domingo, 18 de outubro de 2015

CRISTAIS QUE NÃO SÃO CRISTAIS

CRISTAIS QUE NÃO SÃO CRISTAIS


           Cristal é um corpo caracterizado por uma estrutura interna regular, chamada estrutura cristalina. Isso significa que ele é formado por um arranjo ordenado de átomos, íons ou moléculas, o que não acontece, por exemplo, com madeira, plástico e vidro.

            A estrutura interna regular pode se traduzir externamente em faces planas.  A foto abaixo mostra cristais de topázio totalmente limitados por faces planas.

 


 


Como foi dito, o cristal PODE ter faces planas. O exemplo da foto acima é um cristal euédrico, mas, mesmo com estrutura interna regular, externamente o cristal pode ser totalmente irregular (cristal anédrico) ou possuir algumas faces planas, mas não todas (cristal subédrico). Alguns minerais frequentemente formam cristais euédricos. Outros, raramente.
     Abaixo, cristal subédrico de quartzo enfumaçado e cristal anédrico de bornita.
 


 
 Isso decorre das condições de formação; a falta de espaço pode impedir que o cristal se desenvolva de modo completo.
 
Muitas vezes se ouve a palavra cristal sendo usado como sinônimo de cristal de rocha, que é o nome dado ao quartzo incolor. Essa simplificação não está correta e deve se evitada.
 
Mas, eu quero aqui falar é de materiais que são chamados de cristal e que não o são.
 
Um deles, bem conhecido, é o cristal da Boêmia. Esse material é chamado de cristal, mas trata-se, na verdade, de um vidro de alta qualidade, rico em chumbo, que é usado em obras de arte, vasos, cálices, etc. Sendo um vidro, não tem estrutura cristalina e, portanto, não deveria ser chamado de cristal.
A foto a seguir mostra peças feitas com esse material. (Fonte: pragaturismo.com).
 


Outro exemplo de material erroneamente chamado de cristal é o Murano. Murano é um arquipélago de sete ilhas da cidade de Veneza (Itália), famoso pela qualidade das obras de arte em vidro que produz. O vidro de Murano (foto abaixo) não contém chumbo, como o da Boêmia, e sim soda. Por isso, seus produtores enfatizam que ele deve ser chamado de vidro de Murano, porque, além de não ter estrutura cristalina ele não é igual ao chamado cristal da Boêmia.
 



Por fim, há o igualmente famoso cristal Swarovski.  Este nome é uma marca registrada conhecida internacionalmente e que identifica um vidro de alta qualidade criado em 1895 na Áustria, por Daniel Swarovski, para imitar o diamante. A partir de 1976, a empresa, até então apenas fornecedora de matéria-prima, desenvolveu seu própriodesign e desde então abriu pelo menos seiscentas lojas em todo o mundo, seis delas no Brasil. 
  Ao contrário dos anteriores, muito usados em objetos decorativos, na decoração de interiores, este material é largamente empregado para adorno pessoal. 
Abaixo, exemplo de produtos da Swarovski. (Foto:Wikipédia)
 


Portanto, os chamados cristais da Boêmia, Swarovski e Murano são todos vidros, ainda que de alta qualidade.

