| Contexto ampliado: | Para
uma contextualização histórica da situação dos Cinta Larga, utilizamos
vários trechos do estudo “Os Cinta Larga, os diamantes e os conflitos:
uma cronologia”, elaborado pela equipe Povos Indígenas no Brasil, do
Instituto Socioambiental (ISA).
Ocupando uma área de 2,6 milhões de hectares nos Estados de Rondônia e
Mato Grosso, a Terra Indígena (TI) Roosevelt possui um raro kimberlito -
rocha vulcânica em que é encontrado o diamante. Segundo estudo da
Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), órgão do Ministério
das Minas e Energia, este minério é único no país, e poderia gerar uma
mina industrial de diamante de gema com capacidade para produzir, no
mínimo, um milhão de quilates de pedras preciosas por ano, o que
representaria uma receita anual de US$ 200 milhões.
A extração mineral em Terra Indígena é ilegal e depende da
regulamentação do Congresso Nacional. Entretanto, a Agência Brasileira
de Inteligência (ABIN) e o serviço de inteligência da Polícia Federal
(PF) estimam que US$ 20 milhões em diamantes da TI Roosevelt saiam
ilegalmente do País. Essa terra é considerada uma das dez maiores minas
de diamante do mundo e está incluída na rota dos grandes traficantes
internacionais de pedras.
Em meados do século XX, seringalistas pioneiros no território
chegaram com exploradores de garimpos. Segundo a cronologia do ISA, a
década de 1950 registrou vários conflitos dos Cinta Larga com
garimpeiros e seringueiros. Este quadro se agravou com a inauguração da
estrada Cuiabá-Porto Velho (BR 364), em 1960.
A conturbada trajetória dos confrontos da colonização de Rondônia com
os Cinta Larga, como lembraria o sociólogo e advogado Roberto Santos,
em artigo também publicado pelo Instituto Socioambiental (ISA), terá
início, na fase mais contemporânea, em 1963, motivada provavelmente pelo
potencial das jazidas da Terra Indígena (TI) Roosevelt. Ele cita a
seguinte passagem de autoria do antropólogo Shelton Davis:
”Em 1963, um homem chamado Francisco de Brito, que trabalhava para a
Arruda e Junqueira [empresa de produção de borracha], organizou um bando
de garimpeiros e pistoleiros para expulsar os Cinta Larga de suas
terras. De acordo com relatos desse incidente, que mais tarde ficou
conhecido como o Massacre do Paralelo Onze, Brito alugou um avião para
atacar as aldeias dos Cinta Larga. No momento do ataque, os Cinta Larga
estavam em meio a um importante cerimonial. Parece que, ao meio-dia, o
avião com Brito e seus capangas chegou à aldeia dos Cinta Larga e jogou
pacotes de açúcar sobre os índios. Em seguida, o avião deu uma rasante e
começou a dinamitar a aldeia. Ninguém sabe exatamente quantos índios
foram mortos nesse ataque. Alguns, porém, escaparam, e outra expedição
foi organizada para exterminar a tribo”.
Conflito envolvendo questões de garimpagem voltou a ocorrer em 1968,
quando: ”uma turma de sete homens, contratados pelo seringalista José
Milton de Andrade Rios para a pesquisa mineral, foi cercada por dezenas
de Cinta Larga nas imediações do rio Roosevelt. Os mineradores estavam
fortemente armados e mataram dez índios. (...) No mesmo mês, a oeste, os
Cinta Larga atacaram o acampamento do garimpeiro Raul Moreda, o 'Raul
Espanhol', às margens do rio Aripuanã. (...) Morreu o garimpeiro
Constantino Borges e três outros foram flechados. Os Cinta Larga
carregaram ferramentas, utensílios, roupas e mercadorias, jogando as
espingardas na água. [Mas] segundo antigos moradores de Aripuanã, Raul
Espanhol teria buscado reforços no acampamento do seu comparsa Manelão,
causando muitas baixas entre os índios.
