"Serra Pelada: A Lenda da Montanha de Ouro" mostra origens e consequências da exploração do garimpo brasileiro
Diretor do documentário, Victor Lopes diz que projeto de ficção que também está em cartaz nos cinemas é estilizado e distante da história real que impressionou o mundo nos anos 1980
Em cartaz em Porto Alegre desde sexta-feira, no CineBancários, o documentário Serra Pelada – A Lenda da Montanha de Ouro complementa o registro ficcional que, desde a semana passada, pode ser visto no longa-metragem Serra Pelada.
O documentarista Victor Lopes segue o modelo das grandes reportagens para exibir um painel bastante completo com as origens e as consequências da corrida do ouro que movimentou o sul do Pará e impressionou o mundo no começo dos anos 1980. O garimpo de Serra Pelada chegou a atrair cerca de 100 mil trabalhadores, protagonistas de sonhos realizados e de tragédias pessoais e figurantes de negócios nebulosos que interligaram interesses do governo militar — por meio de companhias exploradoras de minério, como a Vale do Rio Doce, e da Caixa Econômica Federal, agente financeiro da epopeia — e de latifundiários que se apoderaram de terras na região.
O diretor destaca os aspectos econômicos, sociais e políticos do episódio, esmiuçando temas como a tensão agrária no Pará e a influência de figuras como o oficial do Exército Sebastião Curió. Líder do combate à guerrilha do Araguaia e depois agente do Serviço Nacional de Informações (SNI) na região Amazônica, Curió, ainda durante a ditadura militar, tornou-se o “cacique” de Serra Pelada.
Lopes conta ainda com depoimentos de ex-garimpeiros, geólogos, jornalistas que cobriram a busca pelo ouro, de Eliezer Batista, ex-presidente da Vale e grande estrategista de infra-estrutura nacional em diferentes governos, além de preciosas imagens de arquivo.
Confira entrevista do diretor a Zero Hora:
Zero Hora — O que o motivou a tocar esse projeto por uma década e quais foram suas maiores dificuldades e recompensas no processo?
Victor Lopes — Samuel Fuller dizia que o cinema é um campo de batalha, e eu gosto de brincar a sério de que, para mim, cinema é garimpo. Serra Pelada é uma história única no Brasil e no mundo. Cem mil homens transformando com trabalho braçal uma montanha de 150 metros num lago de 150 metros de profundidade, cercado de miséria, disputas e lendas até hoje. No meio da Floresta Amazônica ainda intocada, a maior corrida do ouro do século 20, e a segunda maior concentração de trabalho humano depois das pirâmides do Egito, é também uma síntese contundente da história recente do país. Ouro puro para sonhar um filme. A possibilidade, e honra, de traduzir essa grande saga me levou a filmar na região por 11 anos, decantando e montando o material como se fosse um romance. Nesse tempo, lancei outros três longas, dois curtas, fiz instalações em dois museus. Mas tive um zelo enorme pelo projeto, mesmo diante das dificuldades de comprar todos os arquivos e lidar com os desafios da montagem na narrativa de uma história de 40 anos. A grande recompensa foi ter em aproximado de pessoas muito especiais e saber que a força dessas vidas e dos anos de trabalho vai voltar nas telas.
ZH — Falando em garimpagem, como se deu a busca por imagens de arquivo e quais foram as suas fontes, sobretudo os registros em filmes como aquele narrado por Orson Welles?
Lopes — Adoro as fases de pesquisa de um filme, seja em campo, seja em arquivos. No caso do Serra Pelada, sabia que tinha muito ouro pela frente, mas me surpreendi com a força das imagens que encontrei. Tive o privilégio de usar excelentes fotografias de geólogos da Vale, entre as quais as únicas do morro original antes de ser desmatado numa única tarde. Inclusive, Breno Santos, personagem do filme, é também autor da foto do pôster. Um dia, filmando na casa de Eliezer Batista, ele me revelou que seu filho Dietrich tinha produzido um filme lá. Dietrich comentou que o filme tinha locução do Orson Welles, "que não parou de mexer no texto". Saiu da sala e voltou com uma lata de 16mm de Goldlust, documentário produzido pela ABC e dado como perdido há muito tempo. E caiu mais um tesouro nas nossas mãos.
