quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Jornal Nacional: Garimpo em Serra Pelada (JUL/1982)

Se escutamos o termo “buscador de ouro” nossa mente possivelmente voará ao Velho Oeste

Se escutamos o termo “buscador de ouro” nossa mente possivelmente voará ao Velho Oeste, ao longínquo Oeste norte-americano de que tantos filmes temos visto, e imaginará homens com bateias tentando tirar alguma “pepita” de ouro da areia de um rio. Porém essa imagem não é propriamente exclusiva dali, senão que aconteceu em outros lugares do planeta, e de fato ainda ocorre, sem mudar quase nada, no norte do Brasil e ao sul da Venezuela.

Durante os anos 80 e 90 a pequena cidade de Boa Vista (a capital do estado nortista brasileiro de Roraima) era um dos grandes centros mundiais de extração de ouro e diamantes e em suas ruas, os pequenos negócios encarregados de sua compra existiam por centenas. As cifras são difíceis de assimilar, imagine que nos tempos de maior atividade era possível, em um único dia, ver em seu pequeno aeroporto até 600 aterrisagens e decolagens de pequenos aviões que levavam pessoas e mantimentos ao garimpo e traziam o encontrado, uma grande quantidade de ouro e diamantes.

Anúncio de um dos estabelecimentos que ainda se dedicam ao comércio de ouro e diamantes na cidade de Boa Vista.
As condições em que viviam aqueles que realizavam esta atividade eram terrivelmente duras. O trabalho era esgotante e tinham que dormir em barracas de campanha no meio da selva a centenas de quilômetros de qualquer localidade, vulneráveis às doenças e em um território sem lei.

A maioria das minas estavam localizadas em território yanomami. Afortunadamente no ano 1.991 o Governo Federal brasileiro as homologou como Terra Indígena e proibiu o garimpo, o que aliviou em grande parte a situação dos índios, que vinham sofrendo as enfermidades trazidas pelo homem branco e contra as quais não tem defesas naturais, e uma crescente contaminação cultural com o pior de nosso mundo, o álcool, a prostituição, etc.

Quando a atividade mineira acabou alguns dos milhares de garimpeiros ficaram ao redor de Boa Vista, onde viviam suas mulheres e filhos, porém muitos, sem vislumbrar outro futuro e picados pelo mosquito do “pode ser que amanhã eu encontre a pepita de ouro que me tire da miséria” partiram para Venezuela, onde continuam em sua busca sem fim.

Assim é o ouro quando se encontra na natureza.
Em Boa Vista conhecemos Neguinha, uma mulher alegre e cheia de energia que viveu no garimpo durante 5 anos. Neguinha não se nega de contar-nos sua história, a única condição é que não coloquemos sua imagem.
De onde você veio?

Como a grande maioria dos garimpeiros, venho de uma família pobre do nordeste do país. Éramos gente do Maranhão, Ceará, Piauí, Pará, Rondônia,... Ali a situação era muito difícil. Então te encontravas com alguém que tinha ido às minas e regressava com muito dinheiro, suficiente para comprar gado, casa, terras, montar um comércio... Isso te fazia pensar que tú podes conseguir o mesmo. Por isso quis ir ali, para ver si realmente era certo o que diziam.
Nem todos os que iam voltavam assim, o normal era que quem saía não regressava nunca. Recordo uma brincadeira que se contava em minha cidade naqueles anos: “Um burro estava coçando as costas na parede de uma casa e sem querer toca com a pata na porta, “toc toc toc”, a dona da casa diz lá de dentro: “pode entrar, meu marido está no garimpo”.

A perspectiva de enriquecer de um dia para outro fez que muitos homens, inclusive pais de família com filhos, deixaram suas casas e se foram. Uns poucos voltaram ricos porém a grande maioria ficou no garimpo e não voltou. Ali os homens se encontravam com um mundo de prostituição, droga, e também ambição, inveja e morte. Conheço uma história de dois cunhados que foram juntos às minas, um dia um encontrou uma pepita de ouro que pesava um quilo e meio. Seu cunhado o matou e voltou a casa com o ouro. Acredito que ainda hoje sua mulher não sabe que foi ele quem matou seu irmão.

