Garimpeiros de Coromandel recuperam 180 diamantes em Israel
Uma hora da tarde em Israel. Darío
Machado Rocha, 51 anos, e três colegas garimpeiros de Coromandel, uma
cidade de 27 mil habitantes no interior de Minas Gerais, estão diante do
suntuoso prédio de vidro da Bolsa de Diamantes em Tel Aviv.
Eles Tomaram um avião pela primeira vez na vida - a não ser Darío - para
uma missão inédita: negociar 445 quilates de diamantes diretamente no
mercado internacional. Sonham receber US$ 800 mil pelas 180 pedras. Mas
não imaginam que as gemas ficarão retidas ali por um ano, num longo e
tortuoso processo que, no entanto, está prestes a terminar em final
feliz.
A viagem ao exterior foi marcada após a audaciosa decisão da Cooperativa
de Garimpeiros da Região de Coromandel (Coopergac) - que reúne 135
trabalhadores do Alto do Paranaíba, na divisa com Goiás - de atuar
diretamente no mercado internacional de diamantes, sem a participação de
intermediários. Estavam atentos às graúdas possibilidades de um
comércio que movimenta US$ 100 bilhões por ano.
A saga para exportar os dois lotes de diamantes a Israel começou há um
ano, quando os quatro fizeram as malas e tomaram o voo, com as 180
pedras a bordo. Entre elas, uma gema rara, cor-de-rosa, de 3,89
quilates, do tamanho de um grão de feijão.
Apenas Darío se virava no inglês. Nem o duro interrogatório da imigração
israelense foi capaz de desanimar os vendedores. Numa sala fechada,
mostraram e comprovaram a origem legal de suas mercadorias, por meio do
certificado Kimberley - sistema criado no âmbito da Organização das
Nações Unidas (ONU) para garantir a origem legal das pedras e evitar o
comércio internacional dos "diamantes de sangue" (Leia mais ao lado).
O procedimento dos agentes israelenses intimidaria qualquer um, mas
valia a pena. Israel é um dos mais importantes centros de
comercialização e lapidação de diamantes do mundo, e ali esperavam
receber pelas pedras brutas 40% a mais do que conseguiriam no
desaquecido mercado nacional. Só não sabiam ao certo qual seria a cifra.
Um acordo prévio havia estabelecido que a avaliação das gemas seria
feita na própria corretora israelense, sediada num escritório dentro da
Bolsa de Diamantes de Israel - um complexo de quatro suntuosos
arranha-céus de vidro, conectados por pontes internas, em Tel Aviv. Ao
verem aquelas torres e grandiosas, lembraram do garimpo. "Olha onde nós
chegamos, os garimpeiros de Coromandel", pensou emocionado um dos
integrantes do grupo, Wanderson Mendes de Souza, 23 anos. Registraram o
momento em fotografias e seguiram pela rígida segurança do prédio da
bolsa.
Além de receber pelo diamante bruto, os garimpeiros dividiriam com os
parceiros israelenses o valor agregado na venda após a lapidação. Tudo
indicava que seria um bom negócio. O contato inicial havia sido feito
através de conhecidos, na base da confiança, que caracteriza esse tipo
de transação. A primeira exportação direta, através da mesma corretora,
havia sido um sucesso, embora o valor fosse bem menos expressivo - US$
14 mil.
Vitória maior haviam alcançado em 2009, quando negociaram na Bolsa de
Diamantes da Antuérpia, na Bélgica, a maior do planeta: 44 quilates
vendidos por US$ 350 mil. A diferença agora é que, pela primeira vez,
eram os garimpeiros os portadores da mercadoria, e não os estrangeiros
que vinham buscá-las no Brasil.
No escritório da corretora, eles ficaram otimistas com a avaliação das
primeiras cinco pedras. Mas depois de uma ligação em hebraico, eles
contam, os preços começaram a despencar. A maior decepção foi o valor
oferecido ao diamante rosa de 3,89 quilates. "Queriam pagar US$ 4.850,
um preço de banana, enquanto nossa expectativa era de US$ 250 mil", diz
Darío, uma das lideranças da Coopergac. "Eu 'nasci os dentes' no garimpo
e sei muito bem que aquele preço era de total má-fé", afirma.
Seria óbvio pensar que, naquele momento, os quatro deveriam ter feito as
malas e trazido os diamantes de volta ao Brasil. O fato é que ficaram
numa saia-justa: se carregassem as pedras, estariam praticando
formalmente uma espécie de contrabando. "Tínhamos todos os documentos
para exportar os diamantes, mas não para trazê-los de volta ao Brasil",
explica Darío. Com isso, tiveram que desapegar-se das gemas,
transferidas para a duvidosa custódia da corretora em Tel Aviv.
