sábado, 12 de julho de 2014

Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em terras indígenas

Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em terras indígenas

Pode-se começar essa história ainda no Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de Belo Monte no capítulo que fala dos direitos minerários na região da Volta Grande do Xingu. Nele consta que há 18 empresas, entre elas a Companhia Vale do Rio Doce (requerimento para mineração de ouro), com requerimento para pesquisa, 7 empresas com autorização de pesquisa e uma empresa com concessão de lavra (CVRD, concessão para extração de estanho) na região onde estão construindo Belo Monte.

Eram, na época de realização dos estudos ambientais, 70 processos incidentes sobre terras indígenas que têm 773.000 hectares delimitados, dos quais 496.373 hectares são alvo de interesses para extração de minério, representando 63% do território indígena. Empresas como a Companhia Vale do Rio Doce, Samaúma Exportação e Importação Ltda., Joel de Souza Pinto, Mineração Capoeirana, Mineração Guariba e Mineração Nayara têm títulos minerários incidentes na Terra Indígena Apyterewa. Ainda tem muito mais.

Independente das regras que norteiam o setor de mineração em vigor ainda hoje no Brasil, o governo pretende autorizar a extração de minérios — ouro e diamantes, principalmente — em terras indígenas (1). Nos últimos anos houve uma seqüência de descobertas de jazidas de bauxita, caulim, manganês, ouro, cassiterita, cobre, níquel, nióbio, urânio, entre outros minerais mais nobres, em toda essa região do rio Xingu. Fica nítido quando se olha para os mapas de direitos minerários apresentados nos estudos dos projetos Belo Monte, Complexo Teles Pires e Complexo Tapajós.

Estrategistas militares defendem há décadas o domínio do Brasil sobre as jazidas e sua exploração para evitar que Terras Indígenas se tornem territórios fechados e inacessíveis, o que impediria a exploração, a exemplo do que acontece hoje com a Reserva Ianomami (2). Nas terras indígenas da região do Xingu próximas aos canteiros de obras da UHE Belo Monte estão concentrados pedidos de autorizações de pesquisa e lavra de minerais nobres, como ouro, diamante, nióbio, cobre, fósforo, fosfato.

alt

A implantação do projeto da hidrelétrica Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em terras indígenas (3) e em áreas que as circundam, em particular na Volta Grande, trecho de mais de 100 quilômetros que vai praticamente secar com o desvio das águas do Xingu. E é justamente nas proximidades do barramento principal, no sítio Pimental, que está sendo montado o maior projeto de exploração de ouro do Brasil, que vai aproveitar o fato de que a Volta Grande ficará seca por meses a fio com o desvio das águas do rio Xingu.

Há mais de dois meses está disponível na Internet o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto Volta Grande da empresa canadense Belo Sun Mining Corp., de junho de 2012. O estudo defende as vantagens de se fazer uma operação de lavra a céu aberto para beneficiamento de minério de ouro com "tecnologia e equipamentos de ponta, similares a outros projetos no estado do Pará".

Algumas pérolas podem ser encontradas no RIMA do Projeto Volta Grande como: "os Planos de Desenvolvimento do Governo Federal e do Governo do Pará, para a região do Projeto Volta Grande, apontam a necessidade de investimentos em infraestrutura, educação básica, saúde e outros aspectos que permitam melhorar os indicadores de desenvolvimento social e econômico da região, e promover a melhoria da qualidade de vida de suas populações, de forma mais igualitária e sustentável".

alt

Funcionários da empresa canadense conhecendo território onde pretendem extrair ouro

Incrível como, além das hidrelétricas, os projetos de mineração, na visão do governo federal e do governo do Pará, também se tornaram a panacéia para solucionar todos os problemas não resolvidos de desenvolvimento social. Papel que seria obrigação do Estado, com o dinheiro dos impostos pago pelos cidadãos de bem.

Ainda, segundo o estudo apresentado pela Belo Sun Mining Corp., o investimento total no projeto de mineração de ouro da Volta Grande será de US$ 1.076.724.000,00, que pretende, como "brinde", propiciar controle e monitoramento ambiental e social e colaboração para a realização do desenvolvimento social, econômico e ambiental daquela região. A vida útil do projeto foi estimada em 12 anos de acordo com as pesquisas já efetuadas.

Não é uma maravilha?

Mas no RIMA (a reportagem teve acesso ainda ao EIA) faltaram alguns esclarecimentos: não há menção aos índígenas da região, nem ao fato de que as obras de Belo Monte facilitarão o projeto Volta Grande e nem por que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará está licenciando o empreendimento, quando deveria ser o Ibama. São 106 processos de licenciamento de mineração – ouro, bauxita, diamante, cassiterita, manganês, ferro, cobre, areia, granito – no site do Ibama, dos quais 30 são no estado do Pará. Então, por que esse licenciamento escapou da análise dos técnicos do Ibama?

alt

Os impactos ambientais do projeto da Belo Sun Mining sobre a biodiversidade vão atingir principalmente a qualidade das águas superficiais e subterrâneas - assoreamento dos cursos d'água -, o que acrescenta à região mais um agravante para aumentar o prejuízo das comunidades indígenas da Volta Grande e do rio Bacajá, já às voltas com impactos semelhantes decorrentes das obras de Belo Monte. Sem contar o precedente que vai escancarar as portas para exploração de outras jazidas. (Ver mapa abaixo)

Os índios isolados na área do projeto da Belo Sun Mining

A presença de indígenas em isolamento voluntário na região dos rios Xingu e Bacajá está descrita desde a década de 1970 (4). Há estudos e testemunhos que comprovam sua presença nas cabeceiras do Igarapé Ipiaçava e de um grupo isolado (ou grupos isolados) na Terra Indígena (TI) Koatinemo. Testemunhos colhidos em 2008 confirmaram a presença de indígenas em isolamento voluntário. Os Asurini relataram seu encontro com isolados, depois de uma expedição de caça na cabeceira do Igarapé Ipiaçava.

O projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp está em parte nas áreas de perambulação desses grupos em isolamento voluntário. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte, Componente Indígena, reconheceu a presença de indígenas em isolamento voluntário na cabeceira do córrego Igarapé Ipiaçava e na Terra Indígena Koatinemo dos Asurini (5). Em Parecer Técnico, a Funai (6) fez referência aos impactos (7) que poderiam afetar os indígenas em isolamento voluntário, observando que a ação de grileiros e invasores vai ameaçar sua integridade física e cultural.

O parecer da Funai ainda alerta para o fato de que o desvio das águas e a redução da vazão do rio Xingu no trecho da Volta Grande pode gerar efeitos em cadeia sobre a ictiofauna nas florestas marginais ou inundáveis; o movimento migratório vai criar aumento populacional na região e provocar pressão sobre os recursos naturais; essa pressão levará às invasões das terras indígenas onde perambulam os grupos de indígenas em isolamento voluntário (8).

A Funai também propôs que antes do leilão de compra de energia de Belo Monte, ocorrido em 20 de abril de 2010, o poder público deveria coordenar e articular ações para a proteção dos indígenas em isolamento voluntário. Para isso era preciso publicar uma Portaria de Restrição (9) de Uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo.

Em 11 de janeiro de 2011, finalmente, a Funai conseguiu publicar a Portaria de Restrição nº 38, que estabeleceu restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da Funai na área descrita, pelo prazo de dois (02) anos a contar de sua publicação. A área descrita na Portaria, Terra Indígena Ituna/ Itatá, está localizada nos municípios de Altamira, Senador José Porfírio e Anapu, estado do Pará, tem superfície aproximada de 137.765 hectares (ha) e perímetro aproximado de 207,2 km. (Ver mapa)

alt

O projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp. está sendo implantado no município de Senador José Porfírio, na área da Portaria nº 38 da Funai, que visou proteger os grupos de isolados. Em conversa sobre a Portaria, válida até dezembro de 2012, com um funcionário da Funai que não quis ser identificado nesta matéria, ele me disse que até o final do ano tem que escrever uma nova justificativa para sua reedição e para isso precisam de mais informações sobre o projeto Volta Grande e outros previstos na região. Ainda, segundo ele, existem depoimentos mais recentes sobre a presença dos índios isolados e a Funai está tratando a região da Portaria nº38 como prioridade. A Funai tem tido muitas dificuldades, feito muitas investidas na área e os estudos estão andando, com seis expedições realizadas no último ano, concluiu.

A Audiência Pública para "apresentar" o projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp. para a sociedade está marcada para o próximo dia 13 de setembro.


Belo Sun Mining Corp.