ZH — Eliezer Batista fala das peculiaridades de Serra Pelada ter existido em meio a tantas irregularidades legais, graças à conivência de militares, latifundiários e políticos com interesses diversos, exemplo do típico arranjo brasileiro em que todos tentam levar vantagem. Durante a realização do filme, lhe pareceu mesmo isso, que o governo militar não soube avaliar e tampouco administrar todo aquele potencial de riqueza do garimpo?
Lopes — Depois da saga inicial, que atraiu 30 mil homens em poucas semanas, Serra Pelada transforma-se uma grande coreografia do governo militar. Mesmo no meio da Amazônia seria muito complicado retirar tanta gente de cima do ouro que não parava de brotar da Grota Rica. Assim, o governo decidiu intervir através do Curió, que proibiu armas, mulheres e bebida, transformando o garimpo num quartel, mas um quartel movido por uma poderosa energia humana e histórica, consciente e coletiva no transe da sua própria febre. Ali, com 80 mil homens controlados por 16 policiais e quase sem ocorrências, tanto a Caixa quanto a Vale faturaram alto com a venda do ouro, que era comprado como ouro bruto, mas muitas vezes tinha valor maior pelos outros metais agregados, como platina e paládio. O interesse militar que era estratégico como contrainformação para a influência da Guerrilha do Araguaia na região, acabou resvalando para um lucrativo projeto econômico e uma exótica ação de propaganda.
ZH — É bastante emblemática a figura do Major Curió, que saiu das sombras da ditadura como responsável por mortes e torturas de guerrilheiros no Araguaia para erguer seu império político na região como líder dos garimpeiros, inclusive se voltando contra o próprio governo militar. Que juízo você faz do Curió após ter realizado o filme?
Lopes — Curió desde o início foi solícito e aberto para falar sobre Serra Pelada. Naturalmente, ele foi evasivo quanto a certos pontos da Guerrilha do Araguaia, mas me recebeu sempre com respeito e atenção. Naturalmente, ele está muito presente no filme pois é personagem decisivo nesta e em qualquer história. Um militar que desintegra uma guerrilha na selva, se transforma em agente secreto e depois em interventor do maior garimpo do mundo. Eleito deputado, rompe com o Governo e a Vale e funda a cooperativa que depois assume o garimpo, funda uma cidade com seu nome e se torna seu prefeito por três vezes. Cassado por corrupção, acaba afastado dos garimpeiros e do poder. É uma trajetória pra nenhum roteirista pôr defeito. Numa entrevista sempre deixo que a pessoa conte a própria história, mesmo que seja de um universo ou crença distante do meu. Agora, é importante salientar que não julgo os meus personagens, confio no subtexto que os acompanha e, acima de tudo, na sensibilidade e visão de quem vê o filme.
ZH — Os garimpeiros, mostra o seu filme, eram simpáticos ao governo militar, visto por eles como um benfeitor. Na sua opinião essa foi uma postura ingênua ou a postura conveniente com a situação?Lopes — Os garimpeiros dependiam do Estado para rebaixar as laterais do garimpo e bombear a água do lençol freático no fundo da cava. Por sua vez, o governo comprava o ouro acima do preço mundial, o que evitava qualquer contrabando, e lucrava com a operação. Os garimpeiros dependiam da autorização anual para continuar garimpando. Então, ingenuidade e sagacidade andavam lado a lado. Surpreendentemente, após sofrer intervenções militares em todos os governos, de Figueiredo a Lula, Serra Pelada pode também ser considerada a mais bem-sucedida invasão popular da história do Brasil.
ZH — É interessante o personagem que fala da sinuca em que o governo ficou quando não dava mais para dispensar milhares de garimpeiros, sob risco de tensionar a luta por terras na região. Serra Pelada, assim, teria sido um algodão entre cristais, um "prejuízo" econômico administrável em nome de uma causa política maior?
Lopes — Com certeza, a possibilidade de agravar a luta fundiária com dezenas de milhares de famílias buscando terra, fazia parte das considerações dos militares. Mas não foi de forma alguma um prejuízo. Além da propaganda interna e externa, o ouro de Serra Pelada é agregado a platina e paládio, que valem muito mais do que o metal. Ficou público e notório que o ouro do garimpo gerou reservas importantes para pagar a dívida externa na época, que incluiu o depósito de mais de duas toneladas de platina na corretora Morgan Stanley.
