sábado, 18 de agosto de 2018

GARIMPANDO EM REJEITOS DE GARIMPOS

GARIMPANDO EM REJEITOS DE GARIMPOS



            A atividade garimpeira é um trabalho essencialmente masculino e não sei de nenhum garimpo onde mulheres trabalhem ao lado de homens.

            Mas, se é normal que só os homens garimpem, é também normal que mulheres e crianças revolvam rejeitos deixados pela atividade dos homens, buscando material de qualidade inferior ou eventualmente alguma coisa de valor maior que eles possam ter deixado escapar. 

Isso não deixa, é verdade, de ser garimpagem também, mas não é o trabalho pioneiro, não é o desmonte primário do material mineralizado. É uma atividade secundária que só existe, quando existe, se houve homens que deram início ao garimpo e geralmente só enquanto eles nesse garimpo trabalham.

            Mas, há outro tipo de gente que revolve rejeitos de garimpos. São os colecionadores de minerais. Os garimpeiros tradicionalmente só aproveitam aquilo que eles estão buscando e minerais que se destacam pela beleza ou pela raridade são muitas vezes desprezados simplesmente porque não é aquilo que está sendo buscado.  Dizem inclusive que se um garimpo produzir ouro e diamantes os garimpeiros ficarão só com o diamante, porque ficar com os dois dá azar...

            Os garimpeiros de ametista da região do Médio Alto Uruguai, no norte do Rio Grande do Sul, chamam os minerais estranhos, ou mesmo minerais que eles conhecem, mas que se apresentam com uma aparência fora do comum, de “esquisitos”.

Minha coleção de minerais conta com vários “esquisitos” e várias peças bonitas que foram abandonadas por garimpeiros ou que deles recebi como presente. E não são bem mais numerosos simplesmente porque me falta espaço para guardá-los e porque no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina não existem garimpos em pegmatitos, rochas que fornecem minerais incríveis pela beleza, tamanho ou raridade.

A drusa abaixo, com cristais de calcita sobre ametista, provém de um garimpo de ametista do Rio Grande do Sul. (Clique nas fotos se desejar ampliá-las.) Mede 30x28x12 cm e pesa 11,9 kg. A ametista não tem boa cor, mas a peça é bonita pelo tamanho e pela associação com a calcita. Não estava no rejeito quando a vi, mas tampouco estava junto às peças que iam ser aproveitadas. Deixada de lado na boca de uma galeria (“broca”), me chamou a atenção e perguntei ao garimpeiro mais próximo o que iriam fazer com ela. Nada, disse ele. Quer levar?


Esta outra drusa, sim, estava solenemente largada no meio do rejeito. Ela mede 27x25x13 cm e pesa 8,1 kg.




O quartzo abaixo (10x8x6 cm) contém o que os garimpeiros da mesma região chamam de mosquitinhos. São inclusões de cristais de um outro mineral, a goethita, que podem ser pretos, como estes, ou dourados.  Para os garimpeiros, são impurezas e isso é motivo suficiente para descartar os cristais em que aparecem. São peças atraentes, curiosas, e que merecem figurar em coleções particulares e museus.

Os cristais de goethita às vezes formam tufos dispersos, como nesta amostra, mas outras vezes desenvolvem-se todos a partir de um mesmo plano cristalográfico, estando assim nivelados pela base.


Nesta outra drusa (7x6x4 cm), inclusões talvez também de goethita, não formam tufos, mas sim películas paralelas a uma das faces dos cristais. Esta bela peça também foi reprovada pelo controle de qualidade do garimpeiro...


Os cristais de moscovita que normalmente são vistos aqui no Rio Grande do Sul são pequenas palhetas de 1 cm ou menos de diâmetro, raramente 2-3 cm em veios pegmatoides. Mas, em um garimpo de gemas que visitei em Minas Gerais, o pátio junto à entrada da galeria estava forrado de moscovita medindo até 20 cm, se não mais. Todo esse volume era rejeito dos garimpeiros, que para nada lhes serve a moscovita. Nesse mesmo garimpo, coletei no rejeito, além de moscovita (foto abaixo, medindo 18 x 8 cm), cristais de até 15 cm de espodumênio (foto seguinte, 12x8x1 cm), outro mineral que não se encontra por aqui.



