domingo, 13 de março de 2016

Dragas escariantes fazem estrago no garimpo dos Periquitos, perto de Itaituba

Dragas escariantes fazem estrago no garimpo dos Periquitos, perto de Itaituba

Garimpo do Remanso dos Macacos, rio Tapajós, no auge da fofoca. Só pequenas dragas, que já fazem um bom estrago
Há mais ou menos duas semanas, inicialmente chegaram duas dragas escariantes para o garimpo dos Periquitos, no local conhecido com Remanso dos Macacos, onde foi encontrado ouro no final do segundo semestre do ano passado.
A draga comum tirava um kilo de ouro por dia,em média, com mergulhadores, de 5 polegadas. Já a draga escariante, de 16 a 18 Polegadas retira 5 a 10 kilos dia, mas cada draga dessas custa em média de 3 a 5 milhões de reais, e tem muita gente com 2 a 5 dragas, geralmente de SÃO PAULO, ou estrangeiros, como era no RIO MADEIRA nos anos 80, que tinha + de 3 mil dragas escariantes, e muitos estrangeiros e gente do sul do país.

No referido local já se encontravam cerca de vinte dragas pequenas, entre seis e oito polegadas, que continuaram trabalhando depois que a fofoca passou.

As duas dragas escariantes, que utilizam equipamento de dezesseis a dezoito polegadas, causaram um dano ao meio ambiente em apenas dois dias, muito maior do que as dragas pequenas em muitas semanas de trabalho.

Draga escariante, que provoca uma imensa agressão ao meio ambiente
Como se não bastasse, outras dragas escariantes se juntaram às duas primeiras, havendo oito em ação no momento.

A secretaria municipal de meio ambiente, de Itaituba, ao tomar conhecimento do fato, mandou fiscais para o local, os quais autuaram os infratores, dando-lhes o prazo de cinco dias para saírem de lá.

O Ibama, o Ministro Público Federal e o Ministério Público Estadual foram informados pela SEMMA, que na condição de ente fiscalizador mais próximo, fez o que estava ao seu alcance.

Sem condições para mandar paralisar essa agressão ao meio ambiente, a SEMMA solicitou providências desses órgãos, para que juntos façam o que tem que ser feito.

As dragas continuam sua ação devastadora, podendo ser que aumente o número delas, o que é bastante provável, ignorando as notificações.

De acordo como disse ao blog, o secretário de meio ambiente de Itaituba, engenheiro ambiental e sanitarista Hilário Vasconcelos, nenhuma ação de garimpo pode ser licenciada a menos de 500 metros da margem de rio.

É lamentável que haja tanta demora para que órgãos ambientais e até o MP, que tem poderes para conter crimes ambientais sejam tão lentos na tomada de decisões.

Enquanto isso, o teimoso rio Tapajós morre mais um pouco, pois toneladas e toneladas de terra são revolvidas diariamente, agora, muito próximo a Itaituba.
Já o "bamburro" de kilos de ouro acabou, hoje a média de uma draga escariante é de apenas 500 gramas,dia, mas o custo para mantê-las é alto, tipo 300 gramas dia, com pessoal, óleo, maquinário e outros. Muitas dragas escariantes estão procurando um novo bamburro, pesquisando, pois não compensa arriscar a vida, com malária, roubos etc.. para tirar só 200 gramas livre, ou 36 mil reais em média dia.


Até quando  o Tapajós vai suportar, só Deus sabe.

