesquisa desenvolvida pela UFMG é pioneira no Estado. Além da
importância econômica, que não pode ser desconsiderada quando se trata
de diamantes, sobretudo em um país de tradição diamantífera, a pesquisa
cons-titui uma base para a geologia, para o conhecimento da terra e dos
recursos de que dispomos.
O que os olhos vêem, o coração senteTodas
as transformações que ocorrem nas camadas internas da Terra, assim como
os elementos que ali se formam, produzem efeitos visíveis na superfície
do Planeta. Sendo assim, para descobrir kimberlitos, é possível
utilizar alguns critérios físicos que funcionam como indicadores.
Segundo o pesquisador, a partir dos estudos teóricos, a equipe, composta
de um biólogo e três geólogos, foi a campo em busca dos elementos que
pudessem dar indícios da presença de kimberlitos.
Ele destaca o
critério geobotâ- nico, que diz respeito à presença das espécies
arbóreas Terminalia argentea (capitão), Pseudobombax sp (paineira) e
Myrcine sp (pororoca), pois elas utilizam em sua dieta elementos
constitutivos do kimberlito. Quanto aos critérios geológicos, tem-se,
por exemplo, a presença de uma depressão de formato circular no terreno.
Esta pode ter se originado da alteração do conduto vulcânico,
considerando-se que, na medida em que essa rocha sobe em direção à
superfície, ao longo do tempo, torna-se menos resistente e, portanto,
mais suscetível a alterações. Em certos locais, como na África do Sul, a
depressão é tão acentuada que o acúmulo de água permite a formação de
um lago. Ela é conhecida como cratera “Maar”.
A água também
fornece outro indicativo. As chuvas enfrentam dificuldade para erodir as
rochas kimberlíticas, pois as mesmas possuem consistência argilosa. Por
isso, é comum a formação de rios ou cursos d’água na zona de contato
entre o kimberlito e a rocha não-mineralizada que estiver em contato,
chamada de rocha encaixante. Dessa maneira, muitos kimberlitos são, a
priori, identificados em função de uma diferença física entre as duas
rochas. É preciso considerar que essa zona de contato já vem recebendo
um fluxo de água há milhões de anos, o que propicia uma espécie de
abertura prévia, um canal natural. Assim, o rio evolui, causando erosão
em ambas as rochas.
Outro critério de campo é a ocorrência de uma
“capa de canga”, rocha rica em ferro. Essa formação, que possui cor
avermelhada, ocorre apenas sobre o kimberlito, porque o mesmo é composto
de minerais ricos em ferro, como magnetita e hematita (produto de
alteração da magnetita). A existência de ferro condiciona também a
presença de cupinzeiros de cor vermelha, ao passo que os cupinzeiros de
cor clara são aqueles que se instalam sobre alguns tipos de rochas
encaixantes.
A vegetação natural, assim como a agricultura,
também pode ser usada para identificar kimberlitos. É que o solo
composto por rochas kimberlíticas é mais fértil devido à forte presença
de elementos como potássio, cálcio e magnésio. Por isso, as espécies
vegetais encontradas sobre o kimberlito são mais saudáveis que aquelas
encontradas no entorno. As rochas encaixantes são relativamente
estéreis, em decorrência da forte presença de alumínio e sílica. Como
pode ser visto na fotografia acima, referente ao kimberlito batizado
pelos pesquisadores de “Larissa”, a cor e a textura fazem a
diferenciação entre o kimberlito (verde-escuro) e a rocha encaixante
(verde mais claro). Ao fundo, existe o vale de um córrego que flui no
contato entre o kimberlito e sua encaixante. Essa estrutura encontra-se
na cidade de Carmo do Paranaíba.