A empresa responsável, aqui no Brasil, pelo Projeto Volta Grande é a Belo Sun Mineração Ltda., subsidiária brasileira da empresa canadense Belo Sun Mining Corporation, que pertence ao grupo Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado voltado para projetos de mineração em todo o mundo.

alt

A Belo Sun Mining Corp. foi lançada na Bolsa de Valores de Toronto, em 30 de abril de 2012, em ritmo de festa e comemoração. No seu site atualizadíssimo, a empresa não esconde suas pretensões de exploração mineral na Amazônia e que tem um portfólio de propriedades no Brasil. O foco principal da Belo Sun é explorar a mineração numa área que, afirma, é 100% de sua propriedade e que tem ouro estimado em aproximadamente 2,85 milhões de onças.

alt

Quando se leem os diversos documentos dá para entender tanto entusiasmo e como o projeto Volta Grande se tornou a menina dos olhos da Belo Sun, pois controla os direitos de mineração e exploração de 130.541 hectares (1.305 km ²). Como isso foi possível ainda é preciso investigar, pois durante algum tempo as equipes da companhia têm atuado na Volta Grande do Xingu, sem disfarces, realizando perfurações e tocando, na Secretaria Estadual de Meio Ambiente do estado do Pará, o processo de licenciamento ambiental. O farto material fotográfico disponibilizado no site dá uma desagradável sensação de que muito poder está por trás desse bilionário negócio.

alt

Outro projeto, Patrocínio, na região do Tapajós, também da Belo Sun Mining Corp., está sendo desenvolvido e merece um capítulo à parte.

Embora a empresa tenha informado nos estudos ambientais que se trata de explorar uma jazida próxima à superfície, em condições geológicas favoráveis, com extração a céu aberto, no site ela se refere à existência de um potencial de alta qualidade em profundidades de pelo menos 200 metros ou 300 metros abaixo da superfície. Parece que nada está sendo descartado no projeto e que a construção da barragem principal de Belo Monte, no sítio Pimental, para desviar o rio Xingu justamente no trecho da Volta Grande, vai beneficar a extração do ouro em grandes profundidades.

Outro detalhe que chamou a atenção sobre a Belo Sun Mining Corp. é que, nos documentos disponibilizados agora neste mês (setembro), a referência à companhia foi alterada e o símbolo, na estrutura do capital da empresa, está representado como TSX: BSX. Em uma nota de 2011, o Brasil Econômico conta sobre a Belo Sun e a extração de 4 milhões de onças troy (barra de 31,1 gramas) em Altamira, no Pará, e dá o empresário Eike Batista como potencial investidor devido à ligação dele com o a região, onde explorou ouro entre 1980 e 1990.

alt

Começa a fazer sentido. Talvez Eike Batista seja o grande investidor da Belo Sun Mining Ltda., subsidiária da Belo Sun Mining Corp.

A mineração no Brasil

Em maio de 2011, o governo divulgou o Plano Nacional de Mineração (PNM) 2030, com um objetivo mal explicado de que o setor mineral contribuiria com um Brasil sustentável. Palavras expressas na introdução feita pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.

A pretensão de apresentar uma visão de futuro calcada no desenvolvimento do setor mineral brasileiro com objetivo estratégico de sustentabilidade é, no mínimo, ofensiva. A justificativa que o PNM utiliza para antecipar a ideia de que haverá maior pressão no uso e ocupação do solo é que a demanda por bens minerais em países emergentes deverá crescer nas próximas décadas.

As áreas chamadas de Restrição Legal, que são as unidades de conservação, terras indígenas, as terras quilombolas, áreas destinadas à reforma agrária, são consideradas uma espécie de entrave à expansão da atividade mineral. Um exemplo que é citado no PMN, como um intróito para conduzir o leitor a entender a necessidade de exploração de mineral em terras de restrição legal, é o Plano de Manejo, considerado como um verdadeiro obstáculo às práticas de "atividades econômicas".

As terras indígenas também são consideradas restritivas à atividade mineral, pois impedem que mais de 25% da Amazônia Legal e 12% do território nacional sejam exploradas. O artigo 231, § 3º, da Constituição Federal de 1988 é entendido como passível de regulamentação, pois prevê que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas se dêem após aprovação do Congresso Nacional, desde que as comunidades afetadas sejam ouvidas, assegurando-lhes participação no resultado de lavra. Como a lei não foi regulamentada, o PNM lhe atribui um quê de inconveniência para a concretização dos planos de mineração ali contidos.

Regulamentar o Artigo 231 da Constituição Federal torna-se, então, no PNM, um desafio para que no futuro se possa disciplinar a relação entre a atividade minerária e as comunidades indígenas. A articulação pressupõe uma melhoria no conhecimento geológico do Brasil para facilitar a identificação de novas jazidas e, o que é pior, a maior autonomia do Estado até para a oferta de insumos minerais para o setor agropecuário. Sem nenhum resquício de pudor, o PNM expõe o objetivo claro de obter, com a regulamentação, a permissão de "abertura de minas em terras indígenas", que "também amplia o escopo de atuação do setor (minerário) na região Norte".

Não é de se surpreender que até um papel estratégico para a conservação das florestas foi atribuído ao setor mineral, sem sequer um esclarecimento de como isso se daria em plena Amazônia. À exploração de urânio também é concedida uma colocação de arrepiar, considerada como uso preferencial de produção de energia que reduz os gases de efeito estufa. Exploração essa na Amazônia, subentende-se, e em terras indígenas e unidades de conservação!

A mineração na Amazônia passa a ser destacada como a atual fronteira da expansão mineral, encarada com verdadeiro otimismo no texto, dado o florescimento dos grandes empreendimentos já em curso desde o século XX. São citados todos os projetos cujos impactos se conhecem largamente, como a lavra de bauxita de Juruti, no Pará; a lavra de manganês da Serra do Navio (AP); de bauxita do rio Trombetas, Paragominas; de estanho de Pitinga (AM) e de Rondônia; de ferro, manganês, cobre e níquel de Carajás (PA); de caulim do Jari (AP) e da bacia do rio Capim (PA); de alumina e alumínio de Barcarena (PA); de escoamento de ferro-gusa pela ferrovia de Carajás.

Todo o plano nos leva a antever um grande e único processo de exploração mineral na Amazônia, já precedidos da destruição imposta pelos projetos hidrelétricos e hidrovias. A exploração do grande potencial mineral identificado na Amazônia, especialmente em terras indígenas, está, pelo menos no papel e no Congresso Nacional, em curso, bem pontuada nos planos do governo federal com projetos significativos para facilitar o conhecimento geológico do Brasil.

alt

Na região amazônica, 5% da área que deverá ser estudada para aumentar o conhecimento geológico correspondem a terras indígenas e o documento estabeleceu diretrizes para mineração em áreas com restrições legais. Entre elas, o conhecimento do subsolo para tomada de decisão que se adeque aos "interessese nacionais, regionais ou locais." O que isso quer dizer, na prática, é que, apesar de a definição de acesso e uso das terras indígenas estar bem clara na Constituição de 1988, uma agenda de entendimentos vai propiciar a regulamentação em tramitação no Congresso e, assim, viabilizar a mineração em terras indígenas e quilombolas. Tudo em nome do interesse nacional.

O PNM propõe duas ações com relação às áreas com restrições legais, para aparar as arestas que travam o desenvolvimento da atividade minerária: uma é articular com órgãos de usos e ocupações do solo restritivos à atividade mineral, que seriam o meio ambiente, terras indígenas e de quilombolas, áreas para reforma agrária, sítios arqueológicos e fossilíferos, entre outros; e a outra é apoiar a aprovação de lei que regulamente o aproveitamento dos bens minerais nas terras indígenas, segundo dispõe o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988.

O Projeto de Lei da mineração

É da competência exclusiva do Congresso Nacional "autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais", Art. 49, inciso XVI, da Constituição Federal (CF). As riquezas minerais são sempre de interesse nacional e econômico, mas, no que diz respeito à preservação dos interesses das populações indígenas, há uma grande distância.

Está tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) 1610/96 que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais em terras indígenas e que sofre uma grande pressão para que seja aprovado ainda este ano. Uma comitiva de deputados da Comissão Especial de Mineração em Terras Indígenas foi à Austrália para ver como é que fazem por lá, para que os indígenas aceitem a mineração em suas terras. Foram estudar a legislação, contratos, royalties e a regulação do sistema de exploração mineral em áreas indígenas, além-mar, para elaborar um parecer ao PL 1610.

O marco regulatório e o novo código da mineração


Em 2011, o Ministério de Minas e Energia resolveu lançar a discussão do novo Marco Legal da mineração brasileira, fez um diagnóstico onde apontou burocracia e uma certa "fraqueza" do poder concedente como as principais dificuldades que atingem o setor. Entre os objetivos propostos para o novo Marco Legal estão o fortalecimento do Estado para ter soberania sobre os recursos minerais, propiciar o maior aproveitamento das jazidas e atrair investimentos para o setor mineral. Tudo indica que os investidores já estão a postos.

