Uma surra. Nada se compara à valorização que o ouro tem
registrado nos últimos anos frente aos princi
pais títulos de
investimento. Tome-se como referência o ano de 2008, quando a crise das
hipotecas arrastou os bancos americanos e contaminou toda a Europa. De
lá para cá, o ouro já acumula uma valorização de 177%. É muito,
principalmente se essa rentabilidade for confrontada aos papéis de renda
fixa. Se a base de comparação for o
Ibovespa, este teria de ser multiplicado por cinco para, ao menos, se aproximar do resultado alcançado pelo metal.
Essa valorização está refletida no ritmo que tomou conta da produção no Brasil nos últimos anos. Por meio da
Lei de Acesso à Informação, o Valor obteve um panorama sobre a produção do metal, com base em informações do
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão federal responsável pelas concessões de pesquisa e lavra.

Os
dados apontam que o país atingiu, no ano passado, o maior volume de
produção dos últimos 18 anos. Foram 65,2 toneladas de ouro extraídas
legalmente do país, o melhor resultado desde 1994. Neste período, houve
uma mudança radical no perfil de exploração. No início dos anos 90, 53%
do ouro era retirado por grandes empresas, em processos industriais. Os
demais 47% ficavam com os garimpos, considerando apenas aqueles
legalmente autorizados. Duas décadas depois, a situação é outra. No ano
passado, 87,4% das lavras de ouro ficaram com as indústrias, enquanto os
garimpos viram sua participação encolher para 12,6%.

O
que mais chama a atenção na mudança de perfil são as empresas que estão
por trás dessa nova fronteira industrial. Os cinco maiores produtores
de ouro no Brasil hoje, donos de praticamente 90% do que é retirado
industrialmente do solo, são companhias estrangeiras. Do
Canadá, estão presentes quatro grandes empresas de mineração:
Kinross,
Yamana,
Jaguar Mining e
Aura Gold. Completa o topo da lista a
AngloGold Ashanti, da
África do Sul. A maior parte do ouro produzido por essas empresas, consequentemente, tem como destino o mercado internacional.
Para o especialista
Marcelo Ribeiro Tunes,
diretor de assuntos minerários do Instituto Brasileiro de Mineração
(Ibram), o oligopólio tem origem no próprio modelo de exploração que
ainda predomina entre os empresários brasileiros: o garimpo de
superfície, voltado para a camada inicial do solo e do leito dos rios,
onde o mineral já está desagregado, in natura.
"O Brasil nunca
teve uma tradição de mineração subterrânea de ouro muito forte, enquanto
essas empresas internacionais têm tradição e experiência em mineração
subterrânea, por isso são elas que puxam o desenvolvimento do setor",
comenta
Tunes. "Infelizmente só o brasileiro é que não
acredita que dá para fazer minas de ouro no Brasil. Tem de vir gente de
fora para fazer."
As três minas de ouro mais produtivas do país são exploradas por companhias estrangeiras. A
Kinross retira ouro da mina
Paracatu, em Minas Gerais. Na mina
Cuiabá, localizada em
Raposos (MG), a extração é feita pela
AngloGold Ashanti. A companhia também explora a mina
Serra Grande, em
Crixás (GO), após adquirir 50% de participação na mina da
Kinross.
Para
Tunes,
o principal obstáculo enfrentado pelo investidor brasileiro, que
prefere se embrenhar em garimpos na Amazônia a perfurar minas
subterrâneas, é a dificuldade de se obter financiamento para esses
projetos. "Mineração é uma atividade de capital, não de Estado. E o
preço é alto. Hoje nós não temos uma estrutura de financiamento que
atenda a mineração. Essas empresas que estão aí são de fora porque, em
países como o
Canadá, há apoio para esse tipo de operação. Qualquer cidadão coloca seu dinheiro na bolsa para financiar esses empreendimentos."
Por conta dessa limitação, diz
Tunes,
a maioria dos projetos internacionais em atividade no país foi atraída
por empreendedores brasileiros que não conseguiram encontrar capital
nacional para bancar as explorações em minas, que são mais caras e
complexas que o tradicional garimpo. "Se você não tem um sistema de
financiamento no país, você vai buscar lá fora, não tem segredo."
Do
Brasil, as empresas que se destacam são a
Mineração Tabipora, que atua no
Paraná; e a
Mineradora Caraíba Metais-Paranapema, com exploração em
Nova Xavantina (MT). Segundo o DNPM, a
Vale está entre as produtoras de ouro, com o minério associado, como subproduto, à exploração de cobre, nas minas de
Sossego e
Salobo, no Pará.
No
DNPM,
há atualmente 9.227 alvarás de pesquisa de ouro em análise. Em 2008, o
órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia concedeu 890 alvarás
para estudos. Esse volume praticamente triplicou até o ano passado,
chegando a 2.421 concessões. Atualmente, há 466 requerimentos de
concessão de lavra industrial em análise. Quando se trata de lavra
garimpeira, esse volume chega a 16.477 solicitações.
Pelos cálculos do
DNPM,
a lavra industrial em minas de ouro emprega cerca de 9.400
trabalhadores diretos e cerca de 2.700 terceirizados. O cálculo do
pessoal que trabalha no garimpo, segundo a autarquia, é um dado precário
e não estimado pelo departamento.
O aumento da produção formal do ouro refletiu nas arrecadações da
Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem),
o royalty que o minerador paga para extrair o ouro. A alíquota aplicada
ao metal é de apenas 1%, índice que o governo pretende ampliar, a
partir do novo código de mineração, que está em gestação no MME. Em
2008, o
DNPM embolsou R$ 8,8 milhões com o royalty do
ouro. A arrecadação mais que triplicou até o ano passado, chegando a R$
27,5 milhões. Até 2020, estima o governo, a produção industrial de ouro
poderá atingir entre 120 e 130 toneladas por ano, o dobro do volume
atual.