Amostra de Kimberlitos, rochas associadas à presença de diamantes
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Do campo para o laboratórioUma vez
identificados visualmente esses aspectos, os pesquisadores partem para a
procuraefetiva do kimberlito, cavando a terra. De acordo com os
conhecimentos teóricos sobre a rocha intrusiva, os pesquisadores coletam
o material desejado e levam para o peneiramento. Para facilitar a
busca, considera-se a presença de pequenos minerais coloridos, como
piropo, ilmenita, diopsídio e espinélio, minerais satélites ou
indicadores de diamantes que, por sua vez, apontam para a existência de
kimberlitos, pois desenvolvem-se junto aos diamantes e são resistentes
ao clima tropical úmido. Se o resultado observado na peneira apresentar
um aspecto de gradação do claro (borda) para o escuro (centro), com a
presença desses minerais indicadores, significa que temos um kimberlito.
Os
estudos não param por aí. Com o intuito de refinar a pesquisa, os
mine-rais encontrados são levados para análises mineralógicas e químicas
na UFMG. A análise mineralógica é feita através de um método denominado
Espectroscopia Raman, que visa a identificar o tipo de mineral. Cada
amostra é levada até uma sonda, que emite um feixe de laser, fazendo com
que o mineral emane energia de acordo com seu sistema cristalino. Cada
mineral possui seu espectro próprio, como uma impressão digital, que
permite distingui-lo entre os demais. Essa técnica é utilizada para
checagem de jóias, a fim de atestar se a mesma é verdadeira ou falsa,
natural ou sintética. O próximo passo é a análise química, realizada por
meio de uma microssonda eletrônica. Esse aparelho permite determinar os
componentes químicos dos minerais. Numa análise direcionada aos
kimberlitos, o resultado que indica a possibilidade de se obter
diamantes expressa altos teores de cromo e magnésio, e baixos de cálcio.
Todos esses equipamentos foram adquiridos com os recursos da FAPEMIG.
Subindo o leito do rioA
pesquisa desenvolvida vem investigando a existência de diamantes nas
crateras kimberlíticas, ou seja, direto da fonte. Mas, como saber se os
diamantes encontrados nos leitos dos rios são de fato originados dessas
rochas ou vieram transportados de outros locais? De acordo com o
professor Geraldo, a próxima etapa da pesquisa é fazer o caminho
inverso, ou seja, partir do leito do rio em direção às possíveis fontes
kimberlíticas. O objetivo é verificar qual a localização do kimberlito
erodido que fez com que os minerais fossem encontrados em determinado
rio. O pesquisador conta que, em função dos minerais satélites – pois o
diamante em si é muito difícil de ser encontrado –, os pesquisadores
começam a subir o rio em direção contrária ao seu escoamento, que é
sempre em função da gravidade. Assim, tem-se a rocha fonte dos minerais
indicadores e, portanto, do diamante.
Outro aspecto teórico da
segunda parte da pesquisa é o cálculo da distância de transporte do
mineral, através do formato do grão. Quanto mais longa a distância em
que foi transportado por um rio, mais arredondado é o fragmento, pois o
atrito ocasiona a perda dos cantos. Além da pesquisa de campo, os
geólogos utilizarão um equipamento importado, semelhante a um tambor
giratório, que simula a erosão de um rio, para a realização desse
cálculo.
O geólogo ressalta, ainda, o interesse que a pesquisa
despertou nos garimpeiros, através de divulgação na mídia eletrônica
especializada. Muitos entraram em contato com ele através de e-mail para
adquirir mais informações sobre o assunto, além de procurá-lo no
próprio campo. Ele lamenta, porém, a falta de iniciativas
governamentais, como cursos de capacitação, no sentido de preparar
melhor esses trabalhadores e conscientizar sobre a preservação do meio
ambiente. Para o professor Geraldo, os garimpeiros são pessoas
inteligentes e intuitivas, mas que não tiveram oportunidade de estudar.
“Se eles tivessem oportunidade de conhe-cer a Geologia, porque, no final
das contas, eles estão trabalhando como geólogos, acho que o trabalho
seria mais produtivo e traria menos impactos ao meio ambiente”,
completa.