 Certa vez, junto com alunos e professores de Gemologia da UFRGS, visitamos um garimpo de ametista do Rio Grande do Sul que produzia também cristais de selenita, uma variedade incolor e muitas vezes bem límpida de gipsita. No galpão em que os garimpeiros costumam guardar ferramentas, alimentos e outras coisas relacionadas com seu trabalho, havia vários pedaços pequenos de selenita, com até uns 10 cm de comprimento. Eram peças de pouco valor comercial que o garimpeiro, generoso, permitiu que os estudantes levassem.

Cada um então pegou um cristal de selenita para si.  Eu não me interessei porque os cristais eram realmente de pouco valor. Mas, havia entre eles a peça abaixo, bem maior (17x10x5 cm), bem cristalizada e que ninguém ousou pegar, porque era claramente muito mais valiosa que os pequenos fragmentos que estavam à sua volta.  Estes, como eu disse, não me interessavam, mas aquela peça, sim. Perguntei então ao garimpeiro por quanto ele a venderia. Para minha surpresa, ele disse que eu podia levá-la. Era presente também.


Quando começaram a surgir os primeiros cristais de selenita naqueles garimpos do Médio Alto Uruguai, eram todos desprezados pelos garimpeiros, que os chamavam de “pedra-gelo”.  Mas, quando começaram a surgir cristais com dezenas de quilos, apareceram compradores e eles viram que aquilo tinha valor também. Hoje, toda a selenita é aproveitada.

Na região de Salto do Jacuí, também no Rio Grande do Sul, está concentrado o maior número de garimpos de ágata do estado (e do Brasil). E neles é comum ocorrer opala comum de cor branca, às vezes com manchas acinzentadas ou cinza-amarronzadas, como a que se vê na foto (15x7x6 cm).  Pois essa opala toda é rejeitada pelos garimpeiros e pode ser facilmente recolhida pelos interessados. 


Nos últimos anos, começou a aparecer, em um dos garimpos, uma opala também do tipo comum (sem jogo de cores), mas de cor azul-acinzentada. Como o responsável pelo garimpo era um geólogo, Klaudir Kellermann, ele soube valorizar a nova descoberta e passou a guardar toda a opala dessa cor encontrada. Quando visitamos seu garimpo pela última vez, Klaudir estava em busca de comprador para o mineral. Fosse ele um simples garimpeiro, a opala azul seria mais um mineral de valor museológico a acabar nos rejeitos do garimpo.

A peça abaixo, de 8x4x3 cm, recebemos dele. 



Eu disse, no início, que os garimpeiros costumam desprezar aquilo que não é o objetivo de seu trabalho. Mas, mesmo o mineral por eles procurado pode ser encontrado nos rejeitos em peças de boa qualidade. A drusa de ametista ao lado foi abandonada simplesmente por ser pequena (8x5x2 cm), mas a cor, o brilho e o tamanho dos seus cristais são muito bons. 


O Rio Grande do Sul é o maior produtor brasileiro de ágata e ametista. A ágata é produzida principalmente na região de Salto do Jacuí, no centro do Estado, enquanto a ametista provém sobretudo do Norte, de Ametista do Sul e mais sete municípios ao seu redor.  Curiosamente, a ágata não é abundante na região produtora de ametista, mas, quando aparece, geralmente é muito bonita, além de estar associada à ametista. Como o garimpeiro quer é ametista, se ela não é boa, vai para o rejeito, ainda que acompanhada de uma bela ágata, como na peça abaixo, de 12x10x5 cm.