50 anos de garimpagem - Parte II

50 anos de garimpagem - Parte II

Na primeira parte do seu relato sobre as quase cinco décadas de labuta nos garimpos do Tapajós, José Carneiro da Silva (José Come Vivo) contou como começou a extração do ouro na região. Ele encerrou falando da viagem que resolveu fazer a Belém para rever a família. Nesta segunda parte ele revela muito mais.
“Quando eu saí do garimpo para Belém já estava com malária. Foi a primeira vez que ela me pegou. Me tratei, ficando uns 15 dias em Belém. Depois disso peguei um avião da Panair do Brasil, até Santarém. Lá esperei o dia da saída do barco do velho Frasão e vim com ele até São Luis.
Nessa época em São Luis, o Suta e o Anacleto estavam com o movimento de compra de couro de gato selvagem e de jacaré e eu subi com o Suta até o São Martins, onde peguei um 10/12, que já havia por lá nesse tempo, o qual me levou até São José. Quando cheguei ao garimpo o Araújo já tinha brigado com o Inocêncio e já estava tocando serviço no Canta Galo.
A essa altura a gente já tinha muito serviço para tocar, pois já havia 22 grotas exploradas. No rancho a gente tinha muita farinha, muita munição, mas faltava muita coisa. Como já tinha 850 gramas de ouro eu falei que iria a Jacareacanga fazer compras. Mas, a mercadoria que eu encontrei lá só deu umas 350 gramas de ouro, já que não tinha tudo que a gente precisava. Assim mesmo voltei. A gente tinha o ouro, mas faltavam as coisas básicas para a gente comprar. Teve um camarada de Forlândia que começou a levar carne para o garimpo. Ele matava os bois, salgava, enchia latas de 20 quilos e vendia o quilo por três gramas de ouro. Tudo chegava muito caro. Uma caixa de óleo de cozinha, de 36 latas custava 180 gramas de ouro, ou 5 gramas de ouro a lata.
Nesse período tinham entrado uns japoneses com a disposição de tirar ouro do Tapajós. Tava um fole só no José com aquele monte de japoneses da família Okada, de Santarém e mais um bocado de japoneses que vieram de Tomé-Açu.
Foi nesse tempo que começou a exploração de ouro com maquinário, coisa que já era conhecida nos garimpos de Minas Gerais. Quem comprou o primeiro motor para mim, em São Paulo, foi o velho Zé Calegari, pois eu não entendia nada disso. Era um motor M
Mercedes e foi o primeiro a funcionar no garimpo do Tapajós. Foi construída uma balsinha de madeira, tipo duas canoas, para poder transportar o motor, as bombas, mangueiros e tudo mais até o Igarapé do Canta Galo.
Era muito difícil trabalhar com aquele equipamento; tudo era pesado demais; só o revestimento era enorme; um bocal daqueles pesava mais de 50 quilos; para trocar era muito complicado. Não exista o bico jato. A gente fazia tipo um barreiro e arrastava aquela terra com enxada.
O garimpo do Marupá (que tinha sido descoberto pelos Sudário em 1958) estourou nesse período com exploração de ouro na base do mergulho, modalidade que também começou nessa época no Tapajós. Esse ouro foi descoberto por um professor francês, conhecido por Mário Francês, de Macapá. Descendo o Rio Marupá ele viu muito ouro na areia. Ele botou uma lontona e fez 900 gramas, não sei em quantos dias. Com isso foi descoberto o ouro do leito do Marupá. Havia uma tal de madame Salomé, que gastou muito dinheiro mandando fazer uma planta no Rio de Janeiro, com a finalidade de achar o ouro com maior facilidade; existia, também, o Jacinto Pessoa, que sempre mexeu com mergulho. Como ele conhecia esse serviço e onde encontrar gente para trabalhar nele, foi até Roraima onde contratou um bocado de mergulhadores. Eles ficaram um tempo. Não deu certo porque uns começaram a roubar os outros e muitos foram embora. Isso tudo estava acontecendo na década de 1970.
A gente continuava trabalhando com aquele tipo de equipamento do qual eu já falei, quando passou um goiano conhecido por Maciel, que ao ver aquilo disse: é meu patrão, tudo vale, mas já existe bomba de sucção, pequena, com bico-jato, melhor do que isso, que dá muito mais resultado. Serviço que você gasta uma semana com isso aí, você faz num dia com o outro. Como que a gente pode fazer isso aqui, Maciel, perguntei. Ele disse que se houvesse um bom torneiro e a gente desse dinheiro para ele ir buscar umas duas carcaças velhas de bomba em Roraima, o problema estaria resolvido. O dinheiro foi dado pelo meu irmão João.
O Maciel viajou e fez o que prometeu. Voltou por Santarém, onde encomendou as adaptações ao mestre Chico, um torneiro que tinha aberto uma tornearia lá. E a bomba realmente funcionou muito bem, pegando o nome do torneiro. Ela ficou conhecida como Bomba Mestre Chico, espalhando-se por muitos garimpos. Mas, tinha um problema: depois de três ou quatro dias de trabalho a gente tinha que carregar de volta para revestir a carcaça. Foi quando entraram os engenheiros da Frankel e da Hidrojet que fizeram um estudo do material que tinha que ser processado, o que resultou em bombas resistentes. Surgiu logo depois o motor Agrale, que o Paulo da Imatec vendeu com vendeu como folha de pau. Foi nesse momento que estourou de novo, com grande intensidade, o ouro do Tapajós, no ano de 1978.
Eu passei quatro anos afastado do Canta Galo. Eu já era separado de minha mulher (Ivanilda Tavares da Silva, conhecida por Preta). Eu tinha as pistas de pouso do Matraca, da Nova Brasília, da Forquilha do Canta Galo e a mais antiga que era a do Canta Galo. Eu contava com a família para tocar um e outro, mas, ninguém quis nada. Minha ex-mulher começou a encrencar querendo ficar lá dentro (no Canta Galo). Eu tinha um filão, num local que a gente chamava Inferno Verde onde eu fiz uma nova base que eu fiquei usando. Mas, ela continuou arengando. Se eu arrumava um cozinheira, ela dizia que era minha mulher.
A implicância foi grande. Até que eu resolvi que iria dar uma volta nas Guianas. Se me acostumasse lá talvez nem voltasse mais. Mas, se não gostasse, nada podia me impedir de voltar. A essa altura eu já tinha feito uma pesquisa no Ouro Roxo, já tinha feito um contrato com a RTZ. Acho que foi em 1986. Algum tempo depois a RTZ saiu. Como eu queria sair eu chamei o geólogo Nelson Bueno, de Manaus, que tinha intermediado o negócio com a RTZ. Perguntei se ele queria cuidar do garimpo, oferecendo a ele 20% de qualquer negócio que ele viesse a arrumar.
Passei uma procuração para o Nelson, pessoa física, mas ele passou para o nome da empresa dele, a Matapi. Um dia ele me ligou para Paramaribo, dizendo que tinha feito negócio. Disse que ia me repassar um dinheiro. Nisso, se passaram quatro anos que eu estava lá fora, sempre mexendo com garimpo, rodando pela Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, nessa última o lugar mais complicado de todos. Depois fui para Roraima, para onde me ligaram dizendo que tinham invadido o Ouro Roxo. Invadiram o local onde a RTZ tinha pesquisado e encontrado uma mina com 36 toneladas de ouro há 400 metros de profundidade. Eu vim para Manaus para me encontrar com o Nelson, a quem disse que a gente devia ir até o garimpo, pois se eu estava pagando vigias lá, não podia ter acontecido a invasão. O Nelson tremeu nas bases e não quis ir, dizendo que tinha medo de garimpeiros o matassem. Depois disse que iria.
Passamos primeiro em Jacareacanga, onde me encontrei com o Eduardo Azevedo, que me disse que eu teria que indenizar o pessoal, se quisesse que os garimpeiros saíssem da minha área. Eu falei para ele que era muito bonito se uns invasores entrassem na fazenda dele, comessem os bois dele e ele ainda tivesse que indenizar. Dessa balada foi até Belém procurar o DNPM onde falei com o diretor, Dr. Sebastião, que me recebeu bem. Ele prometeu mandar um técnico na área e mandou para fazer um levantamento; os garimpeiros foram intimados. Havia muito ouro na área, mas infelizmente não demorou para o Dr. Sebastião ser transferido, entrando o Dr. Every Aquino no seu lugar e um outro diretor, que eu não sei se participava de umas decisões estranhas. Toda vez que era para a Polícia Federal entrar na área, saía um alvará. Não eram eles que erravam; quem errava era sempre o computador. Com alvará de um pedaço da área, de 50 hectares, de 100 hectares, a Polícia Federal não podia entrar. Isso levou dois anos e meio. Foi quando o grupo RTZ, que tinha direito de pesquisa da área concedido por mim, resolveu voltar para a mesma para retomar os trabalhos, mas, tendo que ceder um pedaço para a cooperativa. Essa é a situação atual. De acordo com o contrato, se a empresa concluir que deve explorar a área terá que me indenizar primeiro. É um contrato de risco. Por isso, embora eu não esteja lá dentro, continuo ligado ao garimpo Canta Galo até hoje.
Eu quero voltar lá atrás para não ficar nenhuma dúvida sobre quais foram os primeiros exploradores dos garimpos do Tapajós. Começou com o Nilçon, que não foi nem ele quem descobriu bastante ouro, mas o seringueiro que vendeu a área para ele, porém, quase ao mesmo tempo os Sudário descobriram o Marupá, em 1958. Eu e meus companheiros fomos a terceira turma a entrar nos garimpos do Tapajós.
Os Sudário (Bebé, Antônio, Elias e Raimundinho) eram seringueiros nas Tropas numa colocação chamada Laranjal. De lá, com a notícia de que o Nilçon estava fazendo muito ouro foi que eles vararam para o Marupá, onde encontraram ouro. Depois do Marupá veio o Porto Rico, explorado pelo Fulgêncio. A primeira pista de lá foi construída pelo comandante Camargo. Mas, do meu conhecimento, a primeira pista da região de garimpo do Tapajós foi a do Murupá, que se não me engano, foi feita em 1964, feita no braço.
Com os sinceros agradecimentos à Ouro Minas, que acreditou neste projeto e empresta sua marca consagrada como empresa parceira do mesmo, o Jornal do Comércio dará prosseguimento ao resgate da memória dos 50 anos da garimpagem de ouro no Tapajós, contando outros episódios dessa saga, trabalho que só terminará na última edição deste ano.

