As Gemas Tratadas
Pércio de Moraes Branco
O consumidor que compra uma jóia com uma pedra preciosa sabe que a gema
nela contida passou por um processo de lapidação e que a forma que ela
exibe não é a forma que tinha na natureza. Sabe também que o brilho foi
melhorado com o processo de lapidação e provavelmente está ciente de que
se aproveitou uma porção da gema que não continha impurezas ou que as
tinha em quantidade e tamanho aceitáveis. O que o consumidor não sabe, a
menos que lhe seja informado pelo vendedor, é se a gema foi tratada ou
não.
Gema tratada é aquela em que uma propriedade física,
geralmente a cor, foi modificada para lhe dar mais valor. Uma
modificação na cor não significa necessariamente troca por outra, pois
pode ser apenas uma melhoria na cor natural. Nos casos em que a gema tem
uma propriedade apenas melhorada, pode-se dizer que ela é uma gema realçada, um caso particular de gema tratada.
São considerados aceitáveis os tratamentos que não alteram a composição
química da gema. Eles são de vários tipos e têm diferentes objetivos.
- Tingimento
- Tratamento térmico
- Impregnação
- Irradiação
- Difusão
- Preenchimento de fraturas
- Remoção de inclusões
- Clareamento
- HPHT(high pressure high temperature)
Tingimento
O tingimento visa a mudar a cor da gema. É muito usado, em todo o mundo,
para gemas como a ágata (Fig. 1). Também a howlita (Fig. 2), costuma
ser tingida.
Fig. 1 - Ágata tingida |
Fig. 2 - Howlita de cor natural (branca) e tingida |
As belas cores que se veem na ágata podem ser naturais, mas muitas vezes
são obtidas por adição de produtos químicos. As ágatas do Rio Grande do
Sul. maior produtor mundial dessa gema, se têm cor rosa, roxa, verde ou
azul, são tingidas. As cores vermelha e preta podem ser tanto naturais
quanto provenientes de tingimento.
Estima-se que pelo menos 90% das ágatas vendidas no mundo são tingidas,
mas daquelas procedentes do Rio Grande do Sul, consideradas as mais
belas do mundo, cerca de 40% apenas passam pelo tingimento.
A mudança de cor da ágata é possível porque ela é porosa e, além disso,
resistente ao calor e aos ácidos. Se as cores naturais são visualmente
agradáveis, não se usa tingimento; caso contrário, a ágata é colocada
numa solução que pode conter ferrocianeto de potássio, ácido crômico com
cloreto de amônio, açúcar ou percloreto de ferro com ácido nítrico e
sucata de ferro, dependendo da cor desejada. O tingimento pode ser feito
a frio (bem mais lento) ou com aquecimento. Em qualquer um dos casos,
porém, demora geralmente vários dias.
A porosidade das faixas é variável, de modo que algumas absorvem mais o
corante do que outras, aumentando assim o contraste entre as cores.
Como a solução tingidora penetra pouco na gema, o tingimento costuma ser
feito após a peça ser cortada e desbastada, mas antes de ser polida,
pois o polimento obstruiu os poros, dificultando a penetração do
corante.
O preço final é o mesmo para peças tingidas e para as não tingidas.
Se os corantes usados forem inorgânicos, a cor será estável; com
corantes orgânicos (usados, por exemplo, para obter cor rosa ou verde),
ela poderá enfraquecer com o tempo. O Museu de Geologia da CPRM possui
chapas de ágata nessas cores em que um lado é hoje bem mais claro que o
outro porque ficou voltado para cima no expositor, sujeito, portanto, à
ação da luz e, por conseqüência, ao enfraquecimento da cor.
O tingimento de uma gema pode ser seletivo. Lápis-lazúli, por exemplo,
pode receber tingimento azul apenas nas porções brancas, formadas por
calcita.
Tratamento térmico
Fig. 3 - Citrino obtido por tratamento térmico de ametista |
Muitas gemas podem mudar de cor quando aquecidas e são, por isso,
submetidas a tratamento térmico para obtenção de cores diferentes ou
para melhorar a cor original. São assim tratados rubi, safira, âmbar,
água-marinha, ametista, citrino, tanzanita, zircão, topázio e
turmalinas.
Um exemplo de tratamento térmico muito conhecido é o aplicado à
ametista. Esta variedade de quartzo tem cor roxa, mas, aquecida a cerca
de 475 ºC, transforma-se em citrino (Fig. 3), outra variedade do mesmo
mineral, de cor amarela ou alaranjada. É um tratamento que dá cor
estável e que é intensamente usado no Rio Grande do Sul para as
ametistas de cor fraca ou irregular.
Algumas vezes, também o quartzo incolor e o quartzo enfumaçado dão esse resultado.
A prasiolita é um quartzo de cor verde obtido por tratamento térmico a
500 oC de ametistas provenientes de Four Peaks, Arizona (EUA) ou de
Montezuma, Minas Gerais (Brasil).
Outra gema que costuma ser submetida a tratamento térmico é o topázio
amarelo, que fica vermelho (a 300-350 ºC), rosa ou azul. Essas cores
podem ser encontradas também em gemas naturais, mas os topázios de cores
rosa e vermelha encontrados no comércio são quase sempre produto de
tratamento térmico.