Porém nem tudo era perverso, também houve muitas histórias de companheirismo, de pequenos grupos que colocaram tudo o que tinham para tirar de avião um companheiro enfermo, de gente que carregou um amigo caminhando durante dias para salvar-lhe a vida,... como em todos os lugares tem gente boa e má.

Em teu caso, como foi a decisão de ir ao garimpo? 

Briguei com meu companheiro e nesse momento chegaram duas amigas que voltavam das minas. Me convidaram e não duvidei, peguei uma bolsa, meti a roupa que tinha e me fui, saí sem um tostão.

Como foi o começo?

Comecei no estado do Pará trabalhando como cozinheira. A atividade nas minas começava muito cedo, me levantava às 4 da manhã para fazer fogo. Depois passava o dia cozinhando, preparando arroz, feijão e carne de sol.

Pensava que conseguiria dinheiro fácil, porém foi uma desilusão. A vida era muito dura, peguei muitas malárias, contei 38, e alguma hepatite. Nunca ninguém me bateu nem me machucou de alguma maneira. Só recordo de um bêbado que tentou me obrigar a dormir com ele uma noite. Subi em uma árvore da selva e não desci até a manhã seguinte. Os gritos dos macacos me salvaram porque me assustavam tanto que não podia dormir e assim não caí da árvore. O homem me pediu perdão de manhã e nunca voltou a acontecer nada. As mulheres vão ao garimpo trabalhar como cozinheiras ou prostitutas, estas últimas chegavam ao acampamento, montavam umas barracas de pano provisórias, faziam seu trabalho, cobravam e se mandavam.

Cobrabas um salário?

O salário das cozinheiras era fixo, uma grama de ouro por dia, 30 gramas por mês porém não dava para muito porque ali tudo chegava de avião e era muito caro. Um pacote de cigarro custava 1 grama de ouro e eu fumava dois pacotes por dia, ou seja 2 gramas. Para pagar mendigava entre os companheiros e também ia ao rio e garimpava, tirava algo de ouro.

Havia tanto ouro?

Uma noite dormi na barraca com 5 quilos. O dono chegaria de avião às 8 da manhã, me chamava todo o tempo pelo rádio para ver se estava acordada. Minha vida com aqueles 5 quilos de ouro não valia nada, tinha um revólver porém os garimpeiros que o tinha tirado sabiam que eu tinha e também estavam armados, ali todo mundo estava armado.

Como se organiza o trabalho?

Normalmente se trabalha em uma equipe de 4 pessoas mais uma cozinheira. Os homens trabalham com uma máquina que vai limpando o fundo do rio. Do ouro que se tira, 30% se divide entre os 4 garimpeiros e o resto é para o dono da máquina, que é quem realmente se enriquece. Ser garimpeiro é muito sofrido, o trabalho é duro e ao final tem que pagar tudo, o avião, o diesel para a máquina, a comida,… Isso sem contar com os mosquitos, a malária, os perigos,…

Como chega o garimpeiro até as minas? Encontra trabalho facilmente?

Normalmente chega de avião. Vai porque escutou alguma “fofoca”, algum rumor de que tem ouro no lugar. Chega, coloca sua rede em algum lado e espera que surja uma vaga, que outro garimpeiro se vá. Ninguém lhe convida, ele tem que chegar e esperar que surja a oportunidade. Serão poucos dias, dois ou três. Tem quem leve sua bateia (espécie de peneira) e vão trabalhando em solitário, normalmente são estes que descobrem novas minas porque vão a lugares ainda não explorados, quando o encontram voltam à currutela (o povoado onde tem diversos serviços como um bar-armazém), tomam umas cachaças, se embebedam e soltam o rumor.

Nem sempre um rumor é real, já ocorreu de que a gente chega a um lugar no que não tem nada e depois não tem dinheiro para pagar o vôo de volta. A situação se complica e passará muita fome.

Havia indígenas nas áreas em que voce esteve? Como era a relação com eles?