ZH — O agravamento da tensão agrária no Sul do Pará que se vê nos últimos anos tem alguma relação com Serra Pelada?Lopes — Uma das maiores revelações para mim foi explicitar um DNA entre a Guerrilha do Araguaia, Serra Pelada e o movimento dos sem terra. Vários personagens viveram esses momentos e, como mostra o filme, dos 19 mortos no massacre de Eldorado dos Carajás, 16 eram ex-garimpeiros de Serra Pelada. A história fala por si e ainda está sendo escrita.
ZH — Essa razão acima seria a justificativa para o governo militar não ter agido com mais rigor para preservar e explorar um patrimônio nacional?
Lopes — Não faz sentido, na visão do Estado (e também de empresas privadas), deixar de explorar a segunda maior província mineral do planeta. Carajás é chamada de "China Brasileira" pelos seu altíssimo e constante crescimento econômico nas últimas décadas. Só do município de Parauapebas saem 13% de todas as divisas das nossas exportações. É uma região estratégica para o país. E, curiosamente, outra das lendas locais diz que foram os comunistas da guerrilha os primeiros a pedir alvarás de exploração.
ZH — As histórias pessoais de riqueza fugaz transformada em desgraça, embora tenham sua graça em alguns casos, revelam dramas amargos. Foi difícil falar com os garimpeiros que tiveram a chance de mudar de vida e hoje estão em dificuldades? Eles não se constrangem com isso?
Lopes — O garimpo é um transe que não se encerra na memória de quem viveu lá. Contar com a confiança desses homens foi decisivo para o filme, e uma profunda responsabilidade ética para mim. Todo ser humano tem vontade de contar a sua história, e Serra Pelada é uma fábula viva de muitas vozes que agora se funde na tela. Por isso, o verdadeiro guardião dessa história é o coração do espectador.
ZH — Por que, na sua opinião, não ocorreu outra corrida do ouro como aquela, já que existem indícios de ainda haver muita riqueza na região?
Lopes — Como diz o ativista Etevaldo Arantes, as empresas são feitas para durar séculos e os homens, décadas. Não há mais espaço para eles, num território dominado por grandes interesses que jogam com a lei e o tempo a seu favor, esperando que esses homens morram todos um dia. Mas o seu sonho e a história que escavaram vai durar muito mais do que governos e empresas. E embaixo de tudo, tem uma laje de ouro.
ZH — Em que medida o longa de ficção Serra Pelada, do Heitor Dhalia afeta teu projeto? Atrapalha ou ajuda a dar mais visibilidade? O que você achou da proposta ficcional dele?
Lopes — Exibimos o documentário em abril, no (festival) É Tudo Verdade, e foi interesse dos exibidores lançar o filme próximo à ficção do Heitor Dhalia. A distribuição do filme é feita pela própria produtora TvZero, e, numa grande operação de guerrilha, estamos fechando várias cidades, com boa recepção. Nesta nova idade do ouro do cinema brasileiro, acho que soma para os dois filmes estarem em cartaz juntos, na medida em que o público pode conhecer mais a fundo essa história. Costumo dizer que Serra Pelada permite cem mil épicos num lugar só, e um de meus próximos projetos é ambientado na região nos dias de hoje. Com todas as concessões que se devem fazer a uma obra de ficção, achei o filme do Heitor Dhalia estilizado e distante da história real de Serra Pelada. No meu trabalho, tempo e história são dois fundamentos do cinema, e neste caso, com todo o apreço e respeito que tenho pela ficção, fico do lado da realidade.
Confira entrevista do diretor a Zero Hora:
Zero Hora — O que o motivou a tocar esse projeto por uma década e quais foram suas maiores dificuldades e recompensas no processo?