Neste mesmo ano, teve início a Operação Cinta Larga, que consistia em
um plano de 'pacificação' do grupo, (...) sob o comando geral de Hélio
Bucker, chefe da 6ª Inind [a Inspetoria Regional (Inind) era vinculada
ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Após a extinção do SPI e criação
da FUNAI, em 05/12/1967, a Inind passou a ser denominada Delegacia
Regional. Hélio Bucker, militar reformado, dedicou-se à causa indígena,
sendo já titular da 5ª Delegacia Regional da FUNAI, no antigo Estado do
Mato Grosso, em 1968]. A Operação Cinta Larga desdobrou-se em duas
frentes. Uma delas foi liderada pelo sertanista Francisco Meirelles e
concentrou-se na região de Riozinho e Cacoal, em Rondônia, resultando no
contato com os Índios Suruí que ali viviam. A outra frente foi encetada
pelo sertanista João Américo Peret e visava atingir os índios do vale
do Aripuanã. Através do Decreto presidencial n°62.995 de 16/07/1968, a
área entre os rios Juruena e Roosevelt foi interditada para fins de
pacificação dos Cinta Larga e outros grupos.
Em 1969, a recém-criada FUNAI criou o subposto Roosevelt, dividindo o
pólo de atração com o posto Sete de Setembro. (...) Em julho de 1969
foi criado o Parque Indígena do Aripuanã (Decreto n° 64.860), atendendo
aos mesmos limites da área interditada pelo decreto anterior, 'com a
característica principal de área reservada aos índios Cinta Larga e
Nambikwara, para os efeitos do artigo 186 das Constituição'. Com isto,
foi garantida parcela significativa do território aos Cinta Larga e as
condições iniciais para a Funai melhor desenvolver seus trabalhos na
área.
Em fins de 1971, “os Cinta Larga mataram dois funcionários da FUNAI,
Possidônio Bastos, ex-jornalista que há pouco chefiava o subposto
Roosevelt, e o radiotelegrafista Acrísio Lima. Na versão de um Cinta
Larga, um garimpeiro compareceu a uma festa na aldeia, mas foi impedido
de 'namorar' uma das índias e teria passado veneno no pilão de fazer
chicha (bebida fermentada tradicional, à base de mandioca ou milho). Em
vingança, os índios atacaram o acampamento onde a Funai recém
instalara-se. Para os Cinta Larga, o envenenamento seria a explicação
mais plausível para a epidemia de gripe, doença até então desconhecida
entre eles, que dizimou a população de várias aldeias”.
Entre 1971 e 1974, os Cinta Larga começaram a corresponder às
tentativas da FUNAI de aproximação, fazendo visitas e algumas
celebrações em pequenos grupos, além da troca de prendas com técnicos do
órgão e pesquisadores.
O Decreto n° 73.563 de 24/01/1974 alterou os limites do parque
indígena, estabelecendo o rio Aripuanã como seu limite leste. Mas, no
mesmo dia, o Decreto n° 73.562 interditou duas áreas contíguas aos
limites do Parque, diminuindo ainda mais sua extensão. “Poucos meses
após a primeira visita, um grupo de sessenta e nove Cinta Larga visitou
Aripuanã. Foram recebidos pelos moradores com aguardente, fumo, roupas
velhas e o pouco de comida (...). Os índios acabaram contraindo gripe.
Ao voltarem para a floresta, a doença se alastrou, resultando na morte
de quase metade da população Cinta Larga dessa região”.
No ano seguinte, ocorre a “descoberta de ouro em um dos córregos do
rio Branco. Pouco depois os garimpeiros se transferiram para o igarapé
Jurema, afluente do Ouro Preto. A exploração de ouro teve altos e
baixos, porém atraiu a atenção dos Cinta Larga. Alguns que moravam a
pouco mais de 30 Km passaram a frequentar o local”.
Por volta de 1979-80, “uma firma norte-americana (Amcon Mining) havia
comprado os direitos sobre a área do garimpo Ouro Preto, identificada
em 1976, dando início a suas atividades de pesquisa”. Em 1984, houve a
“retirada do garimpo Ouro Preto e a instalação de um Posto Indígena da
FUNAI com a ocupação das instalações do antigo garimpo”.
Em meados de 1987, “os garimpeiros voltaram para área, comprando os
índios com mercadorias, transporte e participação na extração do ouro. A
direção da FUNAI era cúmplice nesse processo, havendo denúncias de
subornos e corrupção”.
