Garimpo
A reserva que brilha
Estudos mostram que
a terra
dos cintas-largas,
palco do massacre de garimpeiros,
pode abrigar
uma das maiores jazidas de diamante
do mundo
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Vista aérea da reserva: garimpo ilegal
continua ativo, com tendas montadas às margens do Rio
Roosevelt |
A área indígena dos cintas-largas,
conhecida como Reserva Roosevelt, é uma imensa floresta de
2,7 milhões de hectares ao sul de Rondônia. A maioria
dos brasileiros ouviu falar dela pela primeira vez em abril deste
ano, quando a região foi palco do massacre de 32 garimpeiros,
assassinados a tiros e machadadas por um grupo de índios,
a pretexto de defender seu território. As principais companhias
de mineração do mundo, no entanto, há muito
se interessam pela região – e não é à
toa. Pelo menos desde 1993, companhias estrangeiras sabem que o
território – que tem o tamanho equivalente a dezoito
cidades de São Paulo – esconde aquilo que pode ser uma
das maiores jazidas de diamante do mundo. VEJA teve acesso a dois
estudos encomendados por diferentes empresas de mineração,
uma inglesa e outra americana. Os dois apontam para uma mesma conclusão:
a riqueza que dorme no subsolo da Roosevelt é incalculável.
Por meio de sobrevôos de aviões equipados com detectores
magnéticos, os especialistas contratados pelas empresas descobriram
que as terras dos cintas-largas abrigam nada menos que vinte kimberlitos
– imensas formações rochosas que, ao brotarem
do subsolo, trazem os diamantes das profundezas da terra para perto
da superfície. Para entender o significado dessa descoberta,
basta dizer que as catorze maiores jazidas de diamante do mundo
têm, cada uma, um único kimberlito. Isso significa
que, se numa projeção pessimista a área contar
com apenas um kimberlito produtivo, pode render, segundo especialistas
consultados por VEJA, algo em torno de 1,5 bilhão de dólares
por ano. Toda essa riqueza permanece inexplorada em escalada industrial,
com benefícios para o Brasil, por dois motivos. O primeiro
é que a legislação proíbe a extração
de minérios em áreas indígenas. O segundo é
que o governo, até agora, não tinha a menor idéia
do imenso tesouro que a reserva esconde. O Departamento Nacional
de Produção Mineral nunca fez um estudo semelhante
na área e, por enquanto, desconhece os que foram produzidos
pelas companhias inglesa e americana.
Interfoto
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O cacique cinta-larga João Bravo: caminhonete
de 50 000 reais |
A área indígena hoje é
uma terra de ninguém. A corrupção na região,
endêmica, envolve índios, garimpeiros, policiais e
contrabandistas, que ora se associam na extração ilegal
de diamantes, ora brigam por ela. Pelo menos desde 1999 e até
o massacre de abril, os cintas-largas mantiveram uma espécie
de sociedade clandestina com garimpeiros de Rondônia. Mediante
um pedágio de 1.000 reais por
pessoa e 10.000 reais por máquina
destinada a explorar os aluviões – depósitos
fluviais de minério –, os caciques davam aos interessados
sinal verde para a retirada das pedras. Nos kimberlitos, onde a
concentração de diamantes é muito maior, eles
não têm tecnologia para trabalhar. A Polícia
Federal, que desde 2002 investiga a região, apurou que os
garimpeiros repassam as pedras extraídas ilegalmente para
contrabandistas, que, com a ajuda de funcionários públicos
e policiais, cuidam de "lavá-las" e despejá-las no
mercado internacional. Segundo a PF, mais de 90% dos diamantes extraídos
no Brasil são contrabandeados. A maior parte dessa mercadoria
sai da Roosevelt. O delegado Mauro Sposito, que comanda as operações
em Rondônia, afirma que, mensalmente, escoam da terra dos
cintas-largas 20 milhões de dólares em pedras contrabandeadas.