Foi esse o começo de um sufoco que parecia não ter fim. Nos longos meses
de negociação, segundo relatos de pessoas independentes envolvidas no
processo, a corretora israelense negava-se a mostrar as pedras a outros
interessados, e chegou a ameaçar lapidar as gemas - para total desespero
dos 135 garimpeiros, que, em maior ou menor quantia, ganhariam com o
empreendimento.
O maior aperto foi quando a corretora anunciou que havia vendido o
diamante cor-de-rosa, o maior e mais valioso, a um comprador espanhol,
supostamente por US$ 85 mil. Acrescentaram que pagariam apenas US$ 45
mil aos originais vendedores, pois descontariam os custos que tiveram no
processo.
Foi esse o alerta final. Os garimpeiros acionaram quem podiam. Com a
ajuda de especialistas no Processo Kimberley, chegaram ao presidente da
Bolsa de Diamantes de Israel - o experiente empresário Avi Paz,
descendente de uma tradicional família de comerciantes dessas pedras
preciosas na Rússia e na Bélgica. Paz sugeriu que o caso fosse levado a
uma arbitragem internacional e, pela primeira vez, os dois lados
entraram em um acordo.
A arbitragem funcionou como uma espécie de conciliação, liderada por
dois árbitros - um indicado por Paz e outro pelo presidente da bolsa de
diamantes da Antuérpia. As duas partes sentaram-se frente a frente, sem a
presença de advogados. A corretora israelense representada por um
sócio.
A cooperativa brasileira, por Darío e Wanderson - que mais uma vez
desembarcaram na moderna Tel Aviv. Uma integrante da embaixada do Brasil
em Israel traduzia as negociações em hebraico. A decisão de três
parágrafos, com força de sentença, foi publicada em novembro, num
desfecho considerado satisfatório.
O valor da pedra rosa foi o principal assunto em discussão. Os árbitros
determinaram que a corretora israelense pagasse US$ 180 mil aos
garimpeiros. O empresário e gemólogo holandês Mike Angenent, que se
dedica ao comércio justo de pedras preciosas, participou do processo
como observador.
"Um avaliador convocado pelos árbitros declarou que não havia dúvidas de
que a pedra era um rosa intenso, e não um rosa claro, o que significa
um incremento de cerca de US$ 100 mil no valor", explica Angenent.
A cooperativa recebeu o total estipulado na sentença. Os custos da
arbitragem foram divididos entre as duas partes. A história se completa
com o envio das outras pedras ao Brasil. Há cerca de 15 dias elas
aguardam apenas o desembaraço no aeroporto de Confins, em Belo
Horizonte, para voltar às merecidas mãos dos garimpeiros.
Ao comentar o primeiro conflito em suas transações diretas ao mercado
internacional, os integrantes da Coopergac não escondem um certo
constrangimento com algumas falhas de percurso. A avaliação das pedras,
sobretudo, deveria ter sido feita no Brasil.
"Toda aprendizagem tem um custo", contenta-se Darío, que, ao seguir a
profissão de sua família, também se preocupou em ir além. Formou-se em
comércio exterior, especializou-se em São Paulo, estudou inglês e
elegeu-se vereador. "Falar é fácil, fazer é que é difícil", diz.
Tudo isso lhe rendeu conhecimento e trânsito nos diversos níveis
empresariais e de governo. A Coopergac se tornou uma das cooperativas
mais ativas do mundo na discussão do processo Kimberley.
Tanto é que, em novembro de 2007, ao comparecer à plenária do processo
em Bruxelas, na Bélgica, Darío e seus amigos mereceram aplausos de
representantes de 45 países, por serem os únicos representantes de
garimpeiros no encontro, ao lado de colegas de Diamantina, também em
Minas Gerais.
"Hoje eles são considerados um exemplo mundial", atesta João César de
Freitas Pinheiro, diretor de Planejamento e Desenvolvimento da Mineração
do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) - órgão responsável
por assegurar o cumprimento do Processo Kimberley no Brasil.
Ao avaliar a experiência, Darío diz que o saldo é positivo. "Estivemos
pessoalmente com o presidente da Bolsa de Diamantes de Israel, que nos
abriu as portas", conta. "E isso não é para qualquer um." Os garimpeiros
revelam que seus planos agora incluem insistir no mercado israelense e
negociar diamantes já lapidados, ganhando com o valor agregado.
E quanto às gemas que chegaram ao Brasil? O conflito em Israel caiu na
boca do mercado e lançou holofotes sobre o trabalho da cooperativa.
Notícias correm pra todos os lados sobre as 180 pedras claras,
coloridas, de todo tamanho, dos garimpeiros de Coromandel. "Já tem muito
comprador interessado", garante Darío.
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