Em Fontoura Xavier (RS), estive num garimpo de ágata que produzia vários outros minerais. Como de hábito, os garimpeiros só aproveitavam a ágata. Foi assim que de lá trouxe a interessante cornalina de 11x10x4 cm da foto abaixo. Também lá encontrei um geodo de opala cinza-azulado. A foto a seguir mostra um fragmento pequeno (6x6x1 cm) dele; a parte maior, de uns 12 cm pelo menos, coloquei no acervo do Museu de Geologia da CPRM.  Essa opala, sob luz ultravioleta, mostra notável fluorescência em verde-maçã.  







A drusa de citrino abaixo (cerca de 10x15 cm) não se destaca pela cor, muito menos pela pureza. Mas, ela é importante porque provém da única ocorrência de citrino natural que encontrei depois de visitar praticamente todos os garimpos de gemas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Encontrei-a em um garimpo abandonado de ametista (e citrino?) de Bonaiumer, Caxias do Sul (RS), e pertence também ao Museu de Geologia da CPRM.  




A pequena “escultura” de quartzo abaixo foi coletada num garimpo de ametista.


As “pinhas” de ametista são sempre valorizadas, mas esta, de 6x5x6 cm, com cor realmente ruinzinha, foi parar no rejeito. Resgatei-a num garimpo de Entre Rios (SC).


Por fim, quero mostrar um tipo de material que teria tudo para ser rejeitado, mas que tem recebido uma valorização meio surpreendente. É o que o comércio de gemas vem chamando de “flor de ametista”.  São peças de formato irregular, como uma crosta cristalina, sem brilho, com cor esbranquiçada a roxa, sempre clara. As dimensões são bem variáveis, geralmente com 30 cm ou menos, mas podem ser muito maiores. Talvez por seu aspecto muito exótico, atrai o público e tem sido aproveitada. Mas, o exemplar abaixo foi coletado em rejeito.


Os minerais de minha coleção coletados em garimpos são quase todos do Rio Grande do Sul ou de Santa Catarina. Mas, na primeira coleção que organizei e que hoje pertence ao Museu de Ciências Naturais da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) há peças de vários outros estados.

            Diante do que eu mostrei, é fácil de entender por que o colecionador que visita um garimpo encanta-se e vibra com o que pode coletar e trazer gratuitamente. Mas, se este colecionador é como eu, geólogo, fica muito dividido. Ele alegra-se como colecionador, mas, como profissional e cidadão consciente, lamenta que se esteja desprezando coisas tão bonitas, de valor mineralógico, de importância museológica e às vezes, também científica. Um cristal defeituoso, sem valor comercial para o garimpeiro, pode ser, justamente pelo defeito que exibe, uma raridade a ser preservada. Mais de uma vez eu disse isso a garimpeiros, mas o fiz sempre consciente de que seria esperar demais que eles ficassem estocando minerais sem valor comercial contando com a possibilidade de talvez um dia aparecer um pesquisador ou colecionador que talvez se interessasse por algumas delas e talvez se dispusesse a fazer uma compra.

            Felizmente, está surgindo entre os comerciantes de gemas do Rio Grande do Sul uma nova consciência, e peças antes rejeitadas estão sendo por eles adquiridas, pois aprenderam - ou estão aprendendo - que elas podem ter valor como peças de coleção. Acredito que, com isso, muitas peças valiosas estejam sendo salvas, preservadas em coleções particulares ou mesmo em museus públicos.

Fonte: Percio M. Branco

DEIXOU-NOS UM GRANDE DEFENSOR DAS GEMAS BRASILEIRAS

DEIXOU-NOS UM GRANDE DEFENSOR DAS GEMAS BRASILEIRAS

            Faleceu, dia 1º de fevereiro, aos 95 anos, no Rio de Janeiro, o joalheiro Jules Roger Sauer. Francês da região da Alsácia, ele foi o fundador, em 1941, da Lapidação Amsterdam Ltda., hoje Joalheria Amsterdam Sauer.