Sim, os yanomami. Normalmente tínhamos uma relação de troca, eles nos davam farinha, beijú, pimenta,... e nós facas, ferramentas,…

Para ser sincera, quando os conheci pela primeira vez pensava que não eram como nós, que não eram pessoas. Não podia entender sua cultura, não choravam, queimavam seus mortos e comiam as cinzas, realizavam infanticídio,... para mim não eram gente. Porém em uma ocasião chegaram com seus filhos nos braços, doentes de gripe, chorando e implorando desesperados que levássemos seus filhos a Boa Vista no “guru-guru”, no avião, para salvar-lhes a vida. O branco lhes tinha levado as doenças. Ali entendi que éramos iguais.

Por quê deixou o mundo do garimpo?

No ano 1.992, quando a área yanomami foi homologada como Terra Indígena a polícia federal entrou no garimpo para desmantelá-lo. Eu, com anos de trabalho, tinha podido ter uma maquinaria e tinha uma equipe trabalhando para mim. Então chegaram onde estávamos e destruíram aquilo em segundos. Meteram pedras no motor e o ligaram, cortaram as mangueiras com machado, queimaram os barracos,… não ficou nada. Quando se foram nem sequer nos tiraram dali. Éramos nove pessoas e não tínhamos comida. Demoramos 22 dias para chegar a algum lugar descendo em uma balsa pelo rio. Pescávamos e parávamos na margem do rio para fazer fogo e cozinhar. As vezes os peixes vinham cheios de vermes porém com a fome que tínhamos os comíamos igual.

Naquele momento me chateei muito, porém hoje podem me oferecer 3 quilos de ouro para ir que não aceito. Tenho consciência do mal que fizemos, da destruição que causamos, do lixo que ficou, não quero mais isso. Quando cheguei a Boa Vista me ajoelhei e prometi nunca mais voltar ao garimpo, ainda que fosse na porta de minha casa, e assim tem sido, já se passaram 15 anos.

O quê aconteceu com outros garimpeiros quando se fechou a área yanomami?

Muitos se foram a área de Raposa Serra do Sol, porém eram minas de diamantes e não sabiam trabalhar bem com eles, perdiam dinheiro e se foram em seguida para Venezuela. Acredito que lá agora tem mais garimpeiros brasileiros que venezuelanos.

Qual é a situação atual do garimpo?

Diminuiu muito, porém não desapareceu. Não tem vigilância de organismos federais, só os indígenas estão fiscalizando. O garimpeiro encontra a maneira de chegar, seja andando, seja de canoa ou avião. As vezes os indígenas se zangam com os garimpeiros e ocorre algum enfrentamento. Depois as coisas se tranquilizam durante um tempo até que os garimpeiros voltem.

Desde o aeroporto já não se pode voar sem autorização, os aviões clandestinos saem de pistas no lavrado (no cerrado), porém tem radares e se é detectado o piloto tem que dar milhares de explicações, pode perder o avião e inclusive ir para a cadeia.

Garimpeiros que vieram de Fusca do Pará dizem-se arrependidos da aventura

Garimpeiros que vieram de Fusca do Pará dizem-se arrependidos da aventura




A estrada para chegar até o comentado ouro de Pontes e Lacerda (distante 447 quilômetros de Cuiabá) guarda muitas histórias, como a de três homens que saíram de Redenção (cidade distante a 900 quilômetros de Belém, no Pará), e viajaram por três dias dentro de um Volkswagen Fusca até chegar na Serra do Caldeirão. "Se arrependimento matasse, nós três hoje seríamos homens mortos", disse um deles ao chegar no garimpo mais comentado do país.


    Arisilvio, Santana e José. Este último não quis nem sair na foto, por vergonha da família e dos amigos. Ele já sabe que não vai conseguir seu objetivo. "Fizemos as contas, estamos há três dias na estrada, o carro quebrou três vezes, gastamos o que tínhamos porque acreditamos na história dos outros. Literalmente, tô ferrado", disse o homem que abandonou o trabalho de ajudante de obras, que lhe rendia R$ 1.200 por mês, para tentar a sorte no garimpo.
    André Romeu / HiperNotícias
    paraenses no garimpo
    Aventureiros do Pará conversam com a equipe do HiperNotícias e dizem se arrependar da viagem. Um deles ficou até com vergonha de aparecer na foto
    Para os três, a história apresentada não existe. "Quando eu saí de casa, me falaram que aqui nem precisava escavar. Era só chegar e pegar o ouro, praticamente. Emprestei mil reais a 10% de juros. Arrumei meu Fusca e vim. Ele quebrou três vezes. Passamos três noites e a nossa ferramenta mais nova é uma picareta. Aí chego aqui e vejo motores, máquinas, marteletes e um morro que só pra subir é preciso duas horas, porque o terreno é muito arenoso. Não sei o que fazer, pois não tenho dinheiro para voltar e tô devendo muito", comentou Arisilvio, que era mototaxista em Redenção.

