segunda-feira, 14 de outubro de 2013

De como Bidoca Getirana e Lauro Cordeiro identificaram a opala em Pedro II

De como Bidoca Getirana e Lauro Cordeiro identificaram a opala em Pedro II


  gemas de Opala gemas de Opala
Um rapaz que não é o do conto do Machado, mas que também é metido a poeta  me confidenciou uma história mantida com uma das escritoras da coletânea acerca de um texto que eu escrevera no qual dizia que o senhor Lauro Cordeiro e meu avô haviam identificado a primeira gema de opala encontrada em Pedro II. “Diga ao Ernâni para ter cuidado com o que escreve”, teria dito a senhora escritora ao rapaz.



Senti-me um Galileu! “Tenha cuidado com o que você escreve, senhor Galileu, isso é muito perigoso. Olhe a Inquisição”. Isso porque sempre tive (e continuo tendo) o maior respeito pela senhora escritora. Meu texto devia ser bom mesmo, porque, do contrário, uma pessoa como ela não o leria. O que era só uma desconfiança se mostrou verdadeiro quando, em setembro de 2008 um professor da Universidade Federal de Minas Gerais, de passagem por Pedro II como participante do Projeto Rondon, deu um jeito de marcar comigo e com uns amigos um encontro num shopping local para comentar meu texto que ele conhecera ao folhear o livro no Museu da Roça .

Em primeiro lugar, como já disse, não fiquei nem um pouco ofendido com a senhora escritora. Em segundo lugar o rapaz me confidenciou a conversa por se julgar meu amigo. Em terceiro lugar o texto que escrevera era de cunho literário e, quarto lugar, não dissera nem uma inverdade, pois me pautara em outro texto de autoria da professora Tangnet Galvão no qual afirmava haver sido mesmo o senhor Bidoca um dos “primeiros a identificar a opala em Pedro II”. Posteriormente, quando de minha tese de mestrado citei a professora Tangnet Galvão, pois seu texto é fruto de uma pesquisa que fizera, sendo até então, um dos raros trabalhos sobre a opala publicados. Eis meu texto:

O senhor Bidoca Getirana já era um homem casado com dona Luizinha quando um dia, aí pelo final de 1930 um caboclo (de nome Simão) das bandas do lugar conhecido como Boi Morto lhe trouxe uma pedra muito bonita, leitosa e com umas faisquinhas furta-cores de dar gosto. Seu Bidoca colocou a tal pedra como peso sobre as folhas de papel ao maço que sempre utilizava para anotar suas observações sobre os mais variados assuntos.

De tanto ficar olhando para aquela espécie de cristal como acreditava ser, resolveu levá-la ao médico da cidade que se sabia ser também um homem que entendia de minérios. O médico Lauro Cordeiro ficou muito impressionado como o achado e disse ao meu avô que se ele permitisse enviaria a tal pedra a um amigo geólogo da capital. Assim foi feito.


Coisa de um mês depois o médico adentrou à casa de meu avô com os resultados da averiguação: tratava-se de uma pedra semi-preciosa chamada opala. Por esses tempos também souberam de um morador de um senhor de nome João Alberto Vieira, da localidade Centro que havia encontrado outro exemplar muito parecido com o do médico e do meu avô. Nova constatação: era opala.

No entanto a extração da pedra em larga escala só aconteceria muito tempo depois, por volta de 1976. Apesar de ter sido um dos primeiros a identificar a opala em Pedro II, meu avô nunca enriqueceu com seu achado. Morreu um homem modesto, segurado do INSS.

O engraçado é que essa estória de ele ser um dos que encontraram opala em Pedro II durante muito tempo ficou esquecida da família até que em 2001 a professora Tangneth Galvão ao realizar uma pesquisa sobre essa pedra semipreciosa chegou a essa versão que foi logo comprovada por algumas pessoas que, ou presenciaram o fato, ou que de uma forma ou de outra haviam sabido dele mais a fundo. Minha mãe contava a tal história, mas numa versão meio superficial, sem os devidos detalhes. E isso me fez aprofundar não apenas minhas pesquisas sobre a vida de meu avô, como também refletir sobre como as famílias modestas como a minha deixam ao largo fatos contundentes como este, ao passo que as ditas “famílias importantes” de um fato insignificante ou mesmo inexistente tecem uma epopéia que atravessa décadas e na qual se crê como se narrada fosse num livro sagrado.