                          Foto: Ana Branco, Agência OGlobo

Houve, porém, uma gema brasileira que Sauer tornou particularmente conhecida e respeitada: a esmeralda. Sauer foi responsável pela valorização e popularização das gemas brasileiras no mercado internacional. Até então, o que se valorizava mesmo era o diamante, uma gema sempre importante; a esmeralda e o rubi, que o Brasil não produzia, e a safira, que nosso país produzia muito pouco (se é que produzia).  As dezenas de outras gemas que o Brasil colocava no mercado – topázio, opala, água-marinha, turmalinas, granadas, ametista, etc. – eram genericamente consideradas apenas pedras brasileiras, uma subcategoria. Sauer começou a divulgar e valorizar essas pedras preciosas menos prestigiadas e hoje o reconhecimento da nossa riqueza gemológica é um fato.

Houve, porém, uma gema brasileira que Sauer tornou particularmente conhecida e respeitada: a esmeralda. 
Contou ele, em um de seus livros (O Mundo das Esmeraldas), que em 10 de julho de 1963, quando estava em férias com a família, um garimpeiro que trabalhava para ele informou haver encontrada uma pedra verde no pequeno povoado chamado Salininha, perto da cidade de Pilão Arcado, na Bahia. Os garimpeiros não acreditavam que fossem esmeraldas e quando a descoberta foi divulgada, especialistas confirmaram que não eram.



     

  .
A cor verde da esmeralda normalmente é devida à presença de cromo, e os cristais descobertos em Salininha eram exatamente como a esmeralda, mas com cor verde produzia por vanádio.  E foi este detalhe o único argumento apresentado para considerar a nova gema simplesmente um berilo verde (a esmeralda, como a água-marinha, é uma variedade de berilo).
Inconformado, Sauer encaminhou a gema ao Gemological Institute of America (GIA) para análise e, em 9 de agosto de 1983, o GIA emitiu o laudo Nº 20.259, atestando que se tratava de Natural Emerald, a valiosa gema que era aqui procurada desde os tempos do bandeirante Fernão Dias Paes, o Caçador de Esmeraldas.
Com isso, o mercado internacional não teve como deixar de reconhecer a autenticidade da nossa pedra preciosa.

De origem judia, no início da 2ª Guerra Mundial Jules Sauer fugiu de bicicleta da Bélgica, onde morava, pedalou sozinho 1.500 km ate à Espanha, onde foi preso por não ter documentos. Fugiu da prisão e foi para Portugal onde embarcou em um navio para o Rio aonde chegou com 18 anos. (Coincidentemente, Hans Stern, fundador da famosa rede brasileira de joalherias H. Stern, chegou ao Brasil na mesma época e com 17 anos.)
Aqui, sobreviveu inicialmente dando aulas de francês, até conseguir um emprego na empresa de pedras preciosas do irmão de um aluno, em Minas Gerais. Jules aprendeu rapidamente as técnicas de lapidação e em pouco tempo, alcançou sua independência.
Embrenhou-se Brasil adentro como comprador e vendedor de pedras. Pouco menos de dois anos após deixar a Bélgica, já era dono da própria empresa (instalada numa zona de baixo meretrício de Belo Horizonte !).
Além dos vários livros que escreveu, Sauer criou o Museu Amsterdam Sauer, com seu acervo de mais de três mil peças, incluindo a maior alexandrita bruta conhecida (24,48 kg).
Considerado uma das maiores autoridades em alta joalheria do mundo, Jules Sauer era, desde 2004, membro do Círculo de Honra do Gemological Institute of America (GIA), a mais importante instituição gemológica do mundo. Era também Cidadão Honorário de Belo Horizonte, Teófilo Otoni e Governador Valadares (MG), São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1959, conquistou pela primeira vez Diamond International Awards, a consagração máxima da joalheria internacional, com o anel Constellation.
Ele deixa dois filhos, Daniel, que tive o prazer de conhecer em reuniões da Comissão Técnica de Gemas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e que é diretor da empresa fundada pelo pai, e Débora.  