Victor Lopes — Samuel Fuller dizia que o cinema é um campo de batalha, e eu gosto de brincar a sério de que, para mim, cinema é garimpo. Serra Pelada é uma história única no Brasil e no mundo. Cem mil homens transformando com trabalho braçal uma montanha de 150 metros num lago de 150 metros de profundidade, cercado de miséria, disputas e lendas até hoje. No meio da Floresta Amazônica ainda intocada, a maior corrida do ouro do século 20, e a segunda maior concentração de trabalho humano depois das pirâmides do Egito, é também uma síntese contundente da história recente do país. Ouro puro para sonhar um filme. A possibilidade, e honra, de traduzir essa grande saga me levou a filmar na região por 11 anos, decantando e montando o material como se fosse um romance. Nesse tempo, lancei outros três longas, dois curtas, fiz instalações em dois museus. Mas tive um zelo enorme pelo projeto, mesmo diante das dificuldades de comprar todos os arquivos e lidar com os desafios da montagem na narrativa de uma história de 40 anos. A grande recompensa foi ter em aproximado de pessoas muito especiais e saber que a força dessas vidas e dos anos de trabalho vai voltar nas telas.
ZH — Falando em garimpagem, como se deu a busca por imagens de arquivo e quais foram as suas fontes, sobretudo os registros em filmes como aquele narrado por Orson Welles?
Lopes — Adoro as fases de pesquisa de um filme, seja em campo, seja em arquivos. No caso do Serra Pelada, sabia que tinha muito ouro pela frente, mas me surpreendi com a força das imagens que encontrei. Tive o privilégio de usar excelentes fotografias de geólogos da Vale, entre as quais as únicas do morro original antes de ser desmatado numa única tarde. Inclusive, Breno Santos, personagem do filme, é também autor da foto do pôster. Um dia, filmando na casa de Eliezer Batista, ele me revelou que seu filho Dietrich tinha produzido um filme lá. Dietrich comentou que o filme tinha locução do Orson Welles, "que não parou de mexer no texto". Saiu da sala e voltou com uma lata de 16mm de Goldlust, documentário produzido pela ABC e dado como perdido há muito tempo. E caiu mais um tesouro nas nossas mãos.
ZH — Eliezer Batista fala das peculiaridades de Serra Pelada ter existido em meio a tantas irregularidades legais, graças à conivência de militares, latifundiários e políticos com interesses diversos, exemplo do típico arranjo brasileiro em que todos tentam levar vantagem. Durante a realização do filme, lhe pareceu mesmo isso, que o governo militar não soube avaliar e tampouco administrar todo aquele potencial de riqueza do garimpo?
Lopes — Depois da saga inicial, que atraiu 30 mil homens em poucas semanas, Serra Pelada transforma-se uma grande coreografia do governo militar. Mesmo no meio da Amazônia seria muito complicado retirar tanta gente de cima do ouro que não parava de brotar da Grota Rica. Assim, o governo decidiu intervir através do Curió, que proibiu armas, mulheres e bebida, transformando o garimpo num quartel, mas um quartel movido por uma poderosa energia humana e histórica, consciente e coletiva no transe da sua própria febre. Ali, com 80 mil homens controlados por 16 policiais e quase sem ocorrências, tanto a Caixa quanto a Vale faturaram alto com a venda do ouro, que era comprado como ouro bruto, mas muitas vezes tinha valor maior pelos outros metais agregados, como platina e paládio. O interesse militar que era estratégico como contrainformação para a influência da Guerrilha do Araguaia na região, acabou resvalando para um lucrativo projeto econômico e uma exótica ação de propaganda.
ZH — É bastante emblemática a figura do Major Curió, que saiu das sombras da ditadura como responsável por mortes e torturas de guerrilheiros no Araguaia para erguer seu império político na região como líder dos garimpeiros, inclusive se voltando contra o próprio governo militar. Que juízo você faz do Curió após ter realizado o filme?