Cinquenta anos do garimpo de ouro do Tapajós

Cinquenta anos do garimpo de ouro do Tapajós

Luiz Preto: Quatro décadas dedicadas ao garimpo
Quando nasceu, no Ceara, no município de Juazeiro do Norte, no dia 02 de janeiro de 1945, seus pais lhe deram o nome de Luiz Silva de Sousa, mas, ficou mesmo conhecido foi pelo apelido de Luiz Preto. Em 1957 deixou seu Ceará por causa de um forte seca, mudando-se para o Maranhão. Ele tem passado a maior parte de sua vida, mais de quatro décadas, exercendo a atividade de garimpeiro. É esse personagem bastante conhecido na região, o destaque desta edição na série de reportagens sobre o cinquentenário da garimpagem no Tapajós.

"Eu comecei a trabalhar em garimpo, no ano de 1965, já vivendo no Estado do Pará. Chamava-se garimpo do Cajueiro, na margem do Rio Araguaia, no município de São Geraldo do Araguaia. Deu pra fazer um dinheirinho lá. Depois voltei para o Maranhão, onde trabalhei num garimpo perto de Imperatriz. Eu tinha só vinte anos de idade. Passei um tempo em Marabá, onde não dei muita sorte. No verão de 1970 mexi com caça de gato do mato para vender a pele. Em 1971 fichei na ECIR, que trabalhava na construção da Transamazônica, de Marabá para Itaituba. No verão de 1974 estava desempregado. Depois de trabalhar na juquira durante o inverno, eu vim tentando conseguir alguma firma para fichar, até que cheguei a Itaituba. Tomei conhecimento das atividades de garimpo, me animei e resolvi entrar. Entrei no dia 28 de novembro de 1974 levado para o Marupá pelo seu Argemiro, irmão do seu Lulu do Juliana Park Hotel.

Nesse tempo tinha dono de garimpo que cobrava até 45 diárias numa passagem para garimpo. Eu tive sorte de achar aquele cidadão que me levou por apenas 16 diárias. O preço era 32 gramas de ouro pela passagem; como ele pagava dois gramas por diária, com 16 dias trabalhados a gente pagava a passagem de avião.Teve um que cobrava 45 diárias, quer me perguntou se eu não queria ir. Eu respondi que não, porque não era ladrão do meu próprio bolso.

A gente foi direto para a pista velha do Marupá; aquela mesmo, que começa ao lado do cemitério, conhecida como a pista dos Sudário. Fui trabalhar com o seu Argemiro e com o seu Goiano, mais tarde, dono da Táxi Aéreo Goiás. Eles eram sócios. Naquele tempo o Goiano era pobre, daquele tipo que levantava às quatro e meia da manhã para fazer o café dele.

Fomos em três daqui. Chegando lá nos dirigimos direto para o baixão do Bem-Ti-Vi. Não era fácil! Um tinha que ficar para fazer e levar a merenda, enquanto dois saiam com escuro, pois a gente tinha que secar o barranco na lata, pois minava muita água. Quando dava lá pelas oito horas da manhã a gente terminava de secar o barranco para poder começar a trabalhar na busco do ouro.

Eu demorei bastante tempo nesse garimpo, porque o seu Argemiro e o seu Goiano foram excelentes patrões. Eu era brabo em garimpo de ouro e aprendi a trabalhar com eles. Fiquei mais de um ano lá com eles. Foi quando apareceu a chance de ir para outro serviço melhor, juntamente com o Vovô e o Felipão, dois crioulos das guianas que me ensinaram muitas coisas. Foram tempos muito difíceis. Eu só fui conseguir dinheiro para ir até a currutela depois de seis meses. Se tivesse tirado um ouro bom antes, talvez tivesse ido embora, pois eu custei a me acostumar com aquela vida, longe de tudo. A malária me achou muito cedo, com uns vinte dias que eu estava lá ela me pegou. Todo mês eu perdia uma semana ou mais. Mas, com o tempo fui me acostumando e estou até hoje no garimpo.

A situação melhorou quando eu encontrei um cidadão, também, muito bom, que foi o Zé da Roça, que vendia uns remédios com os quais eu me dei bem. Nesse tempo, no Marupá, eu já estava mais manso e cheguei a juntar mais de um quilo de ouro, quando eu tocava um serviço próprio, com mais de vinte pessoas trabalhando. A essa altura eu já vinha a Itaituba, comprava o rancho e levava num vôo completo. Houve um tempo em que eu gastava na currutela tudo que ganhava. Mas, depois eu vi que aquilo não tinha futuro e parei com as farras.

Algum tempo depois eu mudei para o garimpo Nova Vida, que era do Elídio Leal onde eu fiquei quase um ano; com isso, eu acabei completando quase quatro anos na região do Marupá. Passei um tempo explorando perto da pista do Luiz Barbudo, do final de 1978 para o início de 1979; foi quando aconteceu um negócio que não foi muito agradável no Marupá (quando a reportagem pergunta que tipo de negócio desagradável foi esse, Luiz Preto fica silencioso e desconversa) e aí eu tive que vir para Itaituba.
Nesse tempo uma malária braba me pegou. Um dia, subindo uma ladeira eu estava tão mal que eu achei que não iria conseguir chegar em cima. Dava um passo para frente e dois para trás, com muito sacrifício consegui chegar num barraco que havia lá. Sem comida, comi um jacu insosso; a fome estava braba e quando eu dei fé tinha comido quase tudo.

A chegada no Crepurizinho

Em Itaituba, onde vim tratar da malária, encontrei o Bitonho que eu já conhecia lá do Marupá. Ele tinha ido olhar o Crepurizinho. Ele me disse que eu tinha tudo para me dar bem por lá, pois havia bastante terra para ser explorada. O Crepurizinho já era uma curritela grande. Me contaram que a exploração de garimpo começou do final de 1959 para o começo de 1960. O Aluizio Mourão conhece tudo direitinho; ele sabe quando começou.

Vai fazer 30 anos que eu cheguei. No dia 28 de outubro de 1978 eu cheguei no Crepurizinho. Na noite daquele dia eu conheci um camarada chamado Raimundo Varador, com o qual eu fui para o baixão do Papagaio. Na manhã seguinte. Ele me vendeu um servicinho, fiado, que ele tinha lá com uma tralha, por cem gramas de ouro. Até hoje eu estou naquele lugar.