Fonte: Percio M. Branco

OUTRO ÍCONE DA JOALHERIA BRASILEIRA

OUTRO ÍCONE DA JOALHERIA BRASILEIRA

     Quando terminei de escrever sobre Jules Sauer, me dei conta de que precisava falar também sobre outro ícone da joalheria brasileira, Hans Stern. Ele foi o fundador da H. Stern, uma rede de 280 joalherias espalhadas por 32 países e que emprega quase 3.000 pessoas.
A vida de Hans Stern assemelhou-se em muitos aspectos à vida de Jules Sauer.  Ambos vieram da Europa para o Brasil muito jovens (Hans com 17 anos, Sauer com 18), no início da II Guerra Mundial. Eram de origem judia, ambos começaram a vida profissional aqui em atividade não ligada diretamente às pedras preciosas (Sauer deu aulas de francês e Stern começou trabalhando como datilógrafo) e, o mais importante de tudo, os dois deram enorme impulso ao conhecimento e consumo de pedras preciosas brasileiras, numa época em que elas eram consideradas gemas de segunda categoria.
O primeiro emprego de Hans Stern foi numa empresa que lapidava e importava predras preciosas (chamada Cristab). Ele logo se encantou com a beleza daquela mercadoria e começou a viajar por todo o país, inclusive a cavalo, conhecendo garimpeiros e comprando gemas diversas.
Em 1945, fundou no Rio de Janeiro, uma pequena loja: era o início da H. Stern, que desde o início teve este nome.


Brincos Harmony, criados para a H. Sten pela estilista
Diane von Furstenberg, com rubi, rubelita, berilo, citrino, 
quartzo rosa e diamante.


Hans não se conformava com o fato de classificarem nossas gemas como pedras semipreciosas, e ficou famosa uma frase sua: Não existe pedra semipreciosa, como não existe mulher semigrávida. De fato, embora a denominação pedra preciosa seja correta, o mesmo não se dá com pedra semipreciosa, por várias razões. A principal é que nunca houve consenso sobre quais pedras seriam consideradas preciosas. Normalmente, eram assim classificados o rubi, a safira, a esmeralda e o diamante. Alguns autores, porém, incluíam também a opala preciosa e o crisoberilo, por exemplo. E outros, a pérola. Além disso, a distinção era inútil e, para o Brasil, muito prejudicial.
Vários autores e gemólogos de renome têm a mesma opinião: Robert Webster, Walter Schumann, Joel Arem, Erich Merget e, é claro, nosso tão estimado Jules Sauer.
O preço não é critério válido para a separação: esmeralda, rubi, safira e diamante são usualmente gemas caras, mas a turmalina Paraíba tem preço médio maior que o do rubi e o da safira e a alexandrita e a opala-negra têm preço médio igual ao da esmeralda, por exemplo.
Coerente com esses posicionamentos, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) recomenda evitar sempre o uso da palavra semipreciosa, substituindo-a por preciosa, salvo exigência comercial ou legal (NBR 10.630).   
Assim como devemos a Jules Sauer o reconhecimento internacional da esmeralda brasileira, devemos a Hans Stern essa atitude importante na valorização das nossas gemas.


                     Anel Sunrise, em ouro, ametista e um 
                     pequeno diamante na lateral da peça. 

Considerar pedra preciosa gemas como água-marinha, turmalinas e topázio imperial não foi difícil. Mas, considerar assim gemas relativamente baratas como ametista, citrino e ágata foi resultado do empenho de gemólogos como os citados.  Hans Stern, entretanto, foi bem além.
     Eu achava – e acredito que outros gemólogos experientes também - que incluir o quartzo incolor (cristal de rocha) entre as pedras preciosas era o que hoje se chama de forçar a barra. Afinal o
quartzo é a espécie mineral mais comum do planeta, e o cristal de rocha é a mais comum de suas muitas variedades. Então, lapidar e colocar cristal de rocha em uma joia era algo difícil de conceber.  Pois a H. Stern fez não uma joia, mas toda uma coleção com cristal de rocha!  Com uma inteligente campanha de marketing, apresentaram a coleção como joias leves, adequadas à estação (era verão).  Para mim então ficou consagrado definitivamente que qualquer mineral com beleza suficiente para justificar sua lapidação podia ser chamado de pedra preciosa.  E assim deve ser: há gemas caras e baratas, como há calçados, roupas, bebidas, etc. de preços bem variados.