    O mais velho dos três é Santana, que tem quase 70 anos e já teve sua cota de garimpos. Ele esteve em Serra Pelada e é o único do grupo com experiência na extração de ouro. Para ele, comparar Mato Grosso com Serra Pelada é brincadeira. Santana se recorda de ter ganhado muito dinheiro no garimpo, mas assim como veio fácil, foi fácil. 
    André Romeu / HiperNotícias
    paraenses no garimpo
    Para Santana, comparar Pontes e Lacerda com Serra Pelada é um exagero sem tamanho
    "Me falaram que aqui parecia a Serra Pelada no Pará. Nunca. Aqui é uma serrinha pequena, que já pegaram o que tinha e estão indo embora. Eu cheguei tarde e perdi a época boa. Tô arrependido de vir. Me endividei e agora é sentar e tentar ter uma sorte de pegar algumas pepitas. Mas agora vou guardar, porque já cheguei de gastar quase R$ 1 milhão em três meses", contou Santana, que preferiu não dizer como gastou o dinheiro ao saber que matérias de site podem ser lidas no mundo todo.

    Um dos motivos que mantêm o garimpo da Serra do Caldeirão lotado é a crise econômica que assola o país. "Eu ganho 500 contos por mês. Tenho que dar de comer a mulher e filho. Moro numa biboca e vim logo tentar meu ouro, mas caí do cavalo. De verdade, a crise ajudou a lotar o garimpo. Todo mundo quer pagar conta e guardar um dinheirinho, mas, no nosso caso, se arrependimento matasse, nós três hoje seríamos homens mortos", completou o homem, já com lágrimas nos olhos.
    André Romeu / HiperNotícias
    garimpo pontes e lacerda
     São necessárias duas horas para subir a serra, praticamente rastejando

    Três histórias de garimpo

    Três histórias de garimpo
    A praga do garimpeiro
    Ilustração de Marcos JardimUm dia, um garimpeiro encontrou um enorme diamante. Não disse a ninguém e, de madrugada, no meio do nevoeiro, abandonou o garimpo. Não percebeu ele que dois outros garimpeiros o vigiavam e o seguiam. No caminho de Vila Rica, esses dois o assaltaram, esfaqueando-o. Este, ao morrer, praguejou:
    — Amaldiçôo esta pedra. Quem a retiver nas mãos será castigado com morte violenta!
    Logo, ali, um dos assaltantes quis ficar com a responsabilidade da guarda do diamante. O outro retrucou com uma punhalada certeira no coração. Apossou-se da pedra amaldiçoada e partiu para Vila Rica.
    Em Vila Rica do Ouro Preto já havia denunciantes de seus crimes. Foi preso. Tentou fugir e acabou baleado. O soldado que o revistou, escondeu consigo o diamante. Não disse a ninguém, a não ser à sua amásia. A mulher, que gostava de um vendeiro, de quem também era amante, contou a este o segredo. De noite, o vendeiro foi à casa da mulher e matou a ambos, o soldado e a amásia. Levou consigo o diamante. Ninguém poderia imaginar que ele fosse o criminoso, mas o remorso o remoía. Foi, noutro dia, à igreja e no confessionário revelou ao padre o seu crime. A igreja estava deserta. O padre, ao ver a pedra, foi açoutado pela ambição e, quando o vendeiro rezava a penitência, matou-o pelas costas, com terrível pancada. Tirando as vestes sacerdotais, o padre fugiu para a cidade de São Sebastião.
    Num dos pousos, foi reconhecido pelo estalajadeiro. De noite, o dono da hospedaria viu pela fresta o padre examinando o grande diamante. Entrou no quarto armado e exigiu a pedra. O padre não aceitou e o estalajadeiro matou o hóspede.
    Como outros viajantes ali de passagem acorressem ao local, o estalajadeiro só teve tempo de fugir para o quintal e partir num dos cavalos que ali estavam. Os outros foram atrás num tiroteio tremendo. Por fim caiu ferido o estalajadeiro, mas não querendo que ninguém visse a pedra, jogou-a num rio que tranqüilamente ali passava...

