quarta-feira, 24 de julho de 2013

Pesquisa desenvolvida em Minas multiplica valor de pedras com mudança de cor

Pesquisa desenvolvida em Minas multiplica valor de pedras com mudança de cor





O pesquisador Fernando Lameiras exibe quartzos irradiados no laboratorio do CDNT  (Cristina Horta/EM/D.A Press)
O pesquisador Fernando Lameiras exibe quartzos irradiados no laboratorio do CDNT
Lembra a alquimia, prática não científica famosa pela pretensão de transformar metais de menor valor em ouro. No entanto, trata-se de ciência pura: no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), com sede em Belo Horizonte, quartzos e outras gemas são submetidos à irradiação, processo capaz de conferir cores às pedras e multiplicar em muito sua valorização comercial. Assim, gemas encontradas na natureza "pálidas, sem cor" são transformadas em prasiolita, citrino, ametista, heliodoro e rubelita, entre outras. O beneficiamento multiplica o valor de venda de R$ 10 para até R$ 900 o quilo. O centro também presta um serviço inédito no Brasil. Com tecnologia própria, pesquisadores identificam todos os elementos químicos presentes em cada tipo de mineral e preveem se aquela gema poderá ser submetida a beneficiamentos com sucesso, evitando, assim, investimentos desnecessários. Uma unidade de inovação tecnológica com laboratório capaz de prestar esse serviço de análise acaba de ser implantada em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. O próximo desafio é criar um mecanismo de avaliação portátil que poderá ser usado em cidades menores, distantes dos centros urbanos, que contam com equipamentos mais sofisticados nessa área, justificando ou não uma extração.

Em Minas, a intervenção em gemas com irradiação foi implantada a partir de 2002 como fruto do projeto Corgema, coordenado pelo CDTN em parceria com entidades como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). O objetivo é o desenvolvimento da indústria de joias, contemplando desde o pequeno garimpeiro até a exportação.

No Brasil, existem mais quatro laboratórios de irradiação, três no estado de São Paulo e um no Rio de Janeiro. O professor Fernando Lameiras, físico e pesquisador do CDTN mineiro, explica que o bombardeio dos cristais é feito com raios gama, a partir de um reator nuclear. O único do estado está localizado no Laboratório de Radiação Gama do CDTN, em prédio instalado em área do Ministério de Ciência e Tecnologia, anexo ao câmpus da UFMG. "A cor de uma gema se dá a partir dos elementos químicos que a formam e da irradiação solar. O bombardeio pode ser entendido como a aceleração de um processo natural que levaria milhões de anos para ocorrer. O principal objetivo da intervenção é agregar valor ao mineral", defende. Daí a cor não ser definida pelos pesquisadores, mas sim a partir dos elementos químicos dos quais a pedra é constituída. Para um quilo de gemas, o preço por dose de irradiação custa, em média, R$ 20. O tempo de exposição necessário para colorir a matéria-prima é variável.

Lameiras aborda a existência de outras tecnologias com o mesmo objetivo de agregar valor à pedra preciosa, como as técnicas de resinar e de coloração química. No entanto, a tecnologia empregada no CDTN tem sido a mais usada em gemas das famílias dos quartzos, berilos, topázios, turmalinas e espodumênios. "Geralmente, a escolha depende da característica e finalidade da gema. Os processos não são concorrentes. Pelo contrário, muitas vezes até se complementam."

Raimundo Viana, presidente do Sindicato das Indústrias de Joalherias, Ourivesarias, Lapidações e Obras de Pedras Preciosas, Relojoarias, Folheados de Metais Preciosos e Bijuterias no Estado de Minas Gerais (Sindijoias), ressalta a importância do emprego da tecnologia em prol do desenvolvimento desse mercado. "O Brasil é um país mundialmente reconhecido pela grande diversidade de suas gemas coloridas (mais de 150 espécies), localizadas em províncias minerais situadas principalmente em Minas Gerais – considerada a maior província gemológica do mundo, além de Goiás, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Bahia e Pará. Tamanha oferta justifica os investimentos no desenvolvimento do setor", diz.

Segundo Viana, a avaliação de uma gema segue o critério dos quatro Cs, sendo a coloração um dos destaques. "Para se estabelecer o valor de uma gema em particular devem ser observados, além da sua raridade e beleza, outros quatro fatores: tamanho (carat), cor (color), pureza (clarity) e lapidação (cut). No Brasil, o mercado tem valorizado muito os diversos tipos de turmalina, os quartzos rutilados, o topázio imperial, esmeraldas e a águas-marinhas, entre outras."

A tecnologia da irradiação é usada no Brasil desde os anos 1920, como explica o professor e pesquisador do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear Fernando Lameiras. No entanto, somente nas últimas duas décadas, a partir do emprego do design para o desenvolvimento da indústria joalheira, fabricantes nacionais têm optado pelo investimento em pedras mais baratas. "Nesse caso, a gema serve ao design e não o contrário." Para Raimundo Viana, o uso de gemas de menor valor, como os cristais citrino e ametista, é uma forma de preservar o valor das joias num patamar acessível ao consumidor brasileiro. Ele ressalta ainda que o fato de os designers nacionais estarem usando gemas coradas em grande escala tem diferenciado e impulsionado a indústria joalheira no Brasil e no mundo, onde tem recebido diversos prêmios. Desta forma, a qualidade e o "design nacional" das joias, além de contribuir para maior competitividade dos produtos, têm privilegiado a identidade cultural do país.

Tecnologia e design com fim social


Empregados na indústria joalheira, tecnologia e design também têm fins sociais. Exemplo disso é o projeto Da Gema do Centro Minas Design, desenvolvido pelo Centro de Estudos em Design de Gemas e Joias da Escola de Design da Universidade de Minas Gerais (Uemg) em parceria com outras entidades. Pioneiro em Coronel Murta, no Vale do Jequitinhonha, cidade que recebeu a instalação do Laboratório de Lapidação e Artesanato Mineral Itaporarte (Uemg/Fapemig), funciona por meio da capacitação de jovens da comunidade. O objetivo é transformar resíduos de minerais em joias e artesanato. No caso, o feldspato dá origem a peças como aneis e pingentes. "Não há custo de matéria-prima ou de maquinário. O projeto foi feito para profissionalizar os jovens a partir de uma tecnologia simplificada. A sofisticação está no design e na identidade do produto", descreve a coordenadora do Centro de Estudos em Design de Gemas e Joias, professora Bernadete Teixeira.

O Da Gema visa ainda ao uso sustentável da matéria-prima, agregando valor àquelas que não são passíveis de lapidação ou não são reconhecidas como atrativas para o mercado. Outra alternativa é usar gemas compostas, unidas como se fossem um compósito, onde cada um dos minerais traz o que tem de melhor. Um exemplo é a linha que une quartzo e rutilo.

"Nosso foco é o uso de materiais tradicionais de Minas, com ênfase naqueles que têm menor valor intrínseco, já que os valorizados têm mercado garantido. O projeto é então desenvolvido por pequenas unidades produtivas, como no Vale de Jequitinhonha, que tem potencial e matéria-prima, mas não tecnologia." Minerais como hematitas, quartzos e turmalinas, que não têm qualidade gemológica, são trabalhados em comunidades de Araçuaí, Teófilo Otoni e da capital. Para Bernadete, as peças produzidas têm características de joias. "O conceito de joia mudou, é um produto que tem valor não só pelo material, mas também pelo aspecto estético, e o trabalho colocado em todo o processo, que envolve desde a extração do mineral até a produção final do produto."

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