Águas-marinhas azuis de cor fraca podem ficar mais escuras e, portanto,
mais valiosas por tratamento térmico. Mais de 90% das águas-marinhas
dessa cor encontradas no mercado internacional são gemas amareladas ou
verdes que foram tratadas termicamente. Não se conhecem meios de
distinguir as águas-marinhas assim tratadas daquelas naturalmente azuis.
Rubis opacos aquecidos a 1.200 ºC ficam transparentes ou pelo menos translúcidos.
Impregnação
Algumas gemas porosas ou com fissuras podem ter sua cor ou transparência
melhoradas pela adição de óleos incolores, cera, resina natural ou
produtos sintéticos.
É costume tratar a esmeralda com óleos de índice de refração semelhante
ao seu. Normalmente, essa gema é cheia de fissuras e, além disso, é
normal haver nelas impurezas. Por isso, a esmeralda costuma ser lavada
com ácidos, que removem as impurezas das fraturas que se comunica com o
exterior, e, a seguir, é imersa em óleos naturais (como óleo de amêndoa a
quente) ou artificiais. Outra opção é o emprego de resinas, que também
melhoram a aparência, tanto das esmeraldas brutas quanto das lapidadas. É
muito usado o Opticon, resina tipo epóxi, após a qual se aplica uma
substância que promove sua polimerização.
Para introduzir o óleo, pode-se antes submeter a gema ao vácuo, visando a
remover ar e impurezas. Feito isso, ela é submetida a pressão, com
temperatura moderada (até 100 ºC).
Com o tempo, o óleo pode sair, sendo necessário fazer nova aplicação.
Irradiação
É a exposição de uma gema aos efeitos de uma radiação para alterar a cor. Há várias fontes de radiação usadas para esse fim.
O uso de raios X exige equipamento que é de fácil
obtenção, mas proporciona baixa uniformidade de cor, pouca penetração na
gema e, por isso, não é um processo comercialmente viável. Safiras
incolores ou amarelo-claras, sob ação de raios X ficam amarelas,
semelhantes a topázios.
A radiação mais usada são os raios gama. Eles têm boa
penetração na gema, dão cor com boa uniformidade e não deixam resíduo
radioativo. A estabilidade da cor final depende da gema tratada.
A irradiação por nêutrons penetra mais que as
anteriores, dá colorido mais intenso, mas deixa a gema radioativa. Desse
modo, é preciso esperar que essa radioatividade se dissipe para poder
comercializar o produto. Diamantes assim tratados ficam verdes e, se a
irradiação for seguida de tratamento, adquirem cor amarelo-canário.
Tanto esta cor quanto o verde não podem ser distinguidos das mesmas
cores de origem natural.
Fig. 4 - Quartzo incolor após irradiação |
O quartzo incolor, submetido a radiação gama, pode adquirir várias
cores, inclusive duas cores na mesma gema. Atualmente há uma grande
produção de pedras preciosas tratadas dessa maneira, cujas cores recebem
nomes comerciais como whisky, cognac, champagne e green gold (Fig. 4). O
mesmo tipo de quartzo, procedente de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
do Uruguai, pode ser transformado em prasiolita, a variedade que obtida
por tratamento térmico de ametistas, mas só das procedentes de Montezuma
(MG) e Four Peaks (EUA).
Ametista que perdeu a cor por exposição prolongada ao Sol pode tê-la de volta por ação de raios X.
Topázio incolor, por efeito da radiação gama, pode ficar amarelo e se,
após isso, sofrer tratamento térmico, passará à cor azul. O volume de
topázio azuis assim obtidos é de várias toneladas por ano.
Difusão
Este processo consiste em introduzir impurezas na gema por difusão de
óxidos a altas temperaturas (1.600 ºC a 1.900 ºC). A gema é colocada em
um cadinho, misturada a óxidos metálicos em pó e aquecida a alta
temperatura e em atmosfera adequada, por um tempo variável. O resultado é
uma fina camada muito colorida, de cor estável.
O processo é usado para rubis, safiras e topázios.
Preenchimento de fraturas
O preenchimento de fraturas e fissuras é feito com resinas e colas do
tipo epóxi. Elas tornam esses defeitos menos visíveis ou mesmo
invisíveis. O processo valoriza a gema, mas o tratamento não é estável. O
diamante é uma das gemas que recebe preenchimento de fraturas.
Esmeraldas também recebem esse tratamento, com substâncias que têm
índice de refração semelhante ao dela.
Remoção de inclusões
Raios laser e produtos químicos podem ser usados para remover impurezas de gemas, principalmente do diamante.
Clareamento
É o uso de produtos químicos ou outros processos para clarear a gema ou
para remover cores indesejáveis. Na grande maioria dos casos, quanto
mais escura a gema, mais valiosa ela é, mas há exceções. A turmalina
verde vale mais quando é clara, por se assemelhar mais à esmeralda.
Assim, usa-se tratamento térmico para deixa-la menos escura.
Safiras também podem ficar mais claras quando aquecidas.
HPHT(high pressure high temperature)
Centros de cor indesejáveis em diamantes podem ser removidos por tratamento que envolve alta pressão e altas temperaturas.
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