                      Gargantilha Nature, com turmalina verde e diamante.

            Por fim outro reconhecimento que devemos e Jules Sauer e a Hans Stern. Ambos souberam transmitir aos filhos o amor pelas empresas que criaram, e são eles que hoje dão continuidade às notáveis obras de seus pais.  Nos anos 90, Hans convidou dois de seus filhos a participar da direção da empresa, mas continuou indo lá, todas as manhãs, dirigindo ele mesmo seu Fusca e sem seguranças.
Raramente dava entrevistas e não gostava de posar para fotografias. Ele nasceu quase cego e só começou a enxergar com o olho direito aos dois anos de idade. Gostava de ler, ouvir música clássica e tocar órgão.
Hans Stern colecionava selos e, é claro, pedras preciosas, e deixou uma grande coleção de turmalinas, sua pedra preferida.
A exemplo de Jules Sauer – as coincidências parecem não ter fim... – criou um museu na sede de sua empresa, em Ipanema, no Rio, onde são exibidas mais de mil turmalinas lapidadas.
Stern nasceu em Essen, na Alemanha, e faleceu no Rio de janeiro, em 2007, no mês em que completou 85 anos.

Fonte: Percio M. Branco

A COR E O VALOR DAS PEDRAS PRECIOSAS

A COR E O VALOR DAS PEDRAS PRECIOSAS

            A cor é a propriedade mais importante na determinação do valor de uma gema lapidada. Ela responde por 50% do valor, enquanto a pureza representa 30% e a lapidação, 20%.
      O topázio pode ser incolor ou ter várias outras cores (é, por isso, classificado como gema alocromática). O mais valioso é o topázio imperial, amarelo a laranja.
A safira pode ter também muitas cores ou ser mesmo incolor. Mas, a mais valiosa é a azul escura, com algo de violeta.         
Outro exemplo ainda é o berilo, também incolor ou de cores variáveis, destacando-se pelo valor a variedade esmeralda, de cor verde.
Diante desses exemplos, pode o leigo no assunto perguntar: como saber qual a cor mais valiosa das gemas alocromáticas? A resposta é: consultando manuais de Gemologia, um gemólogo ou um joalheiro experiente.
Felizmente, existem as gemas idiocromáticas, aquelas que ocorrem sempre com a mesma cor.  Eu disse felizmente?  Esqueça.  Acontece que nessas gemas há uma só cor, mas pode haver diversas tonalidades, e isso se reflete no valor final. Como regra, quanto mais escura a gema, mais valiosa, embora existam algumas exceções.
A ametista é sempre roxa; o citrino, amarelo ou laranja; o rubi, sempre vermelho, e por aí vai. Mas, o roxo da ametista costuma ser classificado em pelo menos quatro categorias: primeira, segunda, terceira e quarta. Ou extra, primeira, segunda e terceira.   Do mesmo modo é classificado o citrino.
Nesses casos, como saber então se a ametista que temos é extra ou de outra categoria?  Aí, amigos, manuais de Gemologia não ajudam. E o gemólogo ou joalheiro que você consultar talvez não saiba definir isso com segurança.  Quem então faz isso?  Os produtores dessas gemas.  Eles têm pessoal treinado para classificar as gemas nessas categorias quando estão ainda no estado bruto. .
Vejam a foto abaixo.  Ela mostra três qualidades de citrino martelado em relação á cor.  (Gema martelada é aquela que teve as porções com impurezas ou cor ruim removidas com martelos especiais).
Olhando assim, pode parecer fácil distinguir um citrino de segunda de um de terceira ou quarta categoria.  Afinal você está vendo amostras das três classes juntas.  Mas pegar um lote de gemas brutas e ir separando uma a uma conforme az qualidade da cor é trabalho que só faz quem treinou bastante.
A foto a seguir mostra ametistas, também divididas nas mesmas categorias. Para elas vale o mesmo que foi dito acima sobre o citrino, mas talvez já não seja tão fácil fazer a classificação. 
O rubi é sempre vermelho, mas o vermelho sangue de pombo é considerado a cor mais valiosa para essa gema.
      E a classificação do diamante?  Aí, meus amigos, é outro departamento. Classificar diamantes requer uma iluminação correta (artificial), num ambiente adequado, com um conjunto de gemas de diferentes categorias para servir como padrão de comparação, e, mesmo assim, muita, mas muita experiência!