A partir de 1999, os achados na Terra Indígena Roosevelt adquirem
nova proporção. É descoberta a jazida de diamantes, que traz toda forma
de pressão, conflitos e mortes. No ano seguinte, acontece a “invasão das
terras e a criação de um mega-garimpo de diamantes”. O foco principal
era a TI Roosevelt, mas o garimpo se alastra “para outras TIs dos Cinta
Larga: Serra Morena, Aripuanã e Parque Aripuanã, como também para as
terras dos Suruí, Zoró, Gavião, Arara, Nambikwara e os Arara de
Aripuanã”. No início de 2001, acontece a “retirada de cerca de mil
garimpeiros da TI Roosevelt pela Polícia Federal”.
Em setembro de 2001, Carlito Cinta Larga, 28 anos, filho do cacique
Mario Parakida, denuncia “ao Ministério Público a exploração ilegal de
madeira nas terras da etnia”. Carlito auxiliava o pai na negociação de
madeira com os madeireiros. “A Polícia Federal enviou equipe para
investigar o caso, mas os agentes só encontraram uma balsa no local.
(...) No mês seguinte, uma operação da Polícia Federal, FUNAI,
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e Instituto Nacional de
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) apreendeu sete
caminhões carregados com mangueiras, tubulações, motores, tambores de
óleo diesel, tratores, fogões e 11 mil metros de tubos na TI Roosevelt”.
No final de 2001, Carlito Cinta Larga foi assassinado a tiros quando
chegava em casa, na cidade de Aripuanã. Pouco depois, César Cinta Larga,
de Espigão d’Oeste, cidade próxima ao garimpo Roosevelt, foi também
assassinado. César morreu por afogamento e teve uma das mãos decepadas,
provavelmente sendo torturado antes de morrer.
Em 21 de março, teve início a operação de expulsão de cerca de 2.500
garimpeiros da TI Roosevelt, na qual índios e policiais federais se
uniram para combater o garimpo clandestino.
Em abril de 2002, os caciques Cinta Larga Nacoça Pio, João Cinta
Larga, Alzac Tataré e Amaral, todos moradores da TI Roosevelt, foram
presos, “acusados de homicídio, favorecimento de garimpo ilegal,
degradação ambiental e porte ilegal de armas”. Os quatro haviam liderado
a mudança de posição dos Cinta Larga em relação ao garimpo, passando a
ser contra a atividade. “Os caciques foram soltos após passarem seis
dias recolhidos na carceragem da Polícia Federal, em Porto Velho (RO)”.
A seguir, a TI Roosevelt foi “invadida pelos garimpeiros que dali
haviam sido retirados”. A invasão teria resultado em quatro garimpeiros
mortos e 28 feridos. Em 26 de abril, o jornal O Estadão do Norte, de
Rondônia, informou que “o ex-prefeito de Ariquemes e ex-senador cassado
Ernandes Amorim estava incitando os garimpeiros a invadir novamente a
terra indígena”.
Em junho de 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu
carta de movimentos sociais manifestando oposição ao Projeto de Lei (PL)
1610, que buscava a legalização da mineração em terras indígenas. O
documento alertava para as perdas das comunidades indígenas e os danos
ambientais que resultariam da aprovação do projeto do senador Romero
Jucá (PMDB).
Em junho de 2002, “lideranças das diversas Terras Indígenas Cinta
Larga (...) decidiram que os próprios índios deveriam cuidar da
exploração mineral e da preservação ambiental em suas terras. A
garimpagem seria levada a cabo pela Associação Indígena Pamaré”.
A partir de 2003, diante do agravamento da situação e das intrusões
garimpeiras na terra indígena Roosevelt, diferentes missões começaram a
visitar os Cinta Larga. Entre janeiro e agosto, houve uma ação de
desintrusão da TI. Em junho, a Plataforma Dhesca denunciou o caso da
etnia.
Em outubro de 2003, garimpeiros ameaçaram invadir novamente a área.
Entre outubro e novembro, os Cinta Larga foram visitados pela Comissão
Parlamentar de Direitos Humanos [da Câmara dos Deputados] e pelo relator
nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca,
Jean Pierre Leroy - acompanhado da subprocuradora geral da República,
Ella Volkmer de Castilho, de representantes de entidades indígenas e da
FUNAI, além da indigenista Maria Inês Hargreaves.
Notícia veiculada em 24 de outubro de 2003 pelo site do ISA registrou
a chegada do avião com José Roberto Gonzales no garimpo Roosevelt,
poucos dias antes, em que ele teria se apresentado: “como funcionário da
Companhia de Mineração de Rondônia (CMR) e membro de uma ONG de Minas
Gerais chamada Centro Mineiro para Conservação da Natureza (CMCN).