OS NOMES DOS MINERAIS

OS NOMES DOS MINERAIS

  Quando algum amigo ou parente olha minha coleção de minerais, é normal que pergunte o nome de alguns deles.  E quando informo esses nomes, é   comum dizerem:                                                    
- Que nomes complicados!
Há, de fato, espécies minerais cujos nomes podem ser considerados “complicados”, como zektezerita,radhakrishnaíta, jarosewichita e o mais longo de todos,ferriclinoferro-holmquistita sódica.  Mas há nomes extremamente comuns e simples, como quartzo, ouro, pirita, topázio, etc.
Na verdade, mesmo os nomes de minerais mais difíceis de escrever ou pronunciar são até simples se comparados aos nomes de animais e vegetais.  Nestes dois casos, o nome oficial das espécies, ou seja, o nome científico, é formado sempre por duas palavras e ambas em latim.  A pequena pulga, por exemplo, chama-sePulex irritans. O simpático e onipresnte pardal é oPasser domesticus. A banal cenoura é Daucus carota. E por aí vai.
É comum que animais e plantas recebam diferentes nomes populares conforme o país ou mesmo conforme a região de um mesmo país.  O simpático quero-quero dos gaúchos é o téu-téu dos baianos, e o jerimum deles e a nossa abóbora aqui no Sul. Daí a necessidade de disciplinar o assunto estabelecendo nomes que sejam aceitos e reconhecidos no mundo todo.  E este nome é o nome científico, de duas palavras latinas. É através deles que os cientistas se entendem. Aliás, não só os cientistas. Uma amiga bióloga que estava morando no exterior havia pouco tempo, quando queria comprar peixe olhava num dicionário de português qual era o nome científico do animal. A seguir, num livro de Biologia que tinha em casa, procurava o nome científico e via como o peixe se chama em inglês.  Aí, estava pronta para ir ao mercado. 
Com os minerais, não sei por que, nunca foi adotada a nomenclatura científica latina. Eles recebem um nome de uma só palavra (com raras exceções), variando apenas a terminação. Usualmente, no português brasileiro e no espanhol eles terminam, em –ita ou –lita; no português europeu, francês e no inglês, teminam em –ite ou -lite.
Isso vale para os nomes mais modernos e para os nomes das espécies novas que vão sendo escritas.  Mas, há nomes muito antigos (a Bíblia tem muitos deles) que não seguem essa regra, como jade, esmeralda, rubi, quartzo, mica, etc.
 E quem determina se um nome está correto ou foi bem escolhido?  Para animais e plantas deve haver organizações científicas encarregadas disso, mas não sei quais são. Para os minerais, existe a Comission on New Minerals Nomenclature and Classification, daInternational Mineralogical Association.  Ela determina não apenas se o nome proposto para um novo mineral está bem escolhido e se ele já não existe (caso em que a proposta é recusada), mas também se a nova espécie foi adequadamente estudada e descrita.

 
E os autores, em que se baseiam para propor o nome de um mineral novo?  Pesquisa que fiz recentemente mostra, em números redondos, que 40 % dos novos nomes homenageiam uma pessoa, comoruifrancoíta (homenagem ao brasileiro Rui Ribeiro Franco); 30% fazem alusão ao local onde o mineral foi descoberto, como bahianita (de Bahia); 21% referem-se à composição química do mineral, como vanadinita, um vanadato (foto) e 6% fazem alusão a alguma propriedade do mineral, como azurita (por ter a cor azul).  Os 3% restantes têm outras origens.
Entre esses 3% que têm outras origens, há muitos casos curiosos e engraçados.  Mas, isso é conversa para outro dia.

GARIMPANDO EM REJEITOS DE GARIMPOS

GARIMPANDO EM REJEITOS DE GARIMPOS




            A atividade garimpeira é um trabalho essencialmente masculino e não sei de nenhum garimpo onde mulheres trabalhem ao lado de homens.

            Mas, se é normal que só os homens garimpem, é também normal que mulheres e crianças revolvam rejeitos deixados pela atividade dos homens, buscando material de qualidade inferior ou eventualmente alguma coisa de valor maior que eles possam ter deixado escapar. 

Isso não deixa, é verdade, de ser garimpagem também, mas não é o trabalho pioneiro, não é o desmonte primário do material mineralizado. É uma atividade secundária que só existe, quando existe, se houve homens que deram início ao garimpo e geralmente só enquanto eles nesse garimpo trabalham.

            Mas, há outro tipo de gente que revolve rejeitos de garimpos. São os colecionadores de minerais. Os garimpeiros tradicionalmente só aproveitam aquilo que eles estão buscando e minerais que se destacam pela beleza ou pela raridade são muitas vezes desprezados simplesmente porque não é aquilo que está sendo buscado.  Dizem inclusive que se um garimpo produzir ouro e diamantes os garimpeiros ficarão só com o diamante, porque ficar com os dois dá azar...

            Os garimpeiros de ametista da região do Médio Alto Uruguai, no norte do Rio Grande do Sul, chamam os minerais estranhos, ou mesmo minerais que eles conhecem, mas que se apresentam com uma aparência fora do comum, de “esquisitos”.

Minha coleção de minerais conta com vários “esquisitos” e várias peças bonitas que foram abandonadas por garimpeiros ou que deles recebi como presente. E não são bem mais numerosos simplesmente porque me falta espaço para guardá-los e porque no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina não existem garimpos em pegmatitos, rochas que fornecem minerais incríveis pela beleza, tamanho ou raridade.

A drusa abaixo, com cristais de calcita sobre ametista, provém de um garimpo de ametista do Rio Grande do Sul. (Clique nas fotos se desejar ampliá-las.) Mede 30x28x12 cm e pesa 11,9 kg. A ametista não tem boa cor, mas a peça é bonita pelo tamanho e pela associação com a calcita. Não estava no rejeito quando a vi, mas tampouco estava junto às peças que iam ser aproveitadas. Deixada de lado na boca de uma galeria (“broca”), me chamou a atenção e perguntei ao garimpeiro mais próximo o que iriam fazer com ela. Nada, disse ele. Quer levar?