Lógico que, no pacote do novo Marco Legal da mineração brasileira, o MME aproveitou para criar o Conselho Nacional de Política Mineral e a Agência Nacional de Mineração (ANM), que, provavelmente, serão preenchidos com a nomeação de pessoas em cargos de confiança. Isso já acontece, por exemplo, com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), subordinada diretamente ao MME.

As propostas do governo Dilma Rousseff, para alterar o Código de Mineração, que é de 1967, e criar a Agência Nacional de Mineração, serão examinadas pelo Congresso Nacional a partir deste mês de setembro. A principal mudança no Código de Mineração será que o governo passará a leiloar o direito de exploração que, atualmente, é conferido por ordem de chegada.

Todas essas alterações previstas no setor mineral no Brasil, no entanto, não vão alterar em nada as licenças para pesquisa e exploração de novas jazidas já concedidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, recentemente anunciou que as autorizações novas estariam suspensas até que o novo Codigo de Mineração seja aprovado pelo Congresso. Qualquer processo em tramitação e não concluído no DNPM, portanto, ainda segundo o ministro, perderiam a validade e as jazidas seriam futuramente leiloadas de acordo com as novas normas.

Para se ter uma ideia do tamanho do filão minerário no Brasil localizado principalmente na Amazônia, são mais de 5 mil alvarás de pesquisa e 55 portarias de lavra que estão em processo de aprovação no DNPM. Lógico que a gritaria é grande por parte das mineradoras que estão na fila de espera, especialmente quando elas levam em conta que a Compensação Financeira pela Exporação de Recursos Minerais (CFEM) vai passar de 0,2% para até 6%. Mas, para o Ministério de Minas e Energia, tocado por Edison Lobão, sob a chefia de José Sarney, a aprovação do Código da Mineração aumenta ainda mais o seu poder, passando a ser so controlador direto dos leilões de concessões, como o da energia.

alt

Essa é uma herança do governo Lula desde 2010 que Dilma Rousseff agora está tocando com celeridade.

Esse resumo sobre as tramitações que envolvem as alterações no setor de mineração serve para esclarecer o porquê de grandes empresas internacionais estarem ao mesmo tempo "atacando" as principais regiões onde estão as maiores riquezas minerais no Brasil. Uma delas é onde está sendo construída a hidrelétrica Belo Monte, na Volta Grande do Xingu; uma outra é na Província Mineral do Tapajós, justamente onde o governo planeja a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós. Coincidência ou não, as empresas são canadenses e têm vários projetos para exploração de ouro nessas áreas.

Notas:

1) Governo quer mineração em áreas indígenas da Amazônia; disponível em http://www.amazonianet.org.br/index.php?system=news&news_id=652&action=read.
2) Idem acima.
3) Exploração de minérios em terras indígenas é tema polêmico , 26/09/10, disponível em: http://www.observatorioeco.com.br/index.php/exploracao-de-minerios-em-terras-indigenas-e-tema-polemico/
4) AHE Belo Monte Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), páginas 103/111/113. Componente Indígena PROCESSO IBAMA n° 02001.001848/2006-75, abril de 2009.
5) Idem, p. 103
6) UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
7) Parte 4 – Avaliação Geral dos Impactos Socioambientais nas Populações Indígenas, p. 87.
8) “A continuidade e possível intensificação dessa ocupação por não-índios colocará em risco a integridade física dos grupos isolados, sendo necessária a interdição da área e as devidas ações de fiscalização. Em setembro de 2009 a Funai enviou outra expedição para a região com o mesmo objetivo de identificar a presença dos isolados, mas ainda não obtivemos as informações com os resultados dessa nova tentativa.” p. 86, UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer Técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
9) “1) Medidas ligadas ao Poder Público, a serem implementadas em diferentes etapas: a) Ações até o leilão: 3. Publicação de portaria para restrição de uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de índios isolados”; UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, ps. 95/96.

Mineradoras valem ouro nos projetos hidrelétricos do Tapajós e Teles Pires

Mineradoras valem ouro nos projetos hidrelétricos do Tapajós e Teles Pires





alt

Mineração na região das usinas do Tapajós e Jamanxim

Os projetos de implantação de hidrelétricas nas bacias do rio Tapajós, Teles Pires e Juruena por si só estão induzindo a ocupação de áreas protegidas da Amazônia. Com eles chegaram também as empresas mineradoras transnacionais e o novo ciclo de exploração do ouro. Mais impactos atingirão os territórios indígenas e as unidades de conservação.

O ouro aliado aos projetos hidrelétricos na região dos rios Tapajós e Jamanxim, que, coincidentemente, estão sobre a maior província mineral do mundo, vai pavimentar definitivamente a ocupação predatória da região.

Não é, pois, de se estranhar a corrida do ouro que se iniciou na região da chamada Província Mineral do Tapajós. Perto de Itaituba, cerca de 180 quilômetros, está um distrito aurífero famoso chamado Cuiú Cuiú, próximo ao rio Crepori, e que só pode ser acessado por avião de pequeno porte ou por barco.

A mineração em Cuiú Cuiú começou em 1972 e foi até 1992, quando ocorreu uma grande corrida do ouro. Estima-se que nessa época mais de 10 mil pessoas buscavam ouro na região. Cuiú Cuiú, então, ficou famosa e atraiu os olhares de grandes empresas de mineração. A partir de 2004, a canadense Magellan Minerals começou a adquirir os direitos de exploração mineral concedidos pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Em 2005, celebrou um acordo com os proprietários tradicionais das áreas que viviam e exploravam Cuiú Cuiú.

alt
A Magellan Minerals Ltd. tem endereço em Itaituba (PA) e Cuiabá (MT) como Chapleau Exploração Mineral Ltda. No seu sítio eletrônico constam ainda três subsidiárias: a Chapleau Resources Ltd. no Canadá, a Magellan Minerais Prospecção Geológica Ltda., no Brasil, e a Chapleau Exploração Mineral Ltda. A empresa canadense detém hoje 47 mil hectares de terras para exploração de ouro em Cuiú Cuiú.

A Chapleau Exploração Mineral Ltda. tem, ainda, outros quatro processos de direitos minerários de ouro, de 2007 e 2009, nas margens do futuro reservatório da hidrelétrica Teles Pires, que abrangem uma área de 34.449 quilômetros quadrados. Coincidência?

Outro projeto da Magellan na mesma região é Coringa, anunciado em março deste ano em Vancouver, com previsão de extração de 561 mil onças de ouro em cinco áreas. Os investimentos previstos para Coringa podem chegar a 37 milhões de dólares.

alt

Explorar Cuiú Cuiú é apenas a ponta do iceberg e vai abrir o caminho para um filão de centenas de bilhões de dólares: um cinturão de granitos e rochas vulcânicas que começa no distrito de Alta Floresta do norte do Mato Grosso, passa pela região do Tapajós no oeste do Pará, continua para o norte em Rondônia, e termina no sul da Venezuela-Guiana.

Juntos, esses "complexos geológicos" auríferos ocupam em linha contínua cerca de 1.200 quilômetros. Uma incrível riqueza logo ali, na região onde se planeja a construção das hidrelétricas no rio Tapajós, Jamanxim, Teles Pires e Juruena. Coincidência ou não, os projetos hidrelétricos na Amazônia parecem atrelados aos grandes projetos de mineração de ouro.

alt

Projetos de mineração no Estado do Pará

Cuiú Cuiú está localizada entre os rios Crepori e o Jamanxim, onde também está o projeto Tocantinzinho numa área de 140 km² (30 quilômetros a sudeste de Cuiú Cuiú), da Eldorado Gold Corporation, com sede em Vancouver, no Canadá. Do Tocantinzinho, a Eldorado pretende extrair perto de 160 mil onças de ouro de 2.541 mil toneladas de rocha removida.

A Eldorado confirma em sua página na Internet que esperava receber a aprovação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ainda no terceiro trimestre de 2012 e concluir o estudo de viabilidade, para começar a implantação do projeto, ainda neste ano também. Desde 2010 o projeto está tramitando na Secretaria de Meio Ambiente do Pará.

alt


A principal concorrente da Magellan e Eldorado nessa mesma região do Tapajós é a já conhecida Belo Sun Mining Corp., que se instalou na Volta Grande do Xingu, aproveitando a construção de Belo Monte. Patrocínio é o nome do projeto da Belo Sun no Tapajós e tem uma área com 18.669 hectares.