Avisada pelos índios, a Funai de Cacoal foi até a área e Gonzalez foi
encaminhando pela polícia ambiental à Polícia Federal em Pimenta Bueno.
Ali, de acordo com informações do delegado Fabiano Bordignon, Gonzalez
foi ouvido e declarou estar no garimpo para entregar aos índios uma
proposta em nome da Companhia de Mineração de Rondônia. (...) A
presidente da Companhia de Mineração de Rondônia (CMR), Leandra Vivian,
também chefe de gabinete do governador Ivo Cassol, ouvida pela
reportagem do ISA, confirmou que Gonzalez era assessor para assuntos
comercias da companhia, mas que desconhecia o fato de ele haver estado
com os Cinta Larga”.
Ao se dirigir à PF, Gonzales teria deixado na aldeia Roosevelt uma
bolsa “cheia de papéis no mínimo comprometedores. Entre eles, uma
procuração da presidente da Companhia de Mineração de Rondônia, Leandra
Vivian, a mesma que negou à reportagem do ISA desconhecer a presença de
seu assessor comercial na aldeia Cinta Larga. Havia ainda uma proposta
de se fazer uma cooperativa indígena para vender diamantes para a
Companhia de Mineração de Rondônia”, contou Walter Blós - coordenador do
Grupo Tarefa para a questão Cinta Larga e assessor da presidência da
FUNAI. Também foi encontrada uma minuta de convênio entre o Centro
Mineiro para a Conservação da Natureza (CMCN), organização vinculada à
Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, na qual Gonzalez também
trabalha como coordenador de projetos, e a Associação Paerenã Indígena
Ecológica de Proteção Ambiental, uma das organizações dos Cinta Larga.
Segundo a notícia do ISA, o texto do convênio estabelecia o objetivo
“de organizar e facilitar entre as partes a cooperação e a colaboração
científica e tecnológica em projetos, ações, programas voltados para a
preservação e conservação de recursos ambientais, aproveitamento de
recursos renováveis ou não renováveis, bem como a busca de outros
recursos que viabilizem a concretização dos objetivos dos conveniados”.
Contudo, “em momento nenhum aparecem escritas as palavras mineração ou
garimpo. Apenas se fala em aproveitamento dos recursos renováveis e
não-renováveis. A minuta também não tem data, mas está assinada pelo
cacique João Cinta Larga, por Laércio Couto, presidente da CMCN, por
José Roberto Gonzalez, também pela CMCN. O último nome é o de Marco
Kalisch, observador de uma organização denominada Great Forest Inc, que
entretanto não assinou a minuta. A papelada foi registrada em cartório
de Cacoal, em 23 de setembro de 2003”.
Em 2004, o relator de direitos humanos ao meio ambiente da Plataforma
de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
(Plataforma Dhesca Brasil) Jean Pierre Leroy sintetizou a situação dos
índios Cinta Larga (que já haviam sido objeto de um relato Dhesca, no
ano de 2003):
“O caso dos Cinta Larga no Estado de Rondônia reúne todas as formas
de manifestação da violência já mencionadas da força policial. Na
histórica e total omissão do Poder Público, seu território foi explorado
e saqueado, foram massacrados a ponto da população ser reduzida de
5.000 para 1.300 indivíduos em apenas 40 anos. Ainda hoje sofrem pressão
intensa dos garimpeiros e madeireiros. São humilhados e ameaçados nas
cidades próximas, o que levou muitas famílias indígenas a retirar seus
filhos das escolas com medo da violência e da discriminação. A imprensa
local contribui para criar o clima de animosidade contra os Cinta Larga,
por meio de matérias sensacionalistas, caluniosas e difamatórias. Em
abril de 2004, após a desintrusão da área com apoio do governo federal,
houve conflitos que resultaram na morte de garimpeiros que estavam
ilegalmente no interior das terras dos Cinta Larga. Em resposta,
centenas de garimpeiros, na cidade de Espigão d'Oeste, capturaram e
amarraram um professor indígena a uma árvore em praça pública,
humilharam-no, apedrejaram-no e por pouco não cumpriram o intento de
linchá-lo até a morte porque a Polícia Militar, mesmo acuada, chegou ao
local. Na delegacia da cidade, inúmeros inquéritos para apurar crimes
contra os Cinta Larga estão inconclusivos, com as investigações paradas.