    O poço do diamante
    Logo que se casaram, vieram morar, ali, à beira daquele regato no Serro. Seu Raimundo vinha com vontade de enriquecer. O que seus pais lhe deixaram só dera para comprar aquela casa à beira do regato, com meio alqueire de terra. Mal dava para plantar umas hortaliças. Raimundo queria era minerar diamante. Mas não tinha sorte. Não havia meios de encontrá-lo. E assim iam passando os anos, os filhos nascendo e ele sempre esperando achar diamantes. A mulher não o desanimava:
    — Espera, seu Raimundo, Deus há de ter pena de vosmicê.
    E assim passaram-se os anos.
    Raimundo já envelhecera. Os filhos e filhas já estavam crescidos. Ele já nem tinha forças para minerar.
    — Olha, mulher. A nossa terra está cansada. Eu vou fazer o regato passar por entre a roça. A água vai melhorar o terreno.
    Com a ajuda dos filhos, abriram a vala e fizeram as águas seguirem novo curso. Qual foi a admiração do garimpeiro quando descobriu no leito do regato um poço;
    — Credo! — gritou com a satisfação. — O fundo do poço está cheio de diamantes.
    Estava mesmo. Mal soubera ele, durante tantos anos, que tinha aquela riqueza ao pé de sua casa.

    O diamante de pai João
    Pai João era um negro muito sabido. Quando ele morava em Diamantina, um dia apareceu na casa do ouvidor e perguntou ao dito:
    — Seu ouvidô, um diamante desse tamanhão — e fez um gesto expressivo — quanto deve valê?
    O ouvidor, pensando que pai João tinha achado um diamante tão grande, tratou logo de agradá-lo. Convidou-o para almoçar. Tratou-o à tripa forra. Mas, quando falou em comprar, o negro informou:
    — Vontade tenho de vendê para vosmecê, mas o sargento-mor tá me esperando para falá sobre isso...
    E foi se despedindo.
    Correu à casa do sargento-mor e fez a mesma indagação:
    — Seu sargento, um diamante desse tamanhão quanto deve valê?
    O sargento arregalou os olhos e procurou ajudar a pai João, convidando-o para cear. O negro encheu o pandulho, mas não fez negócio por que primeiro queria ouvir a proposta do ouvidor.
    E assim, durante várias semanas, o negro enganou a ambos, comendo do bom e do melhor, sem nada decidir. O ouvidor e o sargento-mor resolveram entrar em acordo para comprar de sociedade o enorme diamante. E assim o propuseram a pai João. Este respondeu:
    — Tá bom. Quando ieu encontrá um diamante desse tamanhão, eu vendo a vosmicês.
    — Você, então, não tinha o diamante, negro safado?
    — Ieu não disse a vosmicês que tinha. Perguntei só quanto valia...

    Histórias de garimpo em Altamira

    Histórias de garimpo em Altamira

    Em consonância com o nome, Vila da Ressaca é o que sobrou dos tempos em que havia ouro abundante no local. Essa comunidade de garimpeiros fica na chamada Volta Grande do rio Xingu, uma grande curva em formato de ‘U’ que começa logo abaixo de Altamira. Esse trecho do rio está condenado pela hidrelétrica de Belo Monte, que vai secá-lo com a construção de um canal de 100 quilômetros, o qual criará um atalho reto entre uma ponta e a outra da Volta Grande, até chegar à boca da usina. As comunidades ribeirinhas que vivem à sua margem, deixarão de sê-lo: não serão mais banhadas pelas águas do Xingu.