Esta outra drusa, sim, estava solenemente largada no meio do rejeito. Ela mede 27x25x13 cm e pesa 8,1 kg.




O quartzo abaixo (10x8x6 cm) contém o que os garimpeiros da mesma região chamam de mosquitinhos. São inclusões de cristais de um outro mineral, a goethita, que podem ser pretos, como estes, ou dourados.  Para os garimpeiros, são impurezas e isso é motivo suficiente para descartar os cristais em que aparecem. São peças atraentes, curiosas, e que merecem figurar em coleções particulares e museus.

Os cristais de goethita às vezes formam tufos dispersos, como nesta amostra, mas outras vezes desenvolvem-se todos a partir de um mesmo plano cristalográfico, estando assim nivelados pela base.


Nesta outra drusa (7x6x4 cm), inclusões talvez também de goethita, não formam tufos, mas sim películas paralelas a uma das faces dos cristais. Esta bela peça também foi reprovada pelo controle de qualidade do garimpeiro...


Os cristais de moscovita que normalmente são vistos aqui no Rio Grande do Sul são pequenas palhetas de 1 cm ou menos de diâmetro, raramente 2-3 cm em veios pegmatoides. Mas, em um garimpo de gemas que visitei em Minas Gerais, o pátio junto à entrada da galeria estava forrado de moscovita medindo até 20 cm, se não mais. Todo esse volume era rejeito dos garimpeiros, que para nada lhes serve a moscovita. Nesse mesmo garimpo, coletei no rejeito, além de moscovita (foto abaixo, medindo 18 x 8 cm), cristais de até 15 cm de espodumênio (foto seguinte, 12x8x1 cm), outro mineral que não se encontra por aqui.



 Certa vez, junto com alunos e professores de Gemologia da UFRGS, visitamos um garimpo de ametista do Rio Grande do Sul que produzia também cristais de selenita, uma variedade incolor e muitas vezes bem límpida de gipsita. No galpão em que os garimpeiros costumam guardar ferramentas, alimentos e outras coisas relacionadas com seu trabalho, havia vários pedaços pequenos de selenita, com até uns 10 cm de comprimento. Eram peças de pouco valor comercial que o garimpeiro, generoso, permitiu que os estudantes levassem.

Cada um então pegou um cristal de selenita para si.  Eu não me interessei porque os cristais eram realmente de pouco valor. Mas, havia entre eles a peça abaixo, bem maior (17x10x5 cm), bem cristalizada e que ninguém ousou pegar, porque era claramente muito mais valiosa que os pequenos fragmentos que estavam à sua volta.  Estes, como eu disse, não me interessavam, mas aquela peça, sim. Perguntei então ao garimpeiro por quanto ele a venderia. Para minha surpresa, ele disse que eu podia levá-la. Era presente também.


Quando começaram a surgir os primeiros cristais de selenita naqueles garimpos do Médio Alto Uruguai, eram todos desprezados pelos garimpeiros, que os chamavam de “pedra-gelo”.  Mas, quando começaram a surgir cristais com dezenas de quilos, apareceram compradores e eles viram que aquilo tinha valor também. Hoje, toda a selenita é aproveitada.

Na região de Salto do Jacuí, também no Rio Grande do Sul, está concentrado o maior número de garimpos de ágata do estado (e do Brasil). E neles é comum ocorrer opala comum de cor branca, às vezes com manchas acinzentadas ou cinza-amarronzadas, como a que se vê na foto (15x7x6 cm).  Pois essa opala toda é rejeitada pelos garimpeiros e pode ser facilmente recolhida pelos interessados. 


Nos últimos anos, começou a aparecer, em um dos garimpos, uma opala também do tipo comum (sem jogo de cores), mas de cor azul-acinzentada. Como o responsável pelo garimpo era um geólogo, Klaudir Kellermann, ele soube valorizar a nova descoberta e passou a guardar toda a opala dessa cor encontrada. Quando visitamos seu garimpo pela última vez, Klaudir estava em busca de comprador para o mineral. Fosse ele um simples garimpeiro, a opala azul seria mais um mineral de valor museológico a acabar nos rejeitos do garimpo.

A peça abaixo, de 8x4x3 cm, recebemos dele. 



Eu disse, no início, que os garimpeiros costumam desprezar aquilo que não é o objetivo de seu trabalho. Mas, mesmo o mineral por eles procurado pode ser encontrado nos rejeitos em peças de boa qualidade. A drusa de ametista ao lado foi abandonada simplesmente por ser pequena (8x5x2 cm), mas a cor, o brilho e o tamanho dos seus cristais são muito bons. 