Quando Cinta Larga são os investigados, o Judiciário local decreta a
prisão de suspeitos, mesmo com prova escassa e dúbia”.
Em março de 2004, “a PF prendeu 15 pessoas por envolvimento na compra
ilegal de diamantes das terras indígenas dos Cinta Larga. Entre elas
estavam o delegado da Polícia Civil em Espigão D’Oeste, um agente da PF,
um servidor do Incra, empresários e Marcos Glikes. Antecipando o auge
do conflito prestes a ocorrer, “a Polícia Federal iniciou uma greve 'por
tempo indeterminado', fazendo com que a precária fiscalização das áreas
de garimpo dos Cinta Larga ficasse praticamente nula e paralisando
totalmente as ações contra contrabandistas de diamantes em Rondônia”.
Na provável data de 07 de abril, os guerreiros Cinta Larga atacaram
garimpeiros no interior da TI Roosevelt, resultando na morte de 29
deles.
“Em 10 de abril, o professor Marcelo Cinta Larga e quatro menores da
etnia foram retirados de um táxi por garimpeiros às 12:00, e levados
para o meio da praça de Espigão d'Oeste. Mesmo sem ter qualquer ligação
com o garimpo, Marcelo foi espancado, violentado e amarrado a uma
árvore, em resposta ao assassinato dos garimpeiros na semana anterior.
Marcelo ficou em poder dos garimpeiros por mais de 10 horas até
conseguir ser libertado pela PM e levado para Ji-Paraná, sob escolta. No
dia 11 de abril, se deu a retirada dos corpos de três garimpeiros
assassinados no dia 07. (...) Depois de uma semana de procura e muitas
denúncias por parte dos garimpeiros, a Superintendência da Polícia
Federal confirmou a localização de mais 26 corpos na TI”.
Em 29 de abril, os Cinta Larga denunciaram à FUNAI uma nova invasão
de garimpeiros na TI Roosevelt. No dia 18 de maio, Moisés Cinta Larga,
de 14 anos, foi assassinado com dois tiros nas costas em emboscada em
Espigão D’Oeste, a menos de dois Km da TI Roosevelt. Uma ação penal foi
instaurada após o episódio dos 29 garimpeiros mortos, momento em que o
envolvimento de políticos e a atuação corrupta de funcionários públicos e
de contrabandistas começam a ser melhor detalhados.
Durante a 5ª reunião da Comissão Nacional de Politica Indigenista
(CNPI), realizada em Rio Branco, em setembro de 2009, o Portal Jipa
registrou que o procurador da República Reginaldo Pereira Trindade,
lotado em Rondônia, observou que o ”círculo vicioso [em torno dos Cinta
Larga e a TI Roosevelt] é caracterizado pela cooptação de lideranças
indígenas pelo crime organizado. 'Não raro, em vez do pagamento em
espécie, os índios são agraciados com créditos abertos no comércio das
cidades circunvizinhas à Reserva Indígena, notadamente Espigão D’Oeste e
Cacoal, a ponto de, atualmente, as dívidas do Povo Cinta Larga somarem
centenas de milhares de reais”. Tal prática transformaria o pagamento
das dívidas, segundo o mesmo procurador, na principal engrenagem para a
continuidade do garimpo. 'Quanto mais os índios garimpam ou deixam
garimpar, mais devem e mais precisam continuar garimpando. Muitas
dívidas são ilegais e há tempos são cobradas sob a mira de arma de
fogo”, enfatizou.
Meses antes de “a morte de 29 garimpeiros por guerreiros Cinta
Larga”, o envolvimento direto do gabinete do governador Ivo Cassol na
exploração e garimpo ilegal das pedras preciosas locais ficou
configurado, segundo revelou notícia da Agência Brasil (EBC) publicada
pelo site Amazônia, em setembro de 2004. De acordo com a matéria, o
Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Superior Tribunal de Justiça
(STJ) a ”abertura de inquérito contra o governador de Rondônia, Ivo
Cassol, por envolvimento em questões referentes à extração de diamantes
na reserva indígena Roosevelt, do povo Cinta Larga. Cassol é suspeito
dos crimes de responsabilidade, facilitação de contrabando e descaminho e
prevaricação”. O governador de Rondônia teria sido ”francamente
favorável ao garimpo ilegal, chegando, segundo o MP, a incentivar a
prática e repudiar a ação constitucional da FUNAI em entrevistas à
televisão”.