    A construção de Belo Monte fez Altamira borbulhar de crescimento. Da construção civil ao transporte aquático, o preço de tudo subiu. A passagem de uma voadeira da cidade até Vila da Ressaca triplicou, de R$15 para até R$50. Chegar lá toma uma viagem de 2 horas rio abaixo.

    Uma curiosidade sobre a Ressaca: ela fica dentro do município de Senador José Porfírio, porém a cidade de Altamira está entre metade e um terço da distância da Vila até a sede de Senador Porfírio. Estamos no Pará, em plena Amazônia, onde municípios podem ter a área de países.

    Nos áureos tempos, a Ressaca chegou a abrigar 6 mil habitantes. Hoje, o número caiu para cerca de 200 famílias, que somam algo como 800 pessoas. Metade se dedica à extração de ouro, dividido em 6 garimpos: do Galo, Itatá, Morro dos Araras, Grota Seca, Ouro Verde e Curimã.

    Ao contrário do Galo, onde os túneis atingem 380 metros de profundidade, no garimpo Morro das Araras, a exploração é rasa, feita em buracos de até 10 metros de profundida por 20 de largura. O nome vem dos índios que ali habitaram até 1930, quando foram expulsos pela chegada da mineração. Eles lutaram, matando e afundando os barcos dos recém-chegados, que também morriam de malária. O pico da produção de ouro na região foi na década de 1960 e 70, quando a exploração era feita por empresas do ramo. Elas foram embora quando acabou o ouro fácil, próximo da superfície. Hoje, a exploração é rude, feita por garimpeiros precariamente equipados.

    No morro das Araras, a rotina da busca do ouro é desmatar e cavar buracos com água de mangueiras de alta pressão. Um buraco é aberto a cada 2 dias. A medida que é liquifeita, a terra é retirada por uma máquina apelidada de "chupadeira", que a joga em uma rampa. A lama desce pela rampa de madeira de alguns metros de comprimento até o seu fim, quando é filtrada por uma caixa que contém uma peneira e mercúrio. A peneira segura os resíduos que podem conter ouro, o mercúrio aglutina o metal. O líquido enlameado que passa, já contaminado por mercúrio, enche um outro buraco. Uma vez exploradas, as crateras são abandonadas.

    Quando o material é composto por pedregulhos, passa pelos chamados "moinhos", máquinas que trituram a rocha. Após essa etapa, também seguem para o mesmo tipo de rampa que termina no tanque fechado com mercúrio.

    O segundo método de mineração – e o mais usado agora que o ouro é escasso –é através de galerias dentro de túneis profundos. Eles são abertos com explosivos. E de explosão em explosão, de galeria em galeria, podem chegar a 400 metros de profundidade.

    Descida de arrepiar

    A descida até lá dura 20 minutos e é feita através de um sistema tosco de cordas e roldanas, operadas pelos companheiros da superfície, que acompanham o processo por rádio. Os garimpeiros brincam que muitos se acovardam a descer. Pudera, acidentes fatais são costumeiros, a temperatura lembra a de uma sauna e a única luz da descida é uma lanterna de pilha, segura na mão e presa ao peito do garimpeiro por um cabinho. Durante o percurso, o túnel pode ter larguras de até 10 metros ou passagens estreitas de 1 metro. O destino final é uma galeria de cerca 10 metros de largura por 7 de altura, mal iluminada por lâmpadas de 60 watts. Lá, o garimpeiro enche uma grande esfera oca, de borracha grossa, capaz de suportar uma carga de pedregulhos que podem conter ouro. Essa bola é içada à superfície, e se tudo der certo, o garimpeiro volta também. Os acidentes mortais são encarados como destino divino.

    Para os gerentes do garimpo, o dinheiro pode ser bom. Eles ganham até R$10 mil por semana, pagos em ouro, que aqui ainda é moeda. Nada é feito de acordo com a lei. As licenças de mineração expiraram e os explosivos – que exigem permissão do exército -- são usados ilegalmente. O trabalho é informal e o trabalho infantil, comum. Filho de garimpeiro entra logo para o garimpo, aprende a trabalhar, nem que seja para carregar pedras de um lado para o outro, com um carrinho de mão.