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| Mapa: ISA / Amazonia.org |
"Os dois projetos,
Belo Monte e
Belo Sun fazem parte de um cenário que tem redefinido os territórios já estabelecidos na
Pan-Amazônia,
que colocam em flancos opostos grandes corporações de construtoras de
barragens, mineradores, agronegócio e noutro as populações consideradas
tradicionais, numa lógica secular marcada pela expropriação dos
últimos", escreve o Professor da Universidade da Amazônia (UNAMA),
Rogério Almeida em artigo publicado por
CombateRacismoAmbiental, 02-12-2013.
Eis o artigo.
Há seis meses perto de 600 garimpeiros da
Vila da Ressaca, no município de
Senador José Porfirio,
estão sem fonte de renda. Eles fazem parte do universo de pessoas e
categorias que serão atingidas pelos grandes projetos da região do
Xingu,
a sudoeste do Pará, mais precisamente na Volta Grande do Xingu, a 50 km
a sítio Pimental, que integra a engenharia do projeto da
Hidrelétrica de Belo Monte. Cerca de duas horas de barco separam a
Volta Grande do município de
Altamira, cidade polo da região.
Além de Belo Monte os moradores da vila são impactados pelo Projeto
Volta Grande, maior empreendimento de mineração de ouro a céu aberto do
país, da canadense
Belo Sun Mining Corp, que deverá retirar 50 toneladas de ouro no prazo de 12 anos, e promete empregar 2.700 operários.
Além dos empregos a corporação garante que irá promover o
reassentamento das famílias da Vila Ressaca, Galo e Ouro Verde, e que
vai gerar R$500 milhões em impostos em 11 anos. A
Belo Sun integra o portfólio da
Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado, que desenvolve projetos de mineração em todo o mundo.
Após três anos de prospecção e uma negociação nebulosa com pessoas
que se dizem donas da área, os garimpeiros estão impedidos de trabalhar
nos antigos garimpos Grota Seca, Galo e Ouro Verde, que respectivamente
seriam de propriedade de
Henrique Pereira Gomes, e das pessoas conhecidas somente pelos prenomes de
William e
Gazio.
Itatá, Curimã e Morro dos Araras fecham a constelação de garimpos da
região, como outros rincões da Amazônia, marcada por uma realidade
agrária caótica.
Conforme moradores da Vila, a retirada dos garimpeiros foi a condição
para o pagamento da segunda parcela da negociação junto aos possíveis
proprietários. A estimativa é que 50% dos moradores abandonaram o local,
perto de mil pessoas. O mesmo ocorre na vizinha
Ilha da Fazenda, que passou o ano sem energia elétrica gerada a motor de diesel, e já sofre com o abastecimento de água.
Cerca de 300 famílias ainda moram na
Vila Ressaca,
que tem parte do território definido como projeto de assentamento rural
da reforma agrária. Além do garimpo os moradores possuem como ocupação a
lavoura, pesca e o funcionalismo público. Seis mil pessoas chegaram a
habitar o lugar durante a febre do ouro.
Prestes a receber a licença ambiental, tudo parece anuviado tanto na
Vila de Ressaca, quanto na Ilha da Fazenda. Os moradores não sabem
informar sobre reassentamento das famílias, e temem pela qualidade da
água no presente e no futuro, por conta do desmatamento, do uso de
resíduos tóxicos, assoreamento e barramento do
Xingu, que deverá reduzir em até 80% a vazão do rio.
Os ribeirinhos
também não sabem se existe algum programa de prevenção de acidentes. O
futuro dos habitantes da Volta Grande é incerto. Os ciclos da fauna e
flora serão brutalmente alterados, assim com a navegabilidade do rio.
Entre outros pontos nefrálgicos, defensores dos direitos humanos e
ecologistas criticam que os estudos de impactos ambientalistas da
mineradora não consideram os impactos cumulativos dos dois
empreendimentos. Na mesma seara de critica encontram-se o
Ministério Público Federal,
Fundação Nacional do Índio (Funai),
Defensoria Pública do Estado e
ONG´s.
O licenciamento está suspenso pela Justiça Federal a pedido do
MPF,
que exige que as populações indígenas Juruna, Araras e isolados sejam
ouvidas previamente. Paquiçamba e Arara são as reservas indígenas mais
próximas do empreendimento.
Vila da Ressaca – Uma vila quase fantasma
Conforme dados do
Estudo de Impacto Ambiental da Belo Sun,
maranhenses representam 93% da população do município Senador José
Porfirio, criado na década de 1960, e que desde os anos quarenta
registra atividade de garimpo de ouro. As mineradoras Oca, CNN e Verona
precederam a Belo Sun.