Pequeno garimpeiro da minha Boi Morto

Ora, creio sinceramente que outras belas e significativas histórias há em Pedro II e muitas das quais tomaram parte homens do povo. Onde está agora tudo isso? Algum figurão deve ter se apropriado destes feitos e os tornado “feitos de sua família”. E enquanto andavam com suas casacas bem passadas e com suas botas lustrosas e com suas unhas bem cortadas e com suas cuecas lavadas e cheirando a lavanda, eram as lavadeiras, as passadeiras, os sapateiros e outras dessas gentes todas que tornavam os manda-chuvas uns pavões em vôo altaneiro tendo esse povo apavonado sempre diante de si um espelho a refletir suas vidas maravilhosamente salpicadas de lantejoulas e de fitas das mais variadas cores. Tudo muito falso, mas igualmente verdadeiro, pois tudo devidamente crivado nos livros da escola. Definitivamente é preciso que reescrevamos nossa História. As versões dessa História de Pedro II apresentadas até aqui são ou fantasiosas ou superficiais ou ambas. Não se sustentam em pé. Nem ficam de quatro, estatelam-se por completo na lama do barro.

Sr. Simão, primeira pessoa a encontrar uma gema de Opala, em Pedro II

Creio mesmo que seja praticamente impossível alguém, com base científica, boa pesquisa história e coisas do gênero, não pôr por terra em dois tempos as baboseiras que ainda hoje são ensinadas a nossos alunos em muitas das pesquisas sobre a “terra da opala”. Os fatos ali narrados geralmente mostram um dos lados da História (das classes dominantes) como se todo o conjunto da sociedade não passasse de um rebanho bem treinado, disposto a se sacrificar a cada período eleitoral, a cada período de estiagem, por exemplo, em nome de uma meia dúzia de pavões empoleirados cheios de não-me-toques.

Garimpo Boi Morto, o segundo garimpo de opala mais antigo do mundo Foto: Google Map.

Assim é que quando surgiu ainda nos anos de 1950 a história de que em Pedro II um tal cavaleiro andava a vagar através da madrugada para as bandas da Igreja Matriz ou que estava perto o dia em que a própria igreja viria abaixo pelo abalo estrondoso de uma baleia que viria nadando desde Parnaíba por uma fenda subterrânea, logo os manda-chuva trataram de desqualificar estas histórias e ameaçaram com pisas de reino uma penca de caboclos que teimavam em contar esses casos em rodas de bodegas. Havia um ou outro soldado de prontidão eterna com as ouças bem afinadas para captar qualquer palavreado que costurasse mesmo por longe essas “tagarelices de gente doida”, como se chamavam as conversas dessa gente simples.

Mas isso pode até vir a ser assunto para outro livro. Por hora vou transcrever a anotação feita por meu avô em seu caderno de número 6, página 60, datada do dia 15 de setembro de 1930:

Caminho do garimpo Boi Morto, Pedro II-PI.