Rio de ouro e soja_

Rio de ouro e soja_


Muito além da discussão sobre as hidrelétricas, o Tapajós vive problemas relativos ao garimpo – clandestino ou oficial – e a expansão do agronegócio

Ivo Lubrinna não se conforma com o fato de seu candidato à reeleição para a prefeitura de Itaituba – “mesmo com a máquina na mão” – ter perdido o pleito realizado em outubro passado. Dono de uma voz grave e de uma franqueza espantosa, ele sabe que os próximos anos serão bastante movimentados no município de 100 mil habitantes que cresceu às margens do rio Tapajós, no oeste do Pará.
Enquanto concede a entrevista, Lubrinna é vigiado silenciosamente pelo filho, que acaba de voltar à Amazônia depois de nove anos na capital da Inglaterra, onde comandava uma prestadora de serviços de limpeza. Como a crise europeia não dá sinais de trégua, ele acha que é possível ganhar até três vezes mais investindo em Itaituba.
Até o apagar das luzes de 2012, Lubrinna estará à frente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Produção. Porém, mesmo antes de integrar a linha de frente do Executivo local, ele já era uma verdadeira lenda, um dos garimpeiros mais conhecidos no Tapajós por conta dos mais de 40 anos de ofício. Não à toa, Lubrinna é o presidente – “licenciado”, como ele faz questão de ressalvar – da Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós (AMOT), entidade que representa menos de 10% dos 50 mil garimpeiros da região.

Trabalhadores no garimpo (Foto: Oldair Lamarque)
Enquanto se afasta da carreira de homem público, Lubrinna já se prepara para encarar a missão de homem de negócios, agora com a ajuda do filho. Após concluir recentemente o licenciamento ambiental do único garimpo que afirma possuir, e que segundo ele encontrava-se parado por falta de regularização, vai retomar a procura do ouro.
“Eu fui irresponsável até o dia em que assumi o cargo na prefeitura. Era um contrassenso: como é que o secretário de Meio Ambiente, com um garimpo irregular, iria discutir com alguém?”, questiona. Agora, ele já não corre atrás apenas do valioso metal. Cogita também investir em terrenos para a instalação de empresas de logística e de maquinaria pesada que, num horizonte bastante próximo, devem chegar à região.
Lubrinna encarna de forma pitoresca o nebuloso futuro de Itaituba. Encravado no coração da Amazônia, o município é o epicentro de uma avalanche de grandes empreendimentos que ameaçam seriamente uma região de altíssima biodiversidade habitada por diversas comunidades tradicionais e comunidades indígenas munduruku.
Quem toma um barco e navega pelos 850 quilômetros de águas esverdeadas do Tapajós, que rasga de cima a baixo o oeste do Pará, não raro se depara com botos e aves mergulhando, além de uma paisagem verde de tirar o fôlego, protegida por um mosaico composto por reservas florestais e terras indígenas.
Entretanto, um amplo leque de obras – que vão desde hidrelétricas, passando por rodovia, hidrovia, portos fluviais, até projetos de mineração – pode redesenhar em um curto espaço de tempo as feições desse que é, reconhecidamente, um dos mais belos rios da Amazônia.
Rio Tapajós (Foto: Fernanda Ligabue)
Sem sombra de dúvida, o projeto com potencial de gerar os impactos sociais e ambientais mais preocupantes é o chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós, um conjunto com potencial para até sete usinas que podem gerar até 14 mil Megawatts (MW) – a mesma capacidade da faraônica usina binacional de Itaipu, erguida durante a ditadura militar na fronteira do Brasil com o Paraguai.
Os estudos de viabilidade conduzidos pela estatal Eletrobras para licenciamento de duas delas – Jatobá e São Luiz do Tapajós – já estão em andamento. Por enquanto, o custo para erguer as duas barragens é estimado em R$ 23 bilhões. E o governo federal não esconde a pressa: já no ano que vem espera licitar pelo menos a construção de São Luiz do Tapajós e prevê que as duas entrarão em operação até 2019.
A energia dessas novas hidrelétricas tem pelo menos um endereço certo: grandes projetos de exploração de minérios no Pará, como ouro e bauxita – a matéria-prima do alumínio. A companhia norteamericana Alcoa, por exemplo, iniciou há apenas três anos a operação da terceira maior jazida de bauxita do mundo no município de Juruti, no extremo oeste do Pará, e já tem planos de construir uma fábrica de beneficiamento – por enquanto, a empresa utiliza energia de origem termelétrica. Já a brasileira Votorantim está levantando uma indústria do mesmo tipo no município de Rondon do Pará. A norueguesa Hydro também tira bauxita no leste do estado.
No caso do ouro, só uma mineradora de médio porte, a canadense Eldorado Gold, tem um projeto concreto de investimento no Tapajós. Mas a própria AngloGold Ashanti, companhia sul-africana considerada uma das maiores empresas de extração de ouro no mundo, também tem requerimentos de pesquisa no oeste do Pará, região hoje tomada pelo garimpo manual – em sua esmagadora maioria, clandestino.
Além de ser considerada a última grande fronteira energética e mineral da Amazônia, a região banhada pelo rio Tapajós tem ainda outro considerável atrativo econômico: é um corredor estratégico para o escoamento da produção de soja colhida no Mato Grosso, o principal produtor de grãos do país. Até 2014, o governo federal pretende gastar R$ 2,85 bilhões para concluir o asfaltamento dos 1.739 quilômetros da BR 163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém – o maior município do oeste do Pará, localizado na foz do Tapajós.
No rastro das hidrelétricas, também está prevista a construção de eclusas que possibilitarão a integração do rio Teles Pires, no Mato Grosso, com o rio Tapajós, no Pará. Além dessa hidrovia, o transporte de commodities por via fluvial também será impulsionado pela instalação de ao menos três portos no município de Itaituba, além da expansão das docas de Santarém. Ambientalistas e ativistas de movimentos sociais preocupam-se com os impactos socioambientais que a explosão do agronegócio pode trazer para o oeste do Pará.

Trecho da BR-163 (Foto: Fernanda Ligabue)
Garimpos Quando a produção do mítico garimpo de Serra Pelada, localizado no sudeste do Pará, entrou em declínio, no início dos anos 1980, os aventureiros dispostos a encarar a lama e a malária apostaram que o novo eldorado encontrava-se no Tapajós. E eles estavam certos.
Passadas três décadas, calcula-se que hoje existam nada menos que 2 mil pontos de garimpo no entorno do rio. Para chegar até as chamadas “currutelas”, povoados que funcionam como uma espécie de QG para os quase 50 mil homens decididos a desafiar a floresta, só fretando um pequeno avião ou encarando dias no lombo de uma lancha, a partir de Itaituba.
“Cerca de 98% dos garimpos da região são irregulares”, assegura Oldair Lamarque, engenheiro que chefia o escritório do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em Itaituba. Não é muito difícil entender por que a esmagadora maioria está na clandestinidade. Para fazer o licenciamento ambiental de uma pequena lavra, do tamanho de até 50 campos de futebol, é preciso viajar até a capital Belém, pagar cerca de R$ 16 mil em taxas e ainda arcar com os custos de transporte dos técnicos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (Sema).
Sem qualquer tipo de fiscalização, os garimpos são um dos principais vetores de degradação ambiental na bacia do Tapajós. E os problemas não se resumem à contaminação da água por conta da utilização de substâncias tóxicas para depurar o ouro, como o mercúrio e – mais recentemente – o cianeto. Novas técnicas têm aumentado a produtividade e potencializado os impactos sobre a floresta. A utilização de retroescavadeiras chamadas de PCs, usadas para revolver o solo à procura do ouro, é uma delas. O serviço que antes demorava quase um mês para ser feito hoje é realizado em apenas dez dias.

