Garimpo invade bacia do Tapajós
Os riscos apontados para a
bacia do Tapajós
deixam claro que a região amazônica, apesar do aumento nos índices de
queda no desmatamento, continua a ser tratada como o grande almoxarifado
de recursos naturais do planeta. As ações planejadas para a maior bacia
hidrográfica do mundo não se restringem a planos de construção de uma
sequência de usinas rios adentro. Bastou o governo informar que parte
das terras que pertenciam às unidades de conservação da Amazônia havia
sido desvinculada das áreas protegidas para que se tornassem alvo de
ações de garimpo e extrativismo ilegal.
A pressão cresceu e o
Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio)
tem procurado controlar a situação e deter a entrada de pessoas na
região, mas seu poder de atuação ficou reduzido, porque está restrito às
áreas legalmente protegidas. "Com a desafetação (redução) das áreas,
muita gente está se mexendo para entrar nas terras. Recebemos pedidos de
garimpeiros e de pesquisadores para acampar na região, também estamos
recebendo ameaças de invasão. A situação está muito delicada", diz
Maria Lucia Carvalho, chefe do Parque Nacional da Amazônia, ligada ao ICMBio.
Recentemente, o
ICMBio autuou
uma balsa que estava pronta para iniciar a garimpagem em área que, até
dois meses atrás, pertencia à reserva. "Iam começar a tirar ouro da
região. Quando informamos que não poderiam fazer aquilo, nos disseram
que não tínhamos nada a ver com isso, que aquela área não pertencia mais
ao parque e que iriam adiante", conta
Maria Lucia.
A
extração de areia é outro alvo. Com o período de seca, que atinge o
pico em setembro, diversas praias surgem nas margens do rio, com dunas
imensas de areia fina. "Já chegaram dois pedidos para retirada de areia
na região do
Buburé, dentro do parque nacional."
Dentro
da floresta, também foram detectados focos de exploração de palmito e
madeira. "Avisamos que isso poderia acontecer, mas não fomos ouvidos",
diz
Maria Lucia. "Não posso me calar sobre o que está acontecendo aqui. Minha crítica é técnica, não é política."
O
Ministério de Minas e Energia está à frente de um programa para tentar
regularizar a mineração na região, além de dar uma solução ao caos
fundiário. A maior preocupação do
ICMBio, segundo
Roberto Vizentin,
presidente do instituto, tem sido garantir a segurança das áreas
protegidas. "É permitido fazer mineração em algumas unidades, desde que
respeitado o zoneamento de exploração. O plano de manejo indica onde
pode ser feita a garimpagem. No entanto, é preciso legalizar esses
garimpos. Quase tudo é ilegal", diz
Vizentin.
Na
Floresta Nacional Crepori,
por exemplo, que perdeu parte da área para permitir o licenciamento
ambiental das usinas, há cerca de 3 mil pedidos de pesquisa e lavra
minerais. "O garimpo é uma das questões que mais nos preocupa nessa
região. As áreas que serão afetadas pelas barragens estão cheias de
garimpeiros. Quando os empreendimentos forem construídos e o lago
começar a ocupar as áreas, para onde vão esses garimpeiros? Eles vão
ocupar o que puderem. Isso tem de ser controlado", alerta o presidente
do
ICMBio.
Com a proliferação dos garimpos,
aumenta ainda mais a ocupação irregular em uma região já marcada por
conflitos fundiários. Estima-se que só na região da BR-163 - entre a
Serra do Cachimbo e
Itaituba, no Pará - existam entre 5 mil e 6 mil famílias que demandam regularização de terras.
Há décadas, a região do
Tapajós é
alvo de milhares de garimpos ilegais em busca de ouro e diamante.
Depois de sofrer uma intensa fase de exploração durante os anos 70 e 80,
a exploração ficou quase estagnada nas duas décadas seguintes. Nos
últimos cinco anos, porém, o garimpo voltou a florescer com força total,
mas da pior maneira possível.
Estimativas locais apontam que
atualmente há cerca de 60 mil homens trabalhando na extração de ouro e
diamante na bacia do Tapajós. É mais da metade dos 110 mil garimpeiros
que estão espalhados por toda a Amazônia. "Isso faz do Tapajós o maior
garimpo do Brasil", afirma
Seme Sefrian, ex-secretário de Mineração e de Meio Ambiente de Itaituba.
Quase
todo esse batalhão atua de forma irregular, seja utilizando materiais
ou máquinas proibidas, seja agindo em unidades protegidas ou sem
qualquer tipo de autorização. O mercúrio, matéria-prima usada para
separar o ouro da terra, segue direto para os afluentes do
Tapajós. A terra, depois de lavada com mangueiras "bico-jato", não é recomposta, deixando para trás imensas crateras de lama.
Para
complicar ainda mais a situação, os garimpeiros passaram a utilizar
retroescavadeiras para atingir uma profundidade de solo ainda não
explorada. Até cinco anos atrás, esse tipo de equipamento, conhecido
como "PC", não existia na região. Hoje, segundo
Sefrian, há cerca de 150 retroescavadeiras revirando terras todos os dias na bacia do Tapajós.
O
Valor flagrou balsas carregando os equipamentos pelo rio. Apesar da
ilegalidade total, tudo transcorre normalmente. O maquinário é caro. Uma
"PC" nova, com todos os apetrechos, custa cerca de R$ 600 mil, diz o
ex-secretário de Itaituba.
Para quem está no ramo, vale a pena o risco. O
Tapajós transformou-se
no novo eldorado. A região está produzindo meia tonelada de ouro por
mês, o que representa US$ 26, 4 milhões, de acordo com o preço atual do
metal. Há cinco anos, o volume mensal girava em torno de 200 quilos. "O
preço disparou e o negócio voltou a atrair gente", conta
Sefrain.
Em
2005, o preço da onça do ouro (31,10 gramas) teve média de US$ 445. Em
2009, a cotação dobrou e chegou a US$ 974 e não parou mais de subir.
Hoje o preço da onça está em US$ 1.643. "O problema é que a exploração
hoje está acontecendo de forma muito aleatória. Não existe muito
controle do que é retirado, produzido ou vendido na região."
O negócio é tão bom que até
Sefrain,
o ex-secretário de Meio Ambiente, virou garimpeiro. Hoje, ele possui
uma "PC" e uma pá carregadeira prontas para entrar em ação na unidade de
conservação
Crepori, entre o sul do Pará e o norte do Mato Grosso. Já contratou 34 homens e diz que tenta legalizar o início da extração.
"É
uma situação difícil. Hoje, todo mundo trabalha sem autorização para
lavra. Mas é preciso mostrar para a população que o garimpo é bom", diz.
"Eu não consegui ainda a autorização, mas estamos prontos e vamos
começar a trabalhar. Nossa dificuldade é a morosidade do Estado para
regularizar a exploração."