No Crepurizinho eu passei por momentos muito bons, mas, também vivi situações muito difíceis. Isso aconteceu (o bom) a partir do momento em que surgiu o trabalho com balsa, mais tarde veio a chupadeira e melhorou de 80% a 90%. Foi de 1982 para 1983. Eu cheguei a ter até 18 pares de máquinas. Foi um período em que a gente produziu bastante. Tinha um rapaz que trabalhava comigo, que anotava tudo; em pouco mais de dois anos e meio de exploração, até 1987, a gente produziu mais de 170 quilos de ouro.

Quando a situação estava muito boa, veio o governo do presidente Fernando Collor de Melo. O grama do ouro estava sendo vendido entre 850 mil e 890 mil Cruzeiros. Quem vive em Itaituba e na região de garimpo desde aquele tempo sabe muito bem do que estou falando. O Collor arrebentou com a gente. Eu mesmo afundei, pois eu tinha mais de cinco quilos de ouro que era para saldar uma conta de um milhão e duzentos mil Cruzeiros.

Eu pagaria a conta com mais ou menos um quilo e meio de ouro. Não vendi antes do Collor assumir, esperando melhorar o preço. O resultado foi que tive que vender todo o ouro para poder saldar a conta. Só não comecei do zero porque tinha um bom estoque de mercadorias e um bom estoque de óleo diesel. Se a gente tivesse tomado a decisão de parar por um tempo, talvez a gente tivesse se dado melhor, porque o que aconteceu foi que voltei a tocar o serviço, queimei o diesel todo e consumi a mercadoria e aí, sim, fiquei totalmente sem capital.

Naquele momento vieram outros problemas que pioraram a situação, que já era bem complicada. Veio separação de mulher, desonestidade de gente que trabalhava comigo, que não repassava direito o que era apurado. Apesar disso, eu nunca parei com a atividade garimpeira. Eu passo quinze dias aqui e um mês lá dentro. No início em passava seis meses lá e quinze em Itaituba. Tive que mudar porque eu não ia abandonar meus filhos, que foram largados pela mãe. São três, dois rapazes, um com dezoito anos, um com dezessete e uma moça dentro dos 14 anos.

Investimentos - Eu construi esta casa, que não está concluída, que tem quatorze compartimentos, comprei uma terra que vai do km 35 ao km 37, que se encontra invandida por um pessoal que diz ser Sem Terra; eu digo que não são Sem Terra, coisa nenhuma. É gente que viveu no garimpo, ganhou algum dinheiro, mas gastou tudo e se acostumou a tomar terra dos outros, desde aquele tempo. A terra está quase toda invadida. Ainda tenho um pouco de gado nessa fazenda e um pouco mais lá dentro, no Crepurizinho, que está melhor do que a fazenda daqui. Eu investi muito, também, em documentação de terra, tanto do solo como do subsolo.

Tenho uma terra no Crepurizinho que está quase toda regularizada, numa extensão de mais ou menos vinte mil hectares. Eu aguardo algum interesse desses grupos de estrangeiros que estão investindo na região, ou quem sabe, algum financiamento para poder eu mesmo explorar o ouro, que agora está muito mais difícil, mais profundo, pois o ouro mais raso está cada vez mais escasso. A terra em que eu estou trabalhando eu sinto que é muito boa, mas me falta o capital.

Algumas vezes corri risco de ser morto, como aconteceu quando estava construindo uma pista naquela região. Fui avisado por uma pessoa chamada Massa Bruta, de que o seu Lourival, dono de uma agência lá no Crepurizinho, aquele mesmo, que era bastante conhecido aqui em Itaituba, queria mandar me matar para evitar que eu construísse a pista.

Numa viagem de avião, do garimpo para Itaituba, ele fez a proposta para o Massa Bruta me matar, mas ele não aceitou fazer o serviço. O Massa Bruta disse que não faria porque eu era um trabalhador; ele me avisou sobre o que estava acontecendo para eu me cuidar. Eu tinha tentado fazer uma sociedade na pista que eu estava construindo, mas o Lourival não quis. Eu digo que eu escapei por pouco.

A juíza tomou meu garimpo

O momento mais difícil da minha vida de garimpeiro aconteceu quando eu fui coagido por uma juiza que trabalhou em Itaituba, chamada Cléa Maia. Ela tomou o garimpo que eu tocava na época, no inverno de 1984. Ainda tem gente daquele tempo que trabalha comigo. Outros, que não trabalham mais para mim estão na área para contar a história. Por causa disso eu passei vinte e dois dias preso. O delegado era o finado Miguel Apinagés.

Eu perdi tudo. Fui morar em casa alugada. As festas juninas de 84 eu passei preso na delegacia que funcionava onde é agora o Detran. Fui preso sem dever nada para a Justiça. Meu pecado era ser dono de uma terra que um caboco chamado Augusto Franco queria de qualquer jeito. Perdi a terra e quase perdi a vida; fui desmoralizado.

Eu estava na agência do Pai Velho para viajar, quando o delegado Miguel chegou e meu ordem de prisão. Ele ligou para a juiza e ela mandou me recolher. Naquela situação eu fui ajudado pelo Pai Velho, pelo seu Argemiro, pelo Goiano, pelo Irajá, pelo Zé da Roça e pelo Dr. Semir. Eu devo uma grande fineza do Dr. Semir, que me defendeu mesmo sabendo que eu não tinha dinheiro para nada naquela ocasião.

Todo o ouro que havia no garimpo o Augusto Franco tirou nos cinco ou seis anos que ele ficou lá. Ele construiu casa de trinta ou mais quilos de ouro aqui, construiu casa em Santarém, teve fazenda. Ele só saiu de lá quando esgotou o garimpo.

Por estar preso, eu perdi uma roça de 55 hectares de arroz, que estava no ponto de ser colhido. Preso, não tive como colher.

A minha situação ficou tão complicada, mas, tão complicada, mesmo depois que eu ganhei a liberdade, que tinha horas que eu não sabia o que fazer. Eu fui para o garimpo, pois tinha outra terra. Mas, para trabalhar eu tinha que ir por um caminho, por uma vereda, e voltava por outro. Tinha polícia pra todo lado, tudo contra mim. Por último, eu criei coragem de enfrentar tudo aquilo, sabendo que podia morrer a qualquer momento; mas, eu precisava trabalhar.

O Reinaldo tentou me matar

Final dos anos 80, começo dos anos 90 eu fui morar com uma mulher, mãe destes meninos (dois rapazes e uma moça citados antes). Ela estava envolvida nuns negócios que eu não sabia, mas que podia ter custado minha vida.