Retroescavadeira em ação no garimpo (Foto: Oldair Lamarque)
Além disso, aumentou significativamente o número de barcaças que garimpam diretamente o leito do rio Tapajós. Nesse caso, servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entendem que a decisão do governo de reduzir a área de cinco reservas ambientais para a construção das hidrelétricas de Jatobá e São Luiz do Tapajós, em janeiro deste ano, contribuiu para agravar o problema. Sem essa medida, o licenciamento ambiental das usinas não poderia ser feito.
Como parte das áreas foi desprotegida, o número de barcaças no rio cresceu de forma preocupante: pulou de cinco para 35 no trecho de 400 quilômetros entre os municípios de Itaituba e Jacareacanga. “Para desarticular garimpos grandes, como os que existem em Itaituba, é preciso montar praticamente uma operação de guerra”, afirma Nilton Rascon, analista ambiental do ICMBio.
No começo de novembro, fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), escoltados por duas centenas de agentes da Polícia Federal (PF) e da Força Nacional de Segurança Pública transportados até por helicópteros, resolveram fazer uma batida digna de cinema para desarticular um garimpo que funcionava na Terra Indígena Kayabi, já na divisa entre Pará e Mato Grosso e habitada por indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaká. A operação, no entanto, extrapolou o objetivo inicial de desmantelar a extração de ouro, e seu saldo foi desastroso: casas na aldeia arrombadas, embarcações de pesca afundadas a tiro e, o mais grave, um indígena, Adenilson Kirixi, encontrado morto, boiando no rio.
É fato que o garimpo funcionava com consentimento dos indígenas – que alegam ter protocolado informações a respeito da atividade junto à Funai, a fim de formalizar o acordo de parceria que mantinham com os garimpeiros. Numa região completamente negligenciada pelo poder público, os indígenas afirmam que o pedágio pago pelos mineradores era a única fonte de renda de que dispunham para bancar a eletricidade na aldeia e arcar com os custos das crianças que estudam na sede do município de Jacareacanga. Além disso, vendiam parte de sua produção de alimentos aos garimpeiros.
Segundo lideranças ouvidas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), desde 2005, os indígenas vêm tentando dialogar com representantes do poder público no sentido de criar projetos de piscicultura, produção de mel e artesanato de forma a reduzir a dependência do garimpo. Mas, por enquanto, nada saiu do papel.
Ainda na avaliação das lideranças ouvidas pelo Cimi, a ação da PF foi calculada para intimidar e fragilizar financeiramente os indígenas, de modo a deixá-los mais “sensíveis” às obras das hidrelétricas na região. Até o presente momento, a PF não se pronunciou sobre o caso, mas abriu um inquérito para investigar o episódio, o qual também é acompanhado pela Funai, o Ibama e a Secretaria-Geral da Presidência da República. O Ministério Público Federal (MPF) também abriu investigação.
Vista geral do garimpo (Foto: Oldair Lamarque)
Questionada pela Pública, a assessoria de imprensa da Funai respondeu por meio de nota que o órgão “tinha conhecimento de que existia atividade ilícita (garimpo) na Terra Indígena Kayabi. No entanto, não conhecia os detalhes de sua operacionalização e dimensão”. A nota acrescenta que “a Funai não tem o poder de autorizar, formalizar acordos ou dar anuência a qualquer atividade ilegal realizada em terra indígena. Além disso, o garimpo em terra indígena depende de regulamentação pelo Congresso Nacional”.
Mineradoras Se o Tapajós é uma das maiores províncias auríferas do mundo, por que ainda não há mineradoras na região? A resposta se divide, basicamente, em duas explicações. A primeira é geológica. “Aqui não existem depósitos grandes, como ocorre em Goiás ou em Minas Gerais. Os depósitos são pequenos e espalhados. Isso favorece o garimpo manual, e não as grandes mineradoras”, explica Lamarque, do DNPM. A segunda explicação é de ordem estritamente econômica. “A falta de estradas e de fontes de energia inviabiliza grandes projetos de mineração de ouro”, completa.
A construção das hidrelétricas e o asfaltamento da BR 163 já estão despertando a sanha das mineradoras. Por enquanto, o ouro do Tapajós ainda não entrou na mira das companhias consideradas majors – as maiores do mundo. Mas pelo menos cinco empresas identificadas como juniors, como são chamadas as de médio porte, já estão em fase de pesquisa. O mais adiantado deles é o Projeto Tocantinzinho, no município de Itaituba, que já está em fase de licenciamento ambiental e deve entrar em funcionamento até 2016. O empreendimento é de uma subsidiária da Eldorado Gold, do Canadá, que já opera uma mina no Amapá.
E não é apenas o ouro que chama atenção no Tapajós. A gigante Anglo American, uma das dez maiores mineradoras do mundo, com lucro líquido da ordem de US$ 6,17 bilhões em 2011, está levantando o potencial de uma jazida de cobre na Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim – a segunda maior do país, com uma área de 1,3 milhão de hectares, quase dez vezes superior à da cidade de São Paulo. Mas é importante ressalvar que, geologicamente falando, o cobre muitas vezes aparece associado ao ouro. Em outras palavras, a mineradora deve mapear todo o potencial da área.
O perímetro de pesquisa requerida pela companhia inglesa ao DNPM, no segundo semestre de 2011, abrange mais da metade da Flona. Em tese, isso não é ilegal: a legislação ambiental permite a mineração em uma reserva desse tipo – desde que devidamente licenciada e adequada ao plano de manejo.
Requerimento feitos ao DNPM pela Anglo American para pesquisa de cobre cobrem mais da metade da área da Flona do Jamanxim (Imagem: Reprodução)
Requerimento feitos ao DNPM pela Anglo American para pesquisa de cobre cobrem mais da metade da área da Flona do Jamanxim (Imagem: Reprodução)
Porém, sem qualquer tipo de autorização, a Anglo American já vem utilizando máquinas de sondagem na área, desde julho deste ano, pelo menos. A denúncia é feita pelo próprio chefe da Flona do Jamanxim, Haroldo Marques. “Esse pedido para realização de sondagem na área tem que ser formalizado. Eu sou o responsável pelo parecer que autoriza pesquisas e perfurações, mas até agora não chegou nada até mim”, explica o servidor do ICMBio. “Eu vi funcionários em caminhonetes com logotipo da Anglo American, usando uniformes, sem qualquer preocupação em esconder o nome da empresa.”
O chefe da Flona do Jamanxim fica lotado no escritório do ICMBio de Itaituba e precisa de autorização dos superiores de Brasília para ir a campo e fiscalizar o cumprimento da legislação ambiental. “Eu estava na fiscalização combatendo o desmatamento, pedi a renovação de diárias, mas ela não foi concedida”, explica Marques. “Fui tirado da fiscalização e parei os trabalhos que estava fazendo por lá. Muito esquisito, né?”
Questionada pela Pública, a assessoria de imprensa da Anglo American emitiu nota em que “confirma que empresa requereu áreas junto ao DNPM”  e diz que “aguarda a publicação dos respectivos alvarás de pesquisa, para, só então, solicitar a autorização do ICMBio, órgão gestor das Unidades de Conservação no país, e seu respectivo enquadramento no Plano de Manejo [da Flona do Jamanxim]”. A empresa nega, porém, que esteja fazendo trabalhos de sondagem. “A equipe de campo promoveu no período unicamente contatos com superficiários, visando futura celebração de Termos de Acordo, conforme previsto no Código de Mineração”, finaliza a nota.
Os “superficiários” citados na nota da Anglo American são pessoas que reivindicam a propriedade de terras dentro da Flona do Jamanxim. Quando foi criada, em 2006, a unidade de conservação que leva o nome desse afluente do Tapajós já estava ocupada por diversas fazendas. A pecuária, o garimpo e a extração ilegal de madeira fazem dessa a reserva a que mais perdeu mata nativa em todo país, ao longo de 2012.
Curiosamente, a devastação cresce na mesma velocidade que a intenção do governo de reduzir a área da Flona do Jamanxim. Atualmente, um grupo de trabalho do ICMBio de Brasília analisa a possibilidade de extirpar, no mínimo, 200 mil hectares da área atualmente protegida.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que rastreia o desmatamento por satélite, a floresta perdeu, em 2012, 5.069 hectares até outubro. No mesmo período do ano passado, o número era consideravelmente menor: 972 hectares. “A área onde a Anglo American está fazendo as pesquisas é uma das mais preservadas da Flona”, analisa Marques.
Corredor do agronegócio Itaguaí Mendes da Silva já não descarta um conflito sangrento na pequena comunidade de Açaizal, localizada a 40 quilômetros do centro de Santarém, o maior município do Tapajós, com 300 mil habitantes. Até dez anos atrás, além de plantar a própria roça e tirar peixe do igarapé que banha o povoado, as 54 famílias – descendentes de indígenas e nordestinos – também arrumavam trabalho como vaqueiros ou capinadores de pasto nas fazendas de gado que circundavam Açaizal.
Porém, desde a chegada dos “gaúchos”, como são apelidados os produtores de grãos que compraram as terras dos criadores de bois a partir de 2001, a relação com os novos vizinhos nunca foi tão tensa. “Nós estamos cercados pela soja”, desespera-se Itaguaí. “A gente não pode nem mais criar galinha. Antes os animais ficavam livres. Agora, não dá para soltar. Se soltar, e eles forem para a área dos gaúchos, morrem.”
Itaguaí também reclama do assoreamento e da contaminação com agrotóxicos dos igarapés onde a comunidade pesca. Por essa razão, os moradores de Açaizal lutam, desde 2004, para que o governo federal reconheça a comunidade como uma terra indígena e retire os sojeiros da área. “Esperamos que em 2013 saia pelo menos uma audiência pública”, afirma.