A mesma notícia informou que o senhor José Roberto Gonzales, ligado à
ONG Centro Mineiro de Conservação da Natureza, fora contratado pela
chefe de gabinete do governador de Rondônia, Leandra Fátima Vivian,
presidente da estatal Companhia de Mineração do Estado de Rondônia
(CMR), para intermediar a relação com as lideranças indígenas Cinta
Larga. Uma conversa telefônica mantida entre Gonzales e o delegado da
Polícia Federal José Bocamino - também acusado de pertencer ao esquema
de contrabando de diamantes - foi monitorada no âmbito da 'Operação
Lince', permitindo a identificação de um esquema de exploração ilegal de
diamantes na reserva. Os contrabandistas teriam investido R$ 1 milhão
para compra, transporte e manutenção de máquinas de lavra e pagamento de
comissões e propinas. Gonzales deveria proporcionar a entrada e
instalação das máquinas no interior da aldeia liderada pelo cacique João
Bravo, por meio de contatos e acertos com os indígenas.
Em outra reportagem, a revista Isto É informa que Gonzales foi
nomeado em setembro de 2003, “com amplos poderes” para representar
comercialmente a CMR, no Brasil e no Exterior:
”Gonzales foi apontado pela PF como um dos principais contrabandistas
de diamantes da reserva. Em depoimento prestado no dia 21 de outubro do
ano passado, ele confirmou que trabalhava para um peixe ainda mais
graúdo: o megacontrabandista internacional de pedras preciosas Marcus
Glikas, preso na rodoviária de Cacoal, município próximo à reserva, no
dia 8 de março deste ano, após fechar um acordo para compra de gemas com
os índios. Investigado nos EUA por crime de lavagem de dinheiro, Glikas
chegou a recrutar os agentes da PF Marco Aurélio Soares e José Cadete
Silva e policiais militares da região, que acabaram presos. A PF prendeu
no fim do ano passado uma rede de laranjas do contrabandista com R$ 3
milhões em pedras preciosas no Aeroporto de Várzea Grande, região
metropolitana de Cuiabá. As pedras foram retiradas da reserva
Roosevelt”.
“Fui contratado por Glikas para tentar um acordo com o governo do
Estado para operar legalmente na reserva”, disse José Roberto Gonzales
ao ser localizado na quarta-feira 21, em Belo Horizonte. Um mês depois
de ser nomeado procurador da CMR pelo governo do Estado, Gonzales foi
desmascarado pelos guerreiros Cinta Larga.
Os Cinta Larga tiveram a oportunidade de denunciar as ações de
assédio e violência de que eram vítimas, bem como sua disposição de
”resistir às invasões”. Uma CPI estadual da Garimpagem também encaminhou
ao Ministro da Justiça seu relatório final, além de uma carta
“apontando as irregularidades que vinham ocorrendo na área e a tragédia
que poderia acontecer caso não fossem tomadas providências urgentes”.
Ainda observava que, ”em razão de competências federais específicas
(envolvendo órgãos como a FUNAI, Polícia Federal, DNPM e IBAMA), os
problemas não poderiam ser resolvidos no âmbito estadual. Os relatores
pediram a intervenção do Exército nas TIs Cinta Larga e citaram que os
principais responsáveis pelas invasões e extrações ilegais do diamante
eram os próprios índios e funcionários da FUNAI. A CPI foi, no entanto,
encerrada sem ouvir nenhum Cinta Larga”.
Em 01 de outubro de 2009, notícia veiculada pelo site do Conselho
Indigenista Missionário apresentava processo do MPF contra três
funcionários da FUNAI que, entre 2001 e 2007, estiveram envolvidos em
delitos como “a cobrança de pedágio para entrada de garimpeiros na
reserva indígena dos Cinta Larga [e] envolvimento na extração ilegal de
madeira e de diamantes”.