Tinha uma quadrilha formada pelo Barradas, o Reinaldo e outros que queria me pegar. Eles arrumaram tudo para a mulher vir morar comigo, que era para ver o que eu tinha, para que eles me sequestrassem e me matassem. Mas, antes de me matarem eles me forçariam a assinar uns papéis, passando para eles tudo o que eu tinha.

O que me fez entrar para a política foi que eu estava num conflito tão grande, tão aflito com aquele situação, com aqueles caras cercando minha casa, dizendo que eram meus amigos, que queriam me proteger, quando na verdade queriam me matar. O Reinaldo vivia dentro da minha casa, atendendo telefonema e colocando os capangas dele para me vigiar. Eu estava sem controle da minha vida. Eu tinha gasto mais ou menos uns cinco quilos de ouro tentando esclarecer a morte do meu irmão Raimundo.

Na Semana Santa de 1991 eles esperavam fazer o serviço. Uma noite o Reinaldo chegou na mina casa com uns homens, com uma conversa furada, dizendo que era para me proteger, porque podia acontecer alguma coisa comigo. Eu olhei para o Céu e disse que achava que ele tinha vindo de lá.

Um dia um amigo me convidou para ir fazer uma visita para o seu Wirland Freire, que conhecia o Reinaldo. Seu Wirland mandou chamar ele. Quando o Reinaldo chegou o seu Wirland disse que eu era amigo dele, além de ser um bom cliente dele e que não queria que acontecesse absolutamente nada comigo. Foi só assim que eles me deixaram em paz. A partir daí minha vida começou a melhorar de novo. Por isso entrei na política.

Pouco tempo depois a mulher foi embora deixando os três filhos, quase assumindo a culpa, enquanto o Reinaldo foi morto não muito tempo depois de tudo isso. Hoje, ela toca a vida dela e eu toco a minha, cuidando dos meus filhos, sem nunca abandonar o garimpo. Mas, por eles, pelos filhos, eu mudei até o tempo de permanência lá pra dentro. Assim tem sido minha vida, vida de garimpeiro.

Cinquenta anos do garimpo de ouro do Tapajós

Cinquenta anos do garimpo de ouro do Tapajós

Luiz Preto: Quatro décadas dedicadas ao garimpo
Quando nasceu, no Ceara, no município de Juazeiro do Norte, no dia 02 de janeiro de 1945, seus pais lhe deram o nome de Luiz Silva de Sousa, mas, ficou mesmo conhecido foi pelo apelido de Luiz Preto. Em 1957 deixou seu Ceará por causa de um forte seca, mudando-se para o Maranhão. Ele tem passado a maior parte de sua vida, mais de quatro décadas, exercendo a atividade de garimpeiro. É esse personagem bastante conhecido na região, o destaque desta edição na série de reportagens sobre o cinquentenário da garimpagem no Tapajós.

"Eu comecei a trabalhar em garimpo, no ano de 1965, já vivendo no Estado do Pará. Chamava-se garimpo do Cajueiro, na margem do Rio Araguaia, no município de São Geraldo do Araguaia. Deu pra fazer um dinheirinho lá. Depois voltei para o Maranhão, onde trabalhei num garimpo perto de Imperatriz. Eu tinha só vinte anos de idade. Passei um tempo em Marabá, onde não dei muita sorte. No verão de 1970 mexi com caça de gato do mato para vender a pele. Em 1971 fichei na ECIR, que trabalhava na construção da Transamazônica, de Marabá para Itaituba. No verão de 1974 estava desempregado. Depois de trabalhar na juquira durante o inverno, eu vim tentando conseguir alguma firma para fichar, até que cheguei a Itaituba. Tomei conhecimento das atividades de garimpo, me animei e resolvi entrar. Entrei no dia 28 de novembro de 1974 levado para o Marupá pelo seu Argemiro, irmão do seu Lulu do Juliana Park Hotel.

Nesse tempo tinha dono de garimpo que cobrava até 45 diárias numa passagem para garimpo. Eu tive sorte de achar aquele cidadão que me levou por apenas 16 diárias. O preço era 32 gramas de ouro pela passagem; como ele pagava dois gramas por diária, com 16 dias trabalhados a gente pagava a passagem de avião.Teve um que cobrava 45 diárias, quer me perguntou se eu não queria ir. Eu respondi que não, porque não era ladrão do meu próprio bolso.

A gente foi direto para a pista velha do Marupá; aquela mesmo, que começa ao lado do cemitério, conhecida como a pista dos Sudário. Fui trabalhar com o seu Argemiro e com o seu Goiano, mais tarde, dono da Táxi Aéreo Goiás. Eles eram sócios. Naquele tempo o Goiano era pobre, daquele tipo que levantava às quatro e meia da manhã para fazer o café dele.

Fomos em três daqui. Chegando lá nos dirigimos direto para o baixão do Bem-Ti-Vi. Não era fácil! Um tinha que ficar para fazer e levar a merenda, enquanto dois saiam com escuro, pois a gente tinha que secar o barranco na lata, pois minava muita água. Quando dava lá pelas oito horas da manhã a gente terminava de secar o barranco para poder começar a trabalhar na busco do ouro.

Eu demorei bastante tempo nesse garimpo, porque o seu Argemiro e o seu Goiano foram excelentes patrões. Eu era brabo em garimpo de ouro e aprendi a trabalhar com eles. Fiquei mais de um ano lá com eles. Foi quando apareceu a chance de ir para outro serviço melhor, juntamente com o Vovô e o Felipão, dois crioulos das guianas que me ensinaram muitas coisas. Foram tempos muito difíceis. Eu só fui conseguir dinheiro para ir até a currutela depois de seis meses. Se tivesse tirado um ouro bom antes, talvez tivesse ido embora, pois eu custei a me acostumar com aquela vida, longe de tudo. A malária me achou muito cedo, com uns vinte dias que eu estava lá ela me pegou. Todo mês eu perdia uma semana ou mais. Mas, com o tempo fui me acostumando e estou até hoje no garimpo.

A situação melhorou quando eu encontrei um cidadão, também, muito bom, que foi o Zé da Roça, que vendia uns remédios com os quais eu me dei bem. Nesse tempo, no Marupá, eu já estava mais manso e cheguei a juntar mais de um quilo de ouro, quando eu tocava um serviço próprio, com mais de vinte pessoas trabalhando. A essa altura eu já vinha a Itaituba, comprava o rancho e levava num vôo completo. Houve um tempo em que eu gastava na currutela tudo que ganhava. Mas, depois eu vi que aquilo não tinha futuro e parei com as farras.