Moradores da comunidade Açaizal, em Santarém (PA), reclamam da contaminação do igarapé por sojeiros / Foto: Fernanda Ligabue
Moradores da comunidade Açaizal, em Santarém (PA), reclamam da contaminação do igarapé por sojeiros (Foto: Fernanda Ligabue)
Os “gaúchos” do oeste paraense não vêm apenas do Rio Grande do Sul. “Muitos são ex-funcionários de grandes fazendas do Mato Grosso, atraídos pelas terras baratas da região”, explica Gílson Rego, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os preços baixos se justificam pela completa ausência de títulos de propriedade regularizados.
“Dez anos atrás, a terra não valia nada aqui. Eram R$ 250 o hectare [equivalente a um campo de futebol, aproximadamente]. Hoje, já está bem mais valorizado, na casa de R$ 5 mil o hectare”, afirma Toni Silver, coordenador da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa). Mesmo assim, o preço é ainda muito baixo quando comparado aos locais onde mais se produzem grãos no país: em Sinop (MT), o mesmo pedaço de terra não é vendido a menos de R$ 21 mil, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola (Imea).
No oeste paraense, as fazendas de soja cresceram em torno do porto da multinacional Cargill instalado na foz do rio Tapajós, em Santarém, e se concentram na zona rural desse município e na do vizinho Belterra. Como a falta de títulos regularizados inviabiliza a obtenção de crédito em bancos públicos, a trading norteamericana, uma das maiores comerciantes de commodities agrícolas do mundo, é a principal fonte de financiamento dos produtores. “Existem 170 produtores cadastrados na Cargill”, afirma Silver.
Quem chega pela BR 163 a Santarém depara-se ao longo da estrada com alguns silos e armazéns para estocagem não só de soja, mas também de milho e arroz. Porém, a realidade é que as lavouras de grãos ocupam uma área ainda pouco expressiva, que não chega a 60 mil hectares. “Esse é o tamanho de uma única propriedade comum no Mato Grosso”, compara o coordenador da Faepa.
Silos para estocagem de grãos na BR 163: Tapajós é corredor para escoamento do agronegócio do Mato Grosso (Foto: Fernanda Ligabue)
Mais do que uma fronteira para produção, o Tapajós é visto principalmente como um corredor para escoar a produção do Mato Grosso. Além da BR 163, que deve ser completamente asfaltada até 2014, o governo também planeja aproveitar as hidrelétricas para construir eclusas que podem viabilizar uma hidrovia ligando o rio Teles Pires, no Mato Grosso, ao Tapajós.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) até chegou a promover uma licitação para encomendar o projeto técnico da hidrovia. Porém, nenhuma empresa se interessou pelos R$ 14 milhões oferecidos para o trabalho, o que levou o órgão federal a suspender o edital. Mas há quem duvide da obra, pelo menos, para o curto prazo. A desconfiança vem da simples observação da história: as eclusas da hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, ficaram prontas 26 anos após a inauguração da usina.
A ideia da hidrovia é ligar o norte do Mato Grosso ao município de Santarém, onde as embarcações saem do Tapajós, adentram o rio Amazonas e da lá ganham o mundo pelo Atlântico. No porto da Cargill localizado em Santarém, cerca de 95% da carga movimentada vêm do Mato Grosso. Mas, por enquanto, os grãos são primeiro transportados de caminhão até Rondônia e, de lá, seguem em barcaças pelo rio Madeira até o rio Amazonas, que recebe o seu afluente Tapajós em Santarém. No terminal da multinacional norteamericana, são carregados os porões de navios capazes de transportar até 60 mil toneladas de grãos.
O porto fluvial da Cargill foi objeto de intensos questionamentos por parte de ambientalistas e movimentos sociais nos últimos anos. Com o consentimento do governo do Pará, a empresa iniciou a operação do terminal sem a realização prévia do Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) – requisito básico previsto na legislação para licenciar qualquer grande empreendimento. “O porto foi construído em cima de sítios arqueológicos importantes. Além disso, acabou privatizando a praia de Vera Paz, que era muito utilizada pela população de Santarém”, conta Érina Gomes, advogada da ONG Terra de Direitos.

Porto fluvial da Cargill em Santarém (PA) (Foto: Fernanda Ligabue)

Segundo o diretor de portos da Cargill, Clythio Buggenhout, a empresa construiu o seu terminal depois de vencer em 1999 uma licitação aberta pela Companhia de Docas do Pará (CDP), vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República. De acordo com ele, a área gerida pela CDP já era uma zona portuária consolidada e tinha licença operacional para diversas atividades.
“Foi feita uma consulta à Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará (Sema-PA) e, como o porto já estava licenciado, ela informou que bastaria fazer um Plano de Controle Ambiental (PCA)”, explica Buggenhout, que, antes de assumir o cargo na Cargill, presidiu a CDP entre 2007 e 2009. De acordo com o executivo, até o começo da década passada, não era comum que se cobrasse a realização de um EIA/Rima para licenciar um terminal portuário. “Hoje a gente entende que todo mundo tem que fazer EIA/Rima para qualquer terminal. Mas, na época, era atípico.”
Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Cargill respondeu a questionamentos da Pública. Clique aqui para ler a íntegra das respostas.
As justificativas da Cargill não convenceram o MPF, que se baseou sobretudo na Resolução 237, de 1997, publicada dois anos antes da licitação vencida pela Cargill, para cobrar a realização do EIA/Rima. Depois de um longo questionamento judicial promovido pelo MPF, que até obteve liminares para paralisar temporariamente as atividades do porto, a Cargill foi obrigada a fazer o estudo.
A primeira versão foi concluída em 2008 – cinco anos após a inauguração do terminal fluvial. Porém, a Sema-PA exigiu que o trabalho fosse refeito e que se ampliasse a área de influência do empreendimento, para que fossem analisados os impactos socioambientais trazidos pela inevitável expansão do cultivo da soja no oeste paraense, impulsionada pelo porto. A segunda versão do EIA/Rima ficou pronta em 2010.
Porém, o imbróglio está longe de chegar ao fim: a CPEA (Consultoria, Planejamento e Estudos Ambientais), empresa contratada pela Cargill para fazer o estudo de impacto ambiental, é acusada de fraude pelo MPE-PA. Na ação movida pelo órgão estadual, a CPEA é acusada de ter inserido “informações parcialmente incongruentes, as quais apontam desconformidades entre os textos utilizados como pilares para a construção dos argumentos favoráveis ao Licenciamento Ambiental da empresa Cargill S.A. e os resultados dos próprios autores quanto às suas conclusões”.
Dentre os dados supostamente distorcidos pela CPEA, por exemplo, encontram-se estatísticas sobre o desmatamento na zona rural de Santarém, que teriam sido adulteradas de forma a não serem diretamente correlacionadas à instalação do porto da Cargill. Entidades que trabalham em parceria com movimentos sociais e populações tradicionais também acusam o EIA/Rima de não levar em consideração os problemas sofridos por algumas comunidades do Planalto Santareno descendentes de indígenas e de quilombolas, impactadas diretamente pelo plantio e pelo transporte da soja, como se verifica no povoado de Açaizal.
O representante da Cargill nega que a empresa esteja fomentando a violação de direitos de comunidades tradicionais. “A Funai nunca nos oficiou, dizendo que estamos comprando indevidamente de alguma fazenda em área indígena”, argumenta Buggenhout. Ele também afirma que, para a empresa, a produção de soja no oeste do Pará, “comercialmente, é irrisória”. “Se toda a região de Santarém for plantada com soja, e não é isso que a gente quer, ainda assim não seria significativo no movimento do terminal, que já se movimenta – 95% – com  carga vinda do Mato Grosso.”
Em entrevista concedida à Pública por e-mail, o diretor-presidente da CPEA, Sérgio Luis Pompeia, refuta as acusações do MPE-PA e afirma que “não houve qualquer dado distorcido sobre o desmatamento nas áreas de influência do empreendimento”. Além disso, diz ele, “as áreas indígenas e de quilombolas existentes na área de influência indireta do empreendimento foram todas relacionadas e analisadas dentro do diagnóstico do EIA/Rima”. Pompeia argumenta ainda que a ação movida pelo MPE-PA “decorreu de um equívoco na análise do EIA realizada por seus assistentes técnicos”. O processo judicial ainda está longe de ter um desfecho: a primeira audiência está marcada para agosto de 2013.
Apesar das desconfianças em relação ao EIA/Rima, o fato é que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará concedeu, em agosto deste ano, a licença operacional para funcionamento do terminal e, de quebra, também aprovou a licença de instalação para que a infraestrutura do porto seja expandida. “Muitas empresas do agronegócio estavam esperando resolver esse caso da Cargill. Já temos notícias de que outras querem construir portos no Tapajós”, explica Érina.