Segundo Ana Aranda, em 2010, os índios Cinta Larga, com apoio da
Polícia Federal, tomaram a decisão de paralisar completamente a
exploração de diamantes em suas terras. Desde então, a PF mantém
barreiras nas principais vias de acesso a TI. Essa decisão, contudo,
possui um custo político que está gerando efeitos negativos dentro da
terra indígena. Aranda afirma: “[As] lideranças Cinta Larga paralisaram o
garimpo acreditando na promessa de implementação de um planejamento de
vida que atenda as necessidades básicas para uma vida digna dentro da
TI, até que a lei que regulamenta a exploração de minerais em terras
indígenas saia da gaveta na Câmara Federal, onde aguarda uma decisão dos
deputados desde 1999. Sem a contrapartida do governo no acordo, as
lideranças indígenas que o acataram sofrem pressões de todos os lados -
dos parentes, que vivem em situação de penúria e não acreditam mais nas
promessas dos colonizadores, e de uma variada rede de pessoas, empresas e
entidades, ávidas pelas pedras preciosas, incluindo perigosos bandidos
internacionais”.
Numa reunião entre a procuradoria do estado, lideranças locais e a
bancada federal do estado, em 18 de agosto de 2011, o procurador
Reginaldo Trindade afirmou que a inércia do governo federal para
viabilizar alternativas de desenvolvimento local se devia à falta de
vontade política: “Embora se assemelhe a uma bomba prestes a explodir, a
situação é cômoda para o governo, já que o garimpo está paralisado”. Na
ocasião, a procuradoria solicitou que a bancada estadual no congresso
pressionasse politicamente a União para que novos conflitos fossem
evitados.
Lideranças indígenas Cinta Larga denunciaram a truculência dos
policiais federais responsáveis pela fiscalização nas barreiras, além da
enorme diferença entre os recursos investidos na manutenção da força
policial no local e aqueles destinados a programas sociais nas aldeias.
Dados levantados pela procuradoria confirmaram as denúncias: “O
Governo Federal aplicou em ações da Policia Federal, no período de 2006 a
2009, R$ 28 milhões e 430 mil, com valores em escala ascendente a cada
ano. Já os programas sociais, de acordo com a FUNAI, tiveram um
investimento de R$ 469 mil em 2008 e de R$ 649 mil em 2009, sendo que
parte considerável dos mesmos foi aplicada em despesas indiretas, como
pagamento de diárias e de combustível. No biênio 2008/2009, as ações
repressivas somaram um montante de R$ 7 milhões/ano, sendo que para a
FUNAI foi destinado 10% destes investimentos”.
Segundo relato de João Guató no portal Proind, Marcelo Cinta Larga,
coordenador da Associação Cinta Larga, declarou: “Queremos resolver os
conflitos que temos com os garimpeiros de forma pacífica, mas promessas
não são cumpridas. (...) Não é suficiente somente paralisar os garimpos.
É preciso ter alternativas”.
Em 30 de junho de 2012, Alexandre Maciel, repórter do jornal 24 News,
entrevistou Marcos Aripuanã, coordenador geral da Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e diretor da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que externou a
situação de penúria em que vive o povo Cinta Larga. Segundo ele, as
políticas públicas de saúde e educação são totalmente ausentes na
comunidade, tornando a etnia dependente de uma política assistencialista
promovida pela FUNAI - muitas famílias sobrevivem com a doação de
cestas básicas.
Marcos aponta ainda outro fator importante para a cultura Cinta
Larga, a perda da identidade: “Hoje eles também passam por um problema
muito grave que é a questão da religião. Uma igreja evangélica implantou
seus mecanismos naquela área e hoje eles também estão reféns disso”. A
atuação dúbia da FUNAI estaria na origem dessa dependência. Segundo
Aripuanã, “entra e sai gente das terras indígenas e eles não fiscalizam,
não perguntam o que está acontecendo. Porém, quando os índios querem
fazer os seus trabalhos para beneficiar a governança do seu território,
dizem que não pode, por que a lei diz ‘isso e aquilo’”, reclama.
Dois meses após as denúncias de Aripuanã, três novos garimpos ilegais
foram desativados na TI Roosevelt. Em uma operação que articulou
fiscais do IBAMA, da FUNAI e agentes da Polícia Federal, foram
apreendidos e destruídos dezesseis motores e caixas separadoras. Segundo
depoimento de Carolina Gonçalves para a Agência Brasil, há denúncias de
que alguns membros da etnia estariam envolvidos na operação. Aripuanã
foi entrevistado por Gonçalves como representante da Coiab e admitiu que
muitas aldeias já cogitam a articulação com os garimpeiros para
exploração ilegal dos diamantes, pois as políticas assistenciais do
Governo Federal são consideradas insuficientes para a manutenção de suas
famílias. |