VEJA sobrevoou a área no início do mês e constatou
que o garimpo ilegal continua em atividade, com dezenas de tendas
montadas à margem do Rio Roosevelt.
Dida Sampaio/AE
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Massacre dos garimpeiros: 32 mortos |
Os cintas-largas tiveram as terras demarcadas
em 1973. Até 2002, não haviam sido incluídos
em nenhum dos dois grandes programas de financiamento de infra-estrutura
do governo federal. Como ocorre nos morros cariocas, a ausência
do poder público fez com que se aliassem a organizações
criminosas para obter dinheiro e melhorias para sua tribo. Na década
de 80, associaram-se a madeireiras na extração de
mogno clandestino. No fim da década de 90, juntaram-se aos
garimpeiros e contrabandistas de diamantes. A aliança se
mostrou lucrativa. Hoje, os caciques cintas-largas dispõem
de caminhonetes importadas e uma associação que conta
com o serviço de três advogados para defender seus
interesses. Apoiados pela Funai, reclamam o direito de explorar
legalmente a jazida. Oito mineradoras estrangeiras querem também
operar na região. Autorizadas pelo governo, elas estão
presentes nas imediações da área indígena
com a missão oficial de "pesquisar" o solo da região.
A esperança dessas mineradoras é que, com uma eventual
mudança da legislação, sejam autorizadas a
explorar as terras que hoje pertencem aos índios. Em meio
a esse cenário, tudo o que o governo faz, sem sucesso, é
tentar administrar o caos. Só nos últimos cinco anos,
sessenta pessoas morreram em conflitos envolvendo índios
e garimpeiros.
Não precisava ser assim. O Canadá,
por exemplo, hoje colhe os louros de uma exemplar política
de extração de diamantes iniciada em 1991, quando
o país descobriu a primeira das três minas atualmente
em atividade. Assim como no Brasil, elas estavam localizadas em
terras indígenas. Por meio de uma negociação
com as lideranças nativas, o governo conseguiu abrir caminho
para a exploração industrial das jazidas. Incentivou
a instalação na região de mineradoras nacionais
e estrangeiras, que são submetidas a uma rígida legislação
ambiental. Elas repassam uma porcentagem do lucro obtido com a extração
de diamantes para os índios, geram empregos e pagam impostos.
Só no ano passado, os investimentos das mineradoras alcançaram
500 milhões de dólares. Hoje, o Canadá é
o terceiro maior produtor de diamantes do mundo. Enquanto isso,
o governo brasileiro nunca viu sair um tostão da terra dos
cintas-largas, cuja situação até hoje só
produziu devastação ambiental, evasão de divisas
e violência.
Índios,
mas não muito
Pablo Valadares/AE
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Protesto de índios em Brasília:
em Roraima, eles têm até laptop |
Documento encaminhado ao governo federal
há dois meses por uma comissão de deputados
propõe a revisão dos critérios
para homologação de territórios
indígenas no país. A proposta, assinada
pelo deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), surgiu depois
que uma equipe de parlamentares visitou a área
indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Com
1,7 milhão de hectares, a área fica na
divisa com a Guiana e a Venezuela e é um dos
124 territórios indígenas em conflito
no país. Lá, a briga entre índios,
agricultores e garimpeiros já dura trinta anos.
"Chegamos à conclusão de que algumas áreas
só se tornam territórios indígenas
para conveniência de alguns grupos", diz o deputado
Asdrubal Bentes, do PMDB-PA, integrante da Comissão
da Amazônia. "Algumas ONGs internacionais, por
exemplo, extrapolam suas funções e incentivam
os índios a transformar seus territórios
em uma espécie de área independente do
país", reclama. Na Raposa Serra do Sol, vivem
15.000 índios, de
quatro diferentes etnias. Muitos deles, observaram os
deputados, têm carro e casa na cidade. Convidados
por parlamentares a apontar no mapa os limites da reserva,
caciques sacaram de laptops. "Os índios lá
nem índios são mais", afirma Bentes.
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