Fonte: Percio M. Branco

PSEUDOFÓSSEIS NO ARENITO BOTUCATU

PSEUDOFÓSSEIS NO ARENITO BOTUCATU


              Uma rocha muito comum no sul do Brasil e muito usada na construção civil é aquela chamada no comércio e na indústria de pedra grés. Trata-se de um arenito, rocha formada pela deposição de areia que, com o passar do tempo, teve seus grãos compactados e unidos por um cimento natural, formando a rocha que hoje usamos.
              Esse arenito foi estudado e descrito a primeira vez na região de Botucatu, em São Paulo, e por isso é chamado pelos geólogos de Formação Botucatu ou, mais especificamente, Arenito Botucatu.
              Como dissemos, a formação dessa rocha começou com a deposição de areia.  Esse processo se deu em um ambiente tipicamente desértico - arenoso, árido, quente e com raros seres vivos.  Por isso, não é rocha em que se espere encontrar fósseis. Apesar disso, algumas décadas atrás, uma grande pedreira da região metropolitana de Porto Alegre, de donde se extraiam lajotas e blocos de arenito Botucatu, foi interditada porque alguém informou às autoridades que aquela atividade estava destruindo grande quantidade de fósseis de plantas. 



                Algumas dessas posíveis folhas eram enormes, como mostra a foto abaixo, que me foi gentilmente enviada por minha colega geóloga Andréa Sander.




                O assunto mereceu reportagens no jornal Zero Hora e se estabeleceu uma polêmica no meio geológico.  O tipo de rocha portadora dos possíveis fósseis não era favorável à existência deles, mas as feições tinham muito jeito de folhas fossilizadas. A polêmica foi maior ainda porque a interdição da pedreira cortou a fonte de renda de várias famílias que dela dependiam.
              Eu estava no grupo dos que tinham dúvida:  fósseis no Arenito Botucatu era novidade, mas aquelas feições nele encontradas eram intrigantes. As fotos acima mostram o que alguns julgavam ser fósseis, mas não mostram uma feição que vi mais de uma vez e que me deixava particularmente intrigado. Ela tinha forma de flor, mostrando possíveis pétalas ou algo semelhante, com disposição radial.  É uma figura parecida com a que se vê no lado direito da primeira foto, mas com uma aparência de flor mais definida
              Um dia, ao chegar ao trabalho, após o almoço, vi que uma planta, igual à da foto abaixo,  existente no estacionamento da empresa em que eu trabalhava, projetava, ao sol do meio-dia, uma sombra muito semelhante àquelas feições em forma de flor. Aquilo me deixou surpreso e mais intrigado. Uma planta daquelas comprimida verticalmente pela deposição da areia poderia muito bem deixar uma impressão daquele tipo se a areia viesse a se tornar um arenito.



                Contrários à crença de que seriam fósseis estavam alguns geólogos que conheciam o assunto melhor que eu e que afirmavam ser aquilo consequência da dissolução de cristais de gipsita (sulfato de cálcio hidratado).  A gipsita se forma facilmente em ambiente desértico (um exemplo são as belas rosas-do-deserto), e é bastante solúvel em água. Assim, embora as chuvas fossem raras no Deserto de Botucatu, podiam ocorrer e então dissolver os cristais de sulfato, deixando as tais figuras.
              A polêmica continuou, outras reportagens foram publicadas, mas a pedreira foi reaberta, pois prevaleceu a explicação que atribuía o fenômeno aos cristais de gipsita. Tratava-se, portanto, de pseudofósseis, como os dendritos existentes nos basaltos, que já descrevi neste blog.

Fonte: Blog Percio M. Branco