Algum tempo depois eu mudei para o garimpo Nova Vida, que era do Elídio Leal onde eu fiquei quase um ano; com isso, eu acabei completando quase quatro anos na região do Marupá. Passei um tempo explorando perto da pista do Luiz Barbudo, do final de 1978 para o início de 1979; foi quando aconteceu um negócio que não foi muito agradável no Marupá (quando a reportagem pergunta que tipo de negócio desagradável foi esse, Luiz Preto fica silencioso e desconversa) e aí eu tive que vir para Itaituba.
Nesse tempo uma malária braba me pegou. Um dia, subindo uma ladeira eu estava tão mal que eu achei que não iria conseguir chegar em cima. Dava um passo para frente e dois para trás, com muito sacrifício consegui chegar num barraco que havia lá. Sem comida, comi um jacu insosso; a fome estava braba e quando eu dei fé tinha comido quase tudo.

A chegada no Crepurizinho

Em Itaituba, onde vim tratar da malária, encontrei o Bitonho que eu já conhecia lá do Marupá. Ele tinha ido olhar o Crepurizinho. Ele me disse que eu tinha tudo para me dar bem por lá, pois havia bastante terra para ser explorada. O Crepurizinho já era uma curritela grande. Me contaram que a exploração de garimpo começou do final de 1959 para o começo de 1960. O Aluizio Mourão conhece tudo direitinho; ele sabe quando começou.

Vai fazer 30 anos que eu cheguei. No dia 28 de outubro de 1978 eu cheguei no Crepurizinho. Na noite daquele dia eu conheci um camarada chamado Raimundo Varador, com o qual eu fui para o baixão do Papagaio. Na manhã seguinte. Ele me vendeu um servicinho, fiado, que ele tinha lá com uma tralha, por cem gramas de ouro. Até hoje eu estou naquele lugar.

No Crepurizinho eu passei por momentos muito bons, mas, também vivi situações muito difíceis. Isso aconteceu (o bom) a partir do momento em que surgiu o trabalho com balsa, mais tarde veio a chupadeira e melhorou de 80% a 90%. Foi de 1982 para 1983. Eu cheguei a ter até 18 pares de máquinas. Foi um período em que a gente produziu bastante. Tinha um rapaz que trabalhava comigo, que anotava tudo; em pouco mais de dois anos e meio de exploração, até 1987, a gente produziu mais de 170 quilos de ouro.

Quando a situação estava muito boa, veio o governo do presidente Fernando Collor de Melo. O grama do ouro estava sendo vendido entre 850 mil e 890 mil Cruzeiros. Quem vive em Itaituba e na região de garimpo desde aquele tempo sabe muito bem do que estou falando. O Collor arrebentou com a gente. Eu mesmo afundei, pois eu tinha mais de cinco quilos de ouro que era para saldar uma conta de um milhão e duzentos mil Cruzeiros.

Eu pagaria a conta com mais ou menos um quilo e meio de ouro. Não vendi antes do Collor assumir, esperando melhorar o preço. O resultado foi que tive que vender todo o ouro para poder saldar a conta. Só não comecei do zero porque tinha um bom estoque de mercadorias e um bom estoque de óleo diesel. Se a gente tivesse tomado a decisão de parar por um tempo, talvez a gente tivesse se dado melhor, porque o que aconteceu foi que voltei a tocar o serviço, queimei o diesel todo e consumi a mercadoria e aí, sim, fiquei totalmente sem capital.

Naquele momento vieram outros problemas que pioraram a situação, que já era bem complicada. Veio separação de mulher, desonestidade de gente que trabalhava comigo, que não repassava direito o que era apurado. Apesar disso, eu nunca parei com a atividade garimpeira. Eu passo quinze dias aqui e um mês lá dentro. No início em passava seis meses lá e quinze em Itaituba. Tive que mudar porque eu não ia abandonar meus filhos, que foram largados pela mãe. São três, dois rapazes, um com dezoito anos, um com dezessete e uma moça dentro dos 14 anos.

Investimentos - Eu construi esta casa, que não está concluída, que tem quatorze compartimentos, comprei uma terra que vai do km 35 ao km 37, que se encontra invandida por um pessoal que diz ser Sem Terra; eu digo que não são Sem Terra, coisa nenhuma. É gente que viveu no garimpo, ganhou algum dinheiro, mas gastou tudo e se acostumou a tomar terra dos outros, desde aquele tempo. A terra está quase toda invadida. Ainda tenho um pouco de gado nessa fazenda e um pouco mais lá dentro, no Crepurizinho, que está melhor do que a fazenda daqui. Eu investi muito, também, em documentação de terra, tanto do solo como do subsolo.

Tenho uma terra no Crepurizinho que está quase toda regularizada, numa extensão de mais ou menos vinte mil hectares. Eu aguardo algum interesse desses grupos de estrangeiros que estão investindo na região, ou quem sabe, algum financiamento para poder eu mesmo explorar o ouro, que agora está muito mais difícil, mais profundo, pois o ouro mais raso está cada vez mais escasso. A terra em que eu estou trabalhando eu sinto que é muito boa, mas me falta o capital.

Algumas vezes corri risco de ser morto, como aconteceu quando estava construindo uma pista naquela região. Fui avisado por uma pessoa chamada Massa Bruta, de que o seu Lourival, dono de uma agência lá no Crepurizinho, aquele mesmo, que era bastante conhecido aqui em Itaituba, queria mandar me matar para evitar que eu construísse a pista.

Numa viagem de avião, do garimpo para Itaituba, ele fez a proposta para o Massa Bruta me matar, mas ele não aceitou fazer o serviço. O Massa Bruta disse que não faria porque eu era um trabalhador; ele me avisou sobre o que estava acontecendo para eu me cuidar. Eu tinha tentado fazer uma sociedade na pista que eu estava construindo, mas o Lourival não quis. Eu digo que eu escapei por pouco.

A juíza tomou meu garimpo

O momento mais difícil da minha vida de garimpeiro aconteceu quando eu fui coagido por uma juiza que trabalhou em Itaituba, chamada Cléa Maia. Ela tomou o garimpo que eu tocava na época, no inverno de 1984. Ainda tem gente daquele tempo que trabalha comigo. Outros, que não trabalham mais para mim estão na área para contar a história. Por causa disso eu passei vinte e dois dias preso. O delegado era o finado Miguel Apinagés.

Eu perdi tudo. Fui morar em casa alugada. As festas juninas de 84 eu passei preso na delegacia que funcionava onde é agora o Detran. Fui preso sem dever nada para a Justiça. Meu pecado era ser dono de uma terra que um caboco chamado Augusto Franco queria de qualquer jeito. Perdi a terra e quase perdi a vida; fui desmoralizado.