Os anos das décadas de 1960 e 1970 são considerados os gloriosos de
ouro fácil. Antes do impedimento da atividade, cada garimpeiro conseguia
faturar entre R$ 3 a 6 mil reais, informa José Raimundo Constantino,
presidente da Cooperativa de Garimpeiros do Galo, Ressaca, Ouro Verde,
Itatá e Fazenda
(Coogrovif).
A placa da cooperativa informa que ela possui autorização de lavra concedida pelo
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM),
de número 71 desde 2009. A desordem é a regra na fronteira. Nos
garimpos da Ressaca não havia relação trabalhista entre os garimpeiros e
os controladores dos locais de extração. Cada garimpeiro pagava 20% do
que conseguia arrecadar. Além da precariedade trabalhista era comum o
trabalho infantil, e uso do mercúrio e dinamite. Para não falar na
situação de conflito que ocorreu com as populações indígenas.
A mineração em menor ou maior escala é indutora de passivos sociais e
ambientais. Se os garimpeiros usam dinamite e mercúrio, as grandes
corporações usam cianeto, dragas e dinamite. Tanto um quanto o outro
provoca situações de conflito com as populações consideradas
tradicionais, em particular indígenas.
Desabafos da Ressaca
No último sábado as casas de madeira apertavam as ruas estreitas da
vila marcada por uma rotina de tranquilidade. O vai e vem comum nos dias
de garimpo, com pessoas carregando combustível e motores deixou de
existir. “As máquinas foram levadas para o Mato Grosso. Não temos como
trabalhar”, informa
Idelson de Sousa, um articulado jovem garimpeiro indignado com a situação de abandono. “Temos três vereadores, e ninguém nos defende”, arremata.
“A empresa sonega informação. Nos afronta e humilha. A gente não tem
liberdade e estamos passando necessidade. Estamos que nem gado no
curral” enfatiza
Francisco Pereira Silva, conhecido
como Piauí. Ele é a voz mais indignada na reunião da cooperativa. Há
anos na atividade, ele esclarece que tem pai hoje na comunidade sem
condição de comprar nem um lápis para o filho. “Não queremos nada.
Apenas o nosso direito. É necessário que haja justiça em nosso país”,
sublinha o garimpeiro.
Já
Ideglan Cunha adverte que em Ressaca não há
ladrão. Sim pobres dignos. E que não se pode sair de qualquer jeito do
garimpo. Ele encerra defendendo que “a gente quer trabalhar, comer e que
o direito de cada um seja respeitado”.
Mineração no Pará
Existe minério praticamente em todo o estado, – de seixo a ouro -,
todavia, até o momento, Carajás tem se constituído como o principal polo
exportador. O extrativismo mineral é o principal item da balança
comercial do estado do Pará, chegando a contribuir com 90% do Produto
Interno Bruto (PIB). O mesmo minério que pesa no PIB é responsável por
uma renúncia fiscal de R$ 9 bilhões por ano por conta da Lei Kandir (lei
complementar federal n.º 87, de 13 de setembro de 1996), que desonera
as empresas em recolher o Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviço
(ICMS) dos produtos primários e semielaborados. Dados do
DNPM
sinalizam que o setor faturou 100 bilhões de reais em 2012. Deste total
o Pará responde por 23,3%, ficando atrás de Minas Gerais, que concentra
41,4% da produção.
A desoneração em R$9 bilhões se aproxima do orçamento total do estado
para o ano de 2013, estimado em R$ 13 bilhões, assim explica a
dissertação de mestrado em Direito de Victor Souza, defendida da
Universidade Federal do Pará (UFPA). No cenário de corporações internacionais que exploram ou reivindicam licença para prospecção mineral junto ao
DNPM em solo paraense, constam a suíça Xstrata, a estadunidense Alcoa, a francesa
Ymeris, a Reinarda, subsidiária da australiana Troy Resourse, a norueguesa Norsk Hidro, a chilena Codelco, a canadense Belo Sun
Mining Corp e a
Vale, esta a de maior musculatura.
Ao longo dos anos a modalidade de política pública para a Amazônia
baseada em grande empreendimento tem sido um indutor de desagregação
econômica e social, que se manifesta a partir do rompimento de laços de
solidariedade, vizinhança, formas de reprodução econômica, social e
cultural de pescadores, indígenas, trabalhadores rurais, extrativistas e
demais formas da sociodiversidade.
Os dois projetos,
Belo Monte e
Belo Sun
fazem parte de um cenário que tem redefinido os territórios já
estabelecidos na Pan-Amazônia, que colocam em flancos opostos grandes
corporações de construtoras de barragens, mineradores, agronegócio e
noutro as populações consideradas tradicionais, numa lógica secular
marcada pela expropriação dos últimos.