O Rio Grande do Sul é o maior produtor brasileiro de ágata e ametista. A ágata é produzida principalmente na região de Salto do Jacuí, no centro do Estado, enquanto a ametista provém sobretudo do Norte, de Ametista do Sul e mais sete municípios ao seu redor.  Curiosamente, a ágata não é abundante na região produtora de ametista, mas, quando aparece, geralmente é muito bonita, além de estar associada à ametista. Como o garimpeiro quer é ametista, se ela não é boa, vai para o rejeito, ainda que acompanhada de uma bela ágata, como na peça abaixo, de 12x10x5 cm.


Em Fontoura Xavier (RS), estive num garimpo de ágata que produzia vários outros minerais. Como de hábito, os garimpeiros só aproveitavam a ágata. Foi assim que de lá trouxe a interessante cornalina de 11x10x4 cm da foto abaixo. Também lá encontrei um geodo de opala cinza-azulado. A foto a seguir mostra um fragmento pequeno (6x6x1 cm) dele; a parte maior, de uns 12 cm pelo menos, coloquei no acervo do Museu de Geologia da CPRM.  Essa opala, sob luz ultravioleta, mostra notável fluorescência em verde-maçã.  







A drusa de citrino abaixo (cerca de 10x15 cm) não se destaca pela cor, muito menos pela pureza. Mas, ela é importante porque provém da única ocorrência de citrino natural que encontrei depois de visitar praticamente todos os garimpos de gemas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Encontrei-a em um garimpo abandonado de ametista (e citrino?) de Bonaiumer, Caxias do Sul (RS), e pertence também ao Museu de Geologia da CPRM.  




A pequena “escultura” de quartzo abaixo foi coletada num garimpo de ametista.


As “pinhas” de ametista são sempre valorizadas, mas esta, de 6x5x6 cm, com cor realmente ruinzinha, foi parar no rejeito. Resgatei-a num garimpo de Entre Rios (SC).


Por fim, quero mostrar um tipo de material que teria tudo para ser rejeitado, mas que tem recebido uma valorização meio surpreendente. É o que o comércio de gemas vem chamando de “flor de ametista”.  São peças de formato irregular, como uma crosta cristalina, sem brilho, com cor esbranquiçada a roxa, sempre clara. As dimensões são bem variáveis, geralmente com 30 cm ou menos, mas podem ser muito maiores. Talvez por seu aspecto muito exótico, atrai o público e tem sido aproveitada. Mas, o exemplar abaixo foi coletado em rejeito.


Os minerais de minha coleção coletados em garimpos são quase todos do Rio Grande do Sul ou de Santa Catarina. Mas, na primeira coleção que organizei e que hoje pertence ao Museu de Ciências Naturais da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) há peças de vários outros estados.

            Diante do que eu mostrei, é fácil de entender por que o colecionador que visita um garimpo encanta-se e vibra com o que pode coletar e trazer gratuitamente. Mas, se este colecionador é como eu, geólogo, fica muito dividido. Ele alegra-se como colecionador, mas, como profissional e cidadão consciente, lamenta que se esteja desprezando coisas tão bonitas, de valor mineralógico, de importância museológica e às vezes, também científica. Um cristal defeituoso, sem valor comercial para o garimpeiro, pode ser, justamente pelo defeito que exibe, uma raridade a ser preservada. Mais de uma vez eu disse isso a garimpeiros, mas o fiz sempre consciente de que seria esperar demais que eles ficassem estocando minerais sem valor comercial contando com a possibilidade de talvez um dia aparecer um pesquisador ou colecionador que talvez se interessasse por algumas delas e talvez se dispusesse a fazer uma compra.

            Felizmente, está surgindo entre os comerciantes de gemas do Rio Grande do Sul uma nova consciência, e peças antes rejeitadas estão sendo por eles adquiridas, pois aprenderam - ou estão aprendendo - que elas podem ter valor como peças de coleção. Acredito que, com isso, muitas peças valiosas estejam sendo salvas, preservadas em coleções particulares ou mesmo em museus públicos.

O GARIMPO

O GARIMPO


Aspecto do Garimpo Boi Morto (Pedro II-PI)
lugar de realização de minha pesquisa
sobre a invizibilidade social dos pesquenos garimpeiros (bamburristas).
Este garimpo está em operação há 60 anos
e possui cerca de 5 milhões de metros cúbicos de dejetos,
constituindo-se, assim,
em elemento de
impacto ambiental concreto para a região.

ASPECTO DO GARIMPO DE OPALA BOI MORTO- PEDRO II-PI

ASPECTO DO GARIMPO DE OPALA BOI MORTO- PEDRO II-PI


As escavações já ocorrem há 60 anos.