Eu estava na agência do Pai Velho para viajar, quando o delegado Miguel chegou e meu ordem de prisão. Ele ligou para a juiza e ela mandou me recolher. Naquela situação eu fui ajudado pelo Pai Velho, pelo seu Argemiro, pelo Goiano, pelo Irajá, pelo Zé da Roça e pelo Dr. Semir. Eu devo uma grande fineza do Dr. Semir, que me defendeu mesmo sabendo que eu não tinha dinheiro para nada naquela ocasião.

Todo o ouro que havia no garimpo o Augusto Franco tirou nos cinco ou seis anos que ele ficou lá. Ele construiu casa de trinta ou mais quilos de ouro aqui, construiu casa em Santarém, teve fazenda. Ele só saiu de lá quando esgotou o garimpo.

Por estar preso, eu perdi uma roça de 55 hectares de arroz, que estava no ponto de ser colhido. Preso, não tive como colher.

A minha situação ficou tão complicada, mas, tão complicada, mesmo depois que eu ganhei a liberdade, que tinha horas que eu não sabia o que fazer. Eu fui para o garimpo, pois tinha outra terra. Mas, para trabalhar eu tinha que ir por um caminho, por uma vereda, e voltava por outro. Tinha polícia pra todo lado, tudo contra mim. Por último, eu criei coragem de enfrentar tudo aquilo, sabendo que podia morrer a qualquer momento; mas, eu precisava trabalhar.

O Reinaldo tentou me matar

Final dos anos 80, começo dos anos 90 eu fui morar com uma mulher, mãe destes meninos (dois rapazes e uma moça citados antes). Ela estava envolvida nuns negócios que eu não sabia, mas que podia ter custado minha vida.

Tinha uma quadrilha formada pelo Barradas, o Reinaldo e outros que queria me pegar. Eles arrumaram tudo para a mulher vir morar comigo, que era para ver o que eu tinha, para que eles me sequestrassem e me matassem. Mas, antes de me matarem eles me forçariam a assinar uns papéis, passando para eles tudo o que eu tinha.

O que me fez entrar para a política foi que eu estava num conflito tão grande, tão aflito com aquele situação, com aqueles caras cercando minha casa, dizendo que eram meus amigos, que queriam me proteger, quando na verdade queriam me matar. O Reinaldo vivia dentro da minha casa, atendendo telefonema e colocando os capangas dele para me vigiar. Eu estava sem controle da minha vida. Eu tinha gasto mais ou menos uns cinco quilos de ouro tentando esclarecer a morte do meu irmão Raimundo.

Na Semana Santa de 1991 eles esperavam fazer o serviço. Uma noite o Reinaldo chegou na mina casa com uns homens, com uma conversa furada, dizendo que era para me proteger, porque podia acontecer alguma coisa comigo. Eu olhei para o Céu e disse que achava que ele tinha vindo de lá.

Um dia um amigo me convidou para ir fazer uma visita para o seu Wirland Freire, que conhecia o Reinaldo. Seu Wirland mandou chamar ele. Quando o Reinaldo chegou o seu Wirland disse que eu era amigo dele, além de ser um bom cliente dele e que não queria que acontecesse absolutamente nada comigo. Foi só assim que eles me deixaram em paz. A partir daí minha vida começou a melhorar de novo. Por isso entrei na política.

Pouco tempo depois a mulher foi embora deixando os três filhos, quase assumindo a culpa, enquanto o Reinaldo foi morto não muito tempo depois de tudo isso. Hoje, ela toca a vida dela e eu toco a minha, cuidando dos meus filhos, sem nunca abandonar o garimpo. Mas, por eles, pelos filhos, eu mudei até o tempo de permanência lá pra dentro. Assim tem sido minha vida, vida de garimpeiro.

"O garimpo foi bom para mim"

"O garimpo foi bom para mim"

Tolentino Ferreira Sousa, personagem desta edição da série 50 Anos do Garimpo de Ouro no Tapajós, tem pouco mais de 1,60 cm de altura. Franzino, ele não encarna o biótipo do garimpeiro forte, fazendo parte do grupo dos que provam que tamanho não é documento. Nasceu no dia 26 de setembro de 1936, embora tenha sido registrado como nascido no ano de 1938.

Aos 72 anos de idade Tolentino já não tem mais saúde para continuar enfrentando a dureza do trabalho no garimpo. Por isso, passa os dias na boa casa que construiu na 19ª Rua (Bela Vista), com as economias dos bons tempos da garimpagem. Uma das suas distrações é apostar em algumas das muitas loterias da Caixa, já tendo acertado algumas vezes, sempre prêmios pequenos. Mas, como bom garimpeiro, não desiste, crente que um dia a sorte grande vai chegar.
"Quando eu entrei para o garimpo, tinha 20 anos de idade, levado pela idéia de ganhar bem mais do que conseguia na colônia, onde o ganho era pouco. A gente ouviu falar que no garimpo dava pra fazer muito mais. Comecei lá em Xambioá, no Goiás, mexendo com extração de cristal e diamante.

No Tapajós, o primeiro garimpo que eu fui foi o Crepurizinho, onde passei a maior parte da minha vida de garimpeiro. Fui de avião, com o comandante Amaury, que já morreu. Chegando lá a gente foi recebido pelo João Rodrigues, que era o dono da pista. A passagem custou 50 gramas de ouro. Eu fui fiado, para trabalhar e pagar quando chegasse lá. Quem pagava para a agência era o João Rodrigues. Eu fui trabalhar para um homem que se chamava Raimundo Barbeiro. Em 12 dias eu paguei a passagem, pois tinha muito ouro. A gente ganhava uma diária de quatro gramas. Mas, como a gente podia trabalhar na empreita, alguns dias depois eu preferi assim, pois a gente chegava a ganhar 20 gramas de ouro por dia.

Quando eu cheguei lá fiquei preocupado, pois encontrei uma corrutela nervosa; os homens andavam com revólveres na cintura, cercados por um cinturão cheio de balas, uma espingarda pendurada e mais um enorme facão. Isso acontecia em qualquer lugar da corrutela.
Naquele tempo o Crepurizinho tinha tanto ouro, mas tanto ouro, capaz de quase a gente pegar com a mão. Por causa disso e da cobiça do ser humano havia muita confusão, muita desordem. Havia muitas mortes. Era a lei do mais forte. Isso era o ano de 1964, quando a corrutela do Crepurizinho tinha perto de 200 casas.