Campos de soja na beira da PA 370, em Santarém (PA) (Foto: Fernanda Ligabue)
A menina dos olhos das grandes empresas do agronegócio – e também do setor de transporte de cargas – é o distrito de Miritituba, localizado na margem direita do rio Tapajós, no município de Itaituba. Trata-se de um ponto logístico estratégico não só pela via fluvial, mas também pelo modal rodoviário. É precisamente do lado direito do rio, na altura de Miritituba, que se encontram tanto a BR 163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém, como as vias de acesso à rodovia Transamazônica, que rasga a Amazônia de leste a oeste.
Em Miritituba, barcaças de pequeno porte serão carregadas sobretudo com grãos e vão seguir viagem pelo Tapajós e pelo rio Amazonas até outros portos fluviais de maior envergadura, como os dos municípios de Santarém, Barcarena (próximo à capital paraense) e Santana, no entorno de Macapá (AP). “Mas não são apenas grãos que vão ser escoados. Produtos da Zona Franca de Manaus (AM) também devem chegar à região Centro-Oeste a partir de Miritituba”, analisa Buggenhout.
Além da própria Cargill, pelo menos três grandes empresas já compraram terrenos em Miritituba, nos últimos dois anos, para a construção de novos terminais. Uma delas é a também norte-americana Bunge, que figura entre as quatro maiores empresas mundiais do agronegócio e que já está com o processo de licenciamento ambiental do porto em fase avançada. As outras duas são a Hidrovias do Brasil (HB), pertencente ao fundo de investimento P2 Brasil, e a Cianport – empresa ligada a grandes produtores de grãos do Mato Grosso interessados em fazer a logística da sua produção por conta própria. Mas há quem diga que o número de novos portos possa ser até duas vezes maior.
Exageros e especulações à parte, não há como negar que o Tapajós é a bola da vez na expansão da fronteira amazônica – processo que, historicamente, deixou feridas não cicatrizadas devido à lógica predatória com que se instalou em outras partes da floresta. Resta torcer para que a história não se repita no oeste do Pará. Mas, pelo andar da carruagem, a torcida terá de ser grande. Muito grande.

TAPAJÓS, OURO E MERCÚRIO. FATOS E BOATOS SOBRE A CONTAMINAÇÃO DOS SEUS HABITANTES

TAPAJÓS, OURO E MERCÚRIO. FATOS E BOATOS SOBRE A CONTAMINAÇÃO DOS SEUS HABITANTES
 
 
Com a descoberta do ouro em 1958, a região do Tapajós sofreu uma drástica transformação.
Em pouco tempo dezenas de milhares de prospectores de ouro, os garimpeiros, invadiram a cidade, os rios e, aos poucos, as matas. Calcula-se que mais de 500.000 homens garimparam na região. As consequências deste trabalho e da lavra desorganizada se fizeram sentir imediatamente.
Com o garimpo veio o dinheiro e, naturalmente, os problemas inerentes a ele.
Um dos pontos mais debatidos tanto pela mídia nacional e internacional como pelos meios acadêmicos, foi o da contaminação do meio ambiente, flora, fauna e pessoas pelo mercúrio.
 
