Segundo garimpeiros, chineses compram o cristal bruto sem nota fiscal, e legalização é feita por empresas brasileiras
Mesmo com a barreira do idioma, asiáticos ficam com 80% da produção das pedras em estado bruto e ditam as regras do comércio
Victor Schwaner/Agência Nitro | Filho de empresário chinês diante de cristal no jardim de sua casa, em MG |
ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A CURVELO E CORINTO (MG)
No refeitório do Bom Hotel, de Curvelo (a 160 Km de Belo Horizonte), cartazes avisam em chinês que é proibido cuspir no chão. Há quatro anos, compradores provenientes da China continental -onde é comum cuspir no chão, mesmo dentro de casa- descobriram o acesso aos garimpos de cristal de Minas Gerais, Bahia, Tocantins e Pará e, gradualmente, dominaram o mercado.
Eles absorvem 80% da produção e ditam as regras no comércio. As pedras saem em estado bruto para serem lapidadas na China e de lá são recolocadas no mercado internacional -inclusive no Brasil-, na forma de jóias semipreciosas, de bijuterias e de artigos para decoração, esoterismo ou medicina oriental.
Com mão-de-obra e maquinários baratos, a China se tornou imbatível na industrialização de pedras semipreciosas de menor valor, como o cristal, e tomou conta do mercado mundial nesse segmento. Os lapidários de Minas Gerais entraram em declínio, com a valorização do real (que encarece o produto brasileiro no exterior) e a concorrência chinesa.
Alguns empresários abandonaram a lapidação e passaram a vender pedras brutas para os rivais asiáticos, que pagam em dinheiro e à vista. Outros terceirizaram a lapidação e passaram a contratar o serviços de fundo de quintal para reduzir custos.
""Recuamos aos tempos coloniais e voltamos a ser exportadores de matéria-prima e importadores do produto industrializado", queixa-se José Jesus Facuri, presidente da Associação Mineral do Centro de Minas e dono da empresa Quartzo Rosa, de Curvelo. Das 14 máquinas de lapidação que possui, 10 estão ociosas.
Sílvio Aparecido de Almeida, 31, dono da Sílvio Pedras do Brasil, também de Curvelo, percebeu o impacto da entrada dos chineses com antecedência e mudou de ramo: desativou a lapidação -que chegou a empregar 40 pessoas- em 2005 e passou apenas a intermediar a venda de cristal bruto. ""Das minhas vendas, 80% são para a China", diz ele, que está de viagem marcada para aquele país, a convite de importadores.
Chien Chiu Sheng, de Taiwan, um dos maiores compradores de cristal do país, faz coro com os brasileiros na queixa contra a competição da China comunista. Diz que sua empresa, a IAS do Brasil, sediada em Curvelo, chegou a empregar 140 pessoas, que trabalhavam na classificação e no beneficiamento de cristal exportado para a matriz, em Taiwan. Ele diz que já reduziu o número de empregados para 35 e que outros 20 estão sendo demitidos.
""Não dá para concorrer. A jornada de trabalho na China continental é de nove horas diárias, com um dia de folga por mês. Um empregado de lapidação custa o equivalente a US$ 230 por mês na China, semelhante ao custo no Brasil, mas não há os encargos trabalhistas daqui, e o maquinário custa 80% menos do que no Brasil."
Chien disse que sua empresa decidiu fazer a lapidação de cristal na China continental.
Sem nota
Segundo garimpeiros, os chineses compram o cristal bruto sem nota fiscal, diretamente nos garimpos, ou de intermediários. A legalização da mercadoria é feita por empresas brasileiras, que exportam o produto para empresas indicadas pelos chineses.
O que chama a atenção na ação dos chineses é a rapidez com que descobriram os canais de acesso aos garimpos, apesar da barreira da língua.
Segundo os comerciantes de cristal, a China tem reservas próprias, mas elas estão localizadas no norte do país, nas áreas mais geladas, e só ficam ativas poucos meses por ano. Os compradores de cristal são enviados pela indústria de lapidação chinesa.
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