Eram dois os principais motivos de mortes. Um era confusão que começava por causa de grotões; um garimpeiro dizia que era seu, enquanto outro alegava que lhe pertencia. O desfecho acontecia, quase sempre, na corrutela. O outro motivo era por causa de bebedeira, nos bares e nos bordeis. Quando os garimpeiros chegavam querendo companhia, muitas vezes encontravam problemas, pois como eram poucas as mulheres, havia disputa por elas, muitas das quais terminavam na bala, com um dos garimpeiros morto. Eu mesmo vi muitas confusões começarem, mas, como nunca gostei de me envolver em tumultos e como não tinha nada a ver com aquilo,cuidava de me mandar para longe. Só ouvia os tiros e depois sabia o resultado.
Havia um bocado de comércio

grande lá, no começo de 64. Lembro do Adonias, João Rodrigues, Herval, Pernambuco, Bené (de Bragança) e Londrina eram todos donos de comércios grandes mesmo. A exploração do ouro era pertinho da corrutela; era questão de poucos minutos. A gente não tinha dificuldade para comprar as coisas, de tão perto que era.

Durante cinco anos eu trabalhei para os outros, até tocar meu próprio serviço. Foi de 1964 a 1969. Saí furando terra, comprando na cantina para pagar depois e sempre consegui saldar meus compromissos. Eu não me reclamo da sorte. Saí da colônia com a intenção de melhorar de vida e melhorei. Cheguei a ter oito quilos de ouro como capital, meu mesmo; oito quilos, depois de pagar todas as contas.

Com o dinheiro que ganhei, comprei casas, carros, gado e até um comércio em Santarém. Mas, mesmo sem ser esbagaçado, sem gostar de farras, às vezes alguns negócios não dão certo; comprei algumas coisas por um preço e vendi pelo décimo do valor que valia; assim sendo, me desfiz de quase todos esses bens. Se eu fosse farrista, talvez não tivesse guardado nada.
O garimpeiro nem sempre é um bom negociante; não pára e analisa se aquele negócio que ele está para fazer é bom ou ruim; sempre acha que vai se dar bem no próximo barranco e não funciona sempre desse jeito. A gente faz negócio sem avaliar direito o que está fazendo e termina pagando caro por não pensar antes de tomar certas decisões. Seu eu tivesse prestado mais atenção, tinha feito negócios melhores do que fiz, com resultados melhores.

Eu fiquei 28 oito anos sem abandonar o Crepurizinho. Eu digo, sair para trabalhar direto noutro lugar. De vez em quando ia ao Crepurizão, mas, somente fazer negócios. Uns dois anos depois que eu cheguei eu andei fazendo umas pesquisas no Patrocínio, no Tabocal, no Tauari e no Marupá, sem nunca abandonar o serviço que tocava. O maior tempo que eu fiquei ausente foi um ano e meio, no Patrocínio.

Quando eu conheci o Crepurizão, lá não existia nada, nem sinal de corrutela; só havia mato e alguns serviços sendo tocados nos baixões. A primeira pista de lá foi feita por um macapaense chamado Mundico Coelho, que eu conheci muito bem. Ele era um comerciante, que pagou para que a pista fosse feita no braço, na base do machado. Era uma pista pequenina, na qual operavam somente aviões pequenos, que carregavam 150 a 180 quilos, no máximo.

Depois de pronta a pista, começou a construção de casas perto dela. As casas eram feitas duma árvore que o pessoal chama de ripeira. Eu não tenho muito certeza, mas eu acho que isso aconteceu no ano de 1965.

O finado Wilson Uchoa pegou ouro demais no Crepurizão. Mas, quando eu digo muito, foi muito ouro, mesmo. O Arnaldo também botou a mão num bocado de ouro. Já no Crepurizinho, o finado João Rodrigues pegou muito ouro. Além dele, o Raimundo dos Porcos, o Pernambuco e o Bené Barbeiro.

Minha vida tem sido vivida no garimpo. Até julho do ano passado eu trabalhei direto lá dentro, de onde eu só saí porque a minha saúde não me permite mais enfrentar esse tipo de trabalho. A coluna não deixa mais eu fazer aquilo que fiz por tantos anos; carreguei muito peso nas costas, em jamaxim com 45, 60 e ate 70 quilos, horas e horas dentro do mato. Mas, minha terra tá lá. Eu deverei entrar daqui a pouco para dar uma olhada como estão as coisas. Hoje está mais fácil, pois a gente usa moto. Eu tenho umas pessoas de confiança que vou colocar para trabalhar no garimpo.

Apesar das dificuldades que a gente enfrentou, eu sempre senti prazer em ser garimpeiro, pois era a chance que tinha para pegar um dinheiro melhor. Hoje, vivo de uma poupança que fiz e ainda vou tocar essa terra lá no Crepurizinho. Eu não posso mais fazer o trabalho, mas, vou botar um pessoal para trabalhar para mim, que é para a gente ganhar um dinheirinho. Eu cheguei a ter 50 homens trabalhando comigo numa frente de serviço, todos por minha conta.

Quase mil casas - No auge do Crepurizinho eu contei as casas que existiam na corrutela. Eram quase mil, sem contar os barracos, pois com eles passava de mil. Só casas de comércio eram 680, contando todo tipo de estabelecimento; entravam dos grandes comércios até as pequenas vendas. Hoje em dia ainda tem muita casa, tem escola boa, mas os negócios estão devagar.

Agora parece que o governo vai olhar para o garimpeiro, com esse estatuto que o presidente Lula assinou. Isso é bom porque tem gente que passa muito aperto lá dentro. O pessoal adoece e não tem como vir para a cidade.

Morrendo a mingua - Vi muitos companheiros, amigos próximos perderem a vida, sem que a gente pudesse fazer nada. Muitos morreram dentro da mata, estirados numa rede. Eles urinavam e a rede ficava amarela. Era hepatite, mas a gente não sabia e mesmo que soubesse, o que podia fazer, sem nenhum recurso? Trazia para a corrutela para enterrar. Às vezes o companheiro adoecia muito e cismava de comer carne de caça; a gente dizia: não come rapaz, que pode fazer mal; mas, tinha uns que eram teimosos e comiam carne de paca, por exemplo, que é muito reimosa. Muitos morreram. Tinha um, o Raimundo Bernardino, que era um companheirão, que morreu, na pista da FAG, perto do Crepurizinho. Eu senti muito a morte dele.
Eu sempre fui muito resistente à malária. Quando pegava, tomava logo remédio e ela ia embora sem demora. Tinha a vantagem de não beber, nem fumar. Quando não tinha remédio de farmácia tomava chá de casca de pau, como castanheira, cedro e jatobá, que é bom para combater inflamação. Assim era a vida da gente, a vida dura de garimpeiro, sempre na busca do ouro.

Na próxima edição, o Jornal do Comércio deverá tratar da aviação de garimpo, atividade da maior importância nessa atividade tão relevante para a economia de Itaituba e da região. Provavelmente, dada a abrangência do tema, será necessário dedicar ao menos duas edições seguidas para contar tantas histórias, tantos fatos marcantes envolvendo esse setor.