O sensacionalismo
A partir da década de 80 muito se falou sobre o assunto e as notícias mais alarmistas e geradoras de manchetes foram as mais divulgadas. Acreditava-se que a região e seus habitantes estariam  totalmente contaminados e que em breve o mundo veria o horror de Minamata pintado com cores tropicais.
Na época os primeiros resultados analíticos mostravam que a contaminação por mercúrio era detectada a centenas de quilômetros dos garimpos, nas proximidades de Santarém. Os cálculos sobre a quantidade de mercúrio jogada no meio ambiente eram, consequentemente, astronômicos. Como o mercúrio havia contaminado centenas de milhares de quilômetros quadrados? Os debates se acirraram, comissões foram nomeadas e um estado de caça as bruxas instalado.
Esperava-se uma grande catástrofe com a morte e a deformidade de muitas pessoas.
A Doença de Minamata
Minamata é o nome de uma baía no Japão que foi o palco da maior catástrofe ambiental causada por mercúrio na história do homem.
O mercúrio, em sua forma orgânica (metilmercúrio) foi jogado ao mar por uma industria química japonesa a Chisso Chemical Corporation. O metilmercúrio é um composto químico bastante solúvel e pode ser concentrado milhares de vezes nos peixes e mariscos que, para capturar o oxigênio ou se alimentarem, filtram imensos volumes de água. A contaminação dos peixes em Minamata foi a principal causadora da contaminação humana a seguir. Milhares de habitantes das comunidades vizinhas à Baía, cuja principal dieta era constituída de frutos do mar, foram contaminados e desenvolveram os sintomas do que foi chamado de Doença de Minamata.
A doença ataca o sistema nervoso e cérebro causando dormência nos membros, fraquezas musculares, deficiências visuais, dificuldades de fala, paralisia, deformidades e morte. O metilmercúrio ataca da mesma forma os fetos durante a gestação podendo ou não matá-los. Um grande número de crianças com deformidades causadas pela doença foi registrado nos anos que se seguiram ao desastre ecológico. O resultado da contaminação em Minamata se faz sentir até hoje. Morreram 1.435 pessoas e mais de 20.000 foram contaminadas e estão recebendo indenizações.
Das formas de contaminação por mercúrio qual é a mais perigosa para o ser humano?
Existem várias formas de mercúrio, mas iremos discutir as três mais importantes para o caso do Tapajós.
  1. O mercúrio metálico: O elemento mercúrio, comum em termômetros e na medicina antiga é pouco tóxico, sendo raro o envenenamento. Ele praticamente não é absorvido pelo contato com a pele e, mesmo quando ingerido, não causa maiores males. No Tapajós, no entanto, o garimpeiro vaporiza o mercúrio metálico que acaba sendo inalado, aos poucos, mas por longos períodos de tempo o que causa o envenenamento e, em raros casos mais graves, o aparecimento de sintomas neurológicos.
  2. O mercúrio inorgânico : O mercúrio inorgânico é mais comum do que se pensa. De uma forma geral ele é associado a mineralizações sulfetadas mais recentes. No entanto, em várias ocasiões, eu tive a oportunidade de analisar rochas e solos de áreas sem garimpos na região do Tapajós,  com teores acima de 2ppm de mercúrio total. Isto demonstra claramente que certos estilos de mineralização do Tapajós carregam concentrações anômalas do mercúrio inorgânico, que é totalmente inofensivo ao ser humano, pela sua baixa concentração e absorção. Anomalias de mercúrio também foram detectadas, em meus trabalhos nas unidades vulcânicas dos greenstones tipo Bacajá, antes da chegada dos garimpeiros. Esta informação deve servir de aviso aos pesquisadores que analisam o mercúrio total não discriminando entre o mercúrio inorgânico e o metilmercúrio. Grandes ingestões de mercúrio inorgânico podem intoxicar.
  3. O metilmercúrio : este composto orgânico de mercúrio é, na realidade, a principal causa das doenças e intoxicações por mercúrio que causaram os grandes desastres no Japão. Existem muitas outras formas de mercúrio orgânico. Algumas, usadas na medicina, são componentes importantes da fórmula do mercúrio-cromo e do methiolate. No entanto é o metilmercúrio que quando assimilado por peixes e mariscos, chega à mesa do homem causando as intoxicações e a Doença de Minamata. Esta forma de mercúrio, quando ingerida pelo homem, acaba se concentrando em alguns órgãos e também nos fios de cabelos. Isso facilita a pesquisa pois o mesmo não ocorre com a contaminação pelo mercúrio metálico e inorgânico. O metilmercúrio no Tapajós foi constatado indiretamente nos estudos feitos em cabelos das populações ribeirinhas e garimpeiras.
A conclusão que se chega é que as formas de mercúrio orgânicas são as mais perigosas e as responsáveis pelos desastres ocorridos. Mesmo a inalação do mercúrio metálico que é uma das formas de contágio mais comuns nos garimpos e nas lojas de compra de ouro não tem o o mesmo efeito maléfico  que o envenenamento por metilmercúrio. Hoje a maioria das pessoas que vaporizam o mercúrio já usam as máscaras de proteção e as capelas.
O mercúrio e o garimpo
O garimpeiro, para aumentar a recuperação das finas partículas de ouro, usa o mercúrio na sua forma líquida. Este metal líquido tem a propriedade de capturar os grãos de ouro formando um amálgama. Na realidade é este mesmo amálgama que foi usado até pouquíssimo tempo atrás, nas obturações e próteses dentárias. Ou seja a maioria dos cidadãos de meia idade carregam uma fonte de mercúrio em sua boca.
No garimpo a operação com o mercúrio consiste em colocar grandes quantidades deste metal líquido nas caixas (sluice boxes) em posições estratégicas onde o ouro estará sendo também concentrado. O fluxo da água faz o ouro entrar em contato com o mercúrio sendo imediatamente aprisionado.
O processo é, em geral,  muito rudimentar e causa grandes perdas de mercúrio que é transportado pelas águas para os rejeitos onde se infiltra. O amálgama que não foi perdido na garimpagem é, após alguns dias,  processado pelo garimpeiro com o intuito de recuperar o ouro e parte do mercúrio metálico. Este processo é a maior fonte de contaminação dos garimpeiros pois nele é usado o maçarico, que vaporiza o mercúrio deixando somente o ouro na sua forma sólida. Os vapores de mercúrio, pela inexistência de equipamentos de proteção, máscaras e capelas,  eram, parcialmente inalados pelos garimpeiros e despejados na atmosfera.
A Poluição dos Rios e da Atmosfera no Tapajós
É fácil entender a preocupação dos pesquisadores pois todos os ingredientes para um gigantesco desastre ecológico, maior do que o de Minamata, estavam presentes na história Tapajônica das últimas décadas.
Toneladas de mercúrio foram jogadas nos rios e suas margens e outras toneladas de mercúrio vaporizado contaminaram a atmosfera do Tapajós. Esperava-se que o mercúrio metálico se transformasse rapidamente em metilmercúrio sendo então assimilado pelos peixes e, posteriormente, pelos homens causando mortes, deformidades e os sintomas que caracterizam a doença de MInamata.
E os habitantes da região? Estavam doentes?
Vários estudos efetuados por pesquisadores nacionais e internacionais de renome (vide bibliografia) mostraram que apesar de contaminados , os habitantes da região, quase não mostravam os sintomas da doença. As pesquisas foram feitas em várias ocasiões e com metodologias diferentes.
A princípio acreditava-se em uma poluição de enormes dimensões. No entanto, a medida que eram estudados os níveis de mercúrio nos habitantes da região, aos poucos , foi sendo constatado que a maioria deles não estavam sofrendo dos sintomas da doença de Minamata. Os resultados das amostras de cabelo, urina e sangue coletados continham, quase todos, níveis de contaminação inferior aos limites mínimos preconizados pelas organizações mundiais de saúde. Os garimpeiros e compradores de ouro podiam ter elevados níveis de mercúrio, mas, quase sempre era mercúrio metálico que havia aderido aos seus cabelos. Já os habitantes de algumas comunidades ribeirinhas, pela sua dieta de peixes, foram os que apresentaram os maiores índices de contaminação por metilmercúrio.
Em todos estes casos estudados, mesmo nas pessoas com teores acima de 50ppm de Hg não foram constatados os sintomas de Minamata.
Em suma a doença não havia se instalado no Tapajós.
O que ocorreu? Porquê o Tapajós não é a sede do maior desastre ecológico causado pelo mercúrio no mundo?
O que efetivamente salvou a vida de inúmeras pessoas e crianças foi a combinação dos seguintes fatores:
  • A contaminação de mercúrio ocorreu, disseminada em uma enorme área superior a 80.000 km2: O Tapajós, do ponto de vista da produção aurífera, é uma região bastante grande, superior em área a muitos países e estados. Dentro desta região existem milhares de garimpos que tem ou tiveram atividades garimpeiras. Consequentemente toda a considerável massa de mercúrio jogada no meio ambiente foi, na realidade dispersa nestes milhares de quilômetros de área. O problema seria gravíssimo se o mercúrio fosse jogado em um lago ou baía pequena quase fechada.
  • A transformação do mercúrio metálico para metilmercúrio está ocorrendo muito lentamente: estudos recentes das condições físico-químicas dos garimpos onde o mercúrio metálico foi despejado mostram que as condições para a formação de metilmercúrio são desfavoráveis. O pH destas águas não é muito ácido e os agentes orgânicos como bactérias tem uma atuação muito reduzida sobre o metal. Isto é facilmente observado quando são estudados os rejeitos de garimpos antigos , que são repletos de gotículas de mercúrio e de amálgama ainda preservados após dezenas de anos. Se a transformação fosse rápida não existiriam mais nenhum vestígio de mercúrio metálico nestas áreas.
  • Boa parte do mercúrio analisado nas pessoas era, na realidade o mercúrio total, a soma de todas as formas do mercúrio: Na fase inicial os pesquisadores não discriminavam entre mercúrio inorgânico e metálico (menos perigosos) e o metilmercúrio. Isto levou a uma série de exageros e conclusões errôneas. Assim que novos trabalhos, com métodos analíticos mais sofisticados, foram feitos, foi constatado que a quantidade de metilmercúrio  nas pessoas era, quase sempre abaixo dos 50ppm que caracterizam os níveis de intoxicação segundo órgãos de saúde internacionais.
  • O metilmercúrio é muito solúvel e é diluído em imensos volumes de água dos rios e das chuvas no clima de floresta tropical do Tapajós: todo o metilmercúrio formado a partir da contaminação original é diluído, muito rapidamente, para teores muito baixos e inofensivos. Se este metilmercúrio não for imediatamente assimilado por seres vivos e incorporados aos tecidos dos peixes ele desaparecerá de forma rápida.
  • No Tapajós os pesquisadores descobriram que os peixes carnívoros são os maiores portadores de mercúrio. O motivo é facilmente explicável. Um peixe herbívoro será contaminado pela água que passa nas suas brânquias e pelo alimento que ingere. A contaminação destes peixes é muito lenta. Já um peixe predador ao comer peixes contaminados incorpora quase todo o mercúrio deste peixe contaminado de forma rápida e, ao longo da sua vida, pode, então, atingir níveis de contaminação mais elevados. 
  •  O mercúrio se distribui de forma irregular nos  peixes. O metilmercúrio está concentrado, principalmente em alguns órgãos como o cérebro, as guelras e o fígado. Os músculos destes peixes contaminados tem uma concentração muito baixa de mercúrio. Desta forma mesmo comendo um peixe contaminado o ribeirinho pode estar ingerindo quantidades quase desprezíveis de metilmercúrio se comer somente os músculos do peixe, que é a parte preferida de quase todos.
  • Foi detectado a presença de mercúrio inorgânico relacionado à geologia da região e não aos garimpos nos sedimentos do Rio Tapajós: Este mercúrio que faz parte das rochas do Tapajós havia sido transportado pelos sedimentos do rio e se acumulado. Os primeiros pesquisadores haviam constatado uma "contaminação" por mercúrio a centenas de quilômetros de distância dos garimpos o que fazia a teoria alarmista ainda maior. No entanto, um grupo de pesquisadores brasileiros e canadenses percebeu, mais recentemente, que este mercúrio era natural e inofensivo ao homem e não se relacionava a contaminação feita pelos garimpeiros. Eles foram os primeiros a começar a desvendar o ciclo do mercúrio na região.
Graças a esta combinação de fatores é que hoje nós não temos , no Tapajós, uma Minamata Brasileira.
Mesmo não havendo os clássicos casos da doença de Minamata a poluição existe e a contaminação dos habitantes está ocorrendo.
É importante que os garimpeiros e as autoridades responsáveis mantenham um controle sobre o uso indiscriminado do mercúrio evitando desta forma que a poluição possa se agravar mais ainda.
Nas décadas de 80 e 90 houveram muitos debates sobre o assunto e sobre as prevenções e controles que deveriam ser implementados. Isto tem que ser reativado e a poluição efetivamente paralisada.

Uma bota que vai revolucionar o trabalho em mina subterrânea

Uma bota que vai revolucionar o trabalho em mina subterrânea
Em 2014 quem ganhou o prêmio de inovação do Conselho de Saúde e Segurança de New South Wales foi, por incrível que pareça, uma bota.

Quem já trabalhou em mina subterrânea sabe como é difícil aguentar, após um dia de trabalho, o desconforto das botas de trabalho. Os mineiros frequentemente sofrem de dores e de doenças causadas pela água que se infiltra em botas mal seladas e não totalmente impermeáveis.

Com a nova bota, criada pelos próprios funcionários da Centennial Coal, e construída pela Blundstone da Tasmania esses problemas não vão existir. As novas botas são revolucionárias, seguras, totalmente a prova de água e com um nível de conforto sem igual. Elas foram testadas em trabalho por 9 meses antes de serem aprovadas.

As botas são de couro e tem um revolucionário sistema de fechamento que não deixa a água entrar.

No futuro elas serão feitas para outras profissões que sofrem dos mesmos problemas que os mineiros de mina subterrânea.