“Definitivamente sou um homem de sorte ou de muito azar. Tudo dependendo, é claro, do ponto de vista de quem queira ver por um ângulo ou por outro. O certo é que um homem que conheço de há tempo, morador do lugar Boi Morto me apareceu hoje pela manhã à porta de casa. O cidadão havia amarrado o burro no tronco do pé de figueira de forma que deparei-me de imediato com o burro, não com o homem. Este só me apareceu alguns segundos mais tarde, vindo do lado da janela. Com o chapéu em uma das mãos o homem me saudou com um enorme bom dia e a que eu respondi com menos entusiasmo. Confesso que não sou lá dado a arpejos logo pela manhã, pelo menos não antes do meu chá mate. Este, por sinal, já estava me esperando lá na trempe do fogão. Convidei o cidadão a entrar e acompanhar-me no café da manhã. Coisa que ele a princípio rejeitou. Mas, enfim, estávamos agora ali sentados à mesa da copa ele tomando café e eu meu chá mate. Foi quando ele abrindo um alfoge que trazia o tempo todo por cima de um dos ombros e só o depondo ao chão quando sentou-se à mesa do café, pois o homem curvando-se ao pé da mesa onde agora repousava o alfoge tirou de dentro deste um pano que parecia ser um pano de prato com alguma coisa por ele coberto. Pô-lo sobre a toalha da mesa e abriu aquilo como se fôra as pétalas de uma rosa rara. Confesso que tanto cuidado e esmero por parte da visita tinha lá sua razão de ser. Olhe que o sol mal tinha saído, pois um raiozinho assim dele filtrado pelas folhas do pé de goiaba do quintal rompendo de lá o espaço veio dar cá sobre aquela superfície leitosa daquela pedra e então explodiu em um feixe de cores das mais variadas. E enquanto eu olhava para aquela belezura toda o homem falava, mas que eu nem conseguia entender qual era a essência do que ele dizia. Só depois de algum tempo as palavras do sujeito foram me chegando à mente e ganhando algum espaço no meu cérebro ainda encharcado pela bela que emanava daquela pedra cor de leite de onde naquele ponto em que o raio do sol a beijava explodia aquele arco-íris de pura beleza e magia.”... e então eu me lembrei de trazer ela pro senhor, que é um homem estudado e que saberá do que se trata”. E o senhor Crispim (era o nome do homem) se despediu e disse que ainda passar na casa da parentada antes de voltar pra o interior. De minha parte firmei o compromisso de averiguar do que se tratava aquela pedra e que logo que eu tivesse alguma notícia ele saberia em primeiro lugar”.

O que meu avô não sabia é que Crispim (morador do senhor Raimundo Monteiro) mostrara no mesmo dia outra pedra de opala ao senhor Lauro Cordeiro, médico e político local. Portanto quando outro morador dos Joaquinos, do lugar Centro, conhecido como João Alberto apresentou algum tempo depois exemplares da pedra ao meu avô, coincidiu que os resultados avaliativos de autoria de um geólogo da capital chegaram praticamente no mesmo dia a Pedro II. De modo que quando o senhor Lauro Cordeiro apresentou a meu avô os resultados geológicos ambos caíram na risada, pois meu avô metendo a mão no bolso do paletó retirou um resulto idêntico. O “encontro para se tratar de coisa muito importante” proposto pelo senhor Lauro Cordeiro aconteceu ao redor da mesa da casa deste onde se tomou café, chá-mate e fumou-se muito charuto. Quem não gostou muito da reunião foi o coronel Brasão que por esse tempo era inimigo ferrenho do doutor Lauro. Meu avô estava acima destas trivialidades da política, embora seguisse boa parte da cartilha do coronel. Mas o conhecimento para Bidoca Getirana estava acima de tudo, inclusive das divergências políticas e mesmo pessoais.

A partir dessa data (fins de 1930) em outros lugares como Bom Lugar, de propriedade do senhor Pedro Braga e Roça foram encontradas pedras de opala que, durante muito tempo, serviram apenas para segurar portas contra as rajadas de vento, inclusive as da casa de meu avô. Ou como peso para manter os papéis do senhor Bidoca presos à sua escrivaninha, sem voar, como já mencionei. Os papéis não voavam. Voava, sim a sua imaginação que em meados de 1931 escreveu isso em seu caderno de nº 7:


“Já se vai para mais de seis meses que venho aprofundando minhas pesquisas sobre a tal opala. Creio mesmo que as tais pedras a mim trazidas por Crispim valham alguma coisa, embora comércio para elas não exista de todo pelo menos pó onde tenho andado. Mas no futuro julgo que toda uma estrutura de extração de opala haverá em Pedro II e se minhas previsões se confirmarem acho mesmo que um dia ainda este lugar será chamado de “terra da opala. Hoje me foi oferecido um terreno nas proximidades do tal Boi Morto e resolvi comprá-lo por --- contos de reis. O diabo é que com essa Revolução tudo pode acontecer. É tempo das canetas descansarem e das espadas e fuzis irromperem contra a carne humana de uns e de outros”.


Sr. Epifânio Pinto Getirana (Bidoca) e netos.



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