Lopes — Curió desde o início foi solícito e aberto para falar sobre Serra Pelada. Naturalmente, ele foi evasivo quanto a certos pontos da Guerrilha do Araguaia, mas me recebeu sempre com respeito e atenção. Naturalmente, ele está muito presente no filme pois é personagem decisivo nesta e em qualquer história. Um militar que desintegra uma guerrilha na selva, se transforma em agente secreto e depois em interventor do maior garimpo do mundo. Eleito deputado, rompe com o Governo e a Vale e funda a cooperativa que depois assume o garimpo, funda uma cidade com seu nome e se torna seu prefeito por três vezes. Cassado por corrupção, acaba afastado dos garimpeiros e do poder. É uma trajetória pra nenhum roteirista pôr defeito. Numa entrevista sempre deixo que a pessoa conte a própria história, mesmo que seja de um universo ou crença distante do meu. Agora, é importante salientar que não julgo os meus personagens, confio no subtexto que os acompanha e, acima de tudo, na sensibilidade e visão de quem vê o filme.
ZH — Os garimpeiros, mostra o seu filme, eram simpáticos ao governo militar, visto por eles como um benfeitor. Na sua opinião essa foi uma postura ingênua ou a postura conveniente com a situação?Lopes — Os garimpeiros dependiam do Estado para rebaixar as laterais do garimpo e bombear a água do lençol freático no fundo da cava. Por sua vez, o governo comprava o ouro acima do preço mundial, o que evitava qualquer contrabando, e lucrava com a operação. Os garimpeiros dependiam da autorização anual para continuar garimpando. Então, ingenuidade e sagacidade andavam lado a lado. Surpreendentemente, após sofrer intervenções militares em todos os governos, de Figueiredo a Lula, Serra Pelada pode também ser considerada a mais bem-sucedida invasão popular da história do Brasil.
ZH — É interessante o personagem que fala da sinuca em que o governo ficou quando não dava mais para dispensar milhares de garimpeiros, sob risco de tensionar a luta por terras na região. Serra Pelada, assim, teria sido um algodão entre cristais, um "prejuízo" econômico administrável em nome de uma causa política maior?
Lopes — Com certeza, a possibilidade de agravar a luta fundiária com dezenas de milhares de famílias buscando terra, fazia parte das considerações dos militares. Mas não foi de forma alguma um prejuízo. Além da propaganda interna e externa, o ouro de Serra Pelada é agregado a platina e paládio, que valem muito mais do que o metal. Ficou público e notório que o ouro do garimpo gerou reservas importantes para pagar a dívida externa na época, que incluiu o depósito de mais de duas toneladas de platina na corretora Morgan Stanley.
ZH — O agravamento da tensão agrária no Sul do Pará que se vê nos últimos anos tem alguma relação com Serra Pelada?Lopes — Uma das maiores revelações para mim foi explicitar um DNA entre a Guerrilha do Araguaia, Serra Pelada e o movimento dos sem terra. Vários personagens viveram esses momentos e, como mostra o filme, dos 19 mortos no massacre de Eldorado dos Carajás, 16 eram ex-garimpeiros de Serra Pelada. A história fala por si e ainda está sendo escrita.
ZH — Essa razão acima seria a justificativa para o governo militar não ter agido com mais rigor para preservar e explorar um patrimônio nacional?
Lopes — Não faz sentido, na visão do Estado (e também de empresas privadas), deixar de explorar a segunda maior província mineral do planeta. Carajás é chamada de "China Brasileira" pelos seu altíssimo e constante crescimento econômico nas últimas décadas. Só do município de Parauapebas saem 13% de todas as divisas das nossas exportações. É uma região estratégica para o país. E, curiosamente, outra das lendas locais diz que foram os comunistas da guerrilha os primeiros a pedir alvarás de exploração.
ZH — As histórias pessoais de riqueza fugaz transformada em desgraça, embora tenham sua graça em alguns casos, revelam dramas amargos. Foi difícil falar com os garimpeiros que tiveram a chance de mudar de vida e hoje estão em dificuldades? Eles não se constrangem com isso?
Lopes — O garimpo é um transe que não se encerra na memória de quem viveu lá. Contar com a confiança desses homens foi decisivo para o filme, e uma profunda responsabilidade ética para mim. Todo ser humano tem vontade de contar a sua história, e Serra Pelada é uma fábula viva de muitas vozes que agora se funde na tela. Por isso, o verdadeiro guardião dessa história é o coração do espectador.
ZH — Por que, na sua opinião, não ocorreu outra corrida do ouro como aquela, já que existem indícios de ainda haver muita riqueza na região?
Lopes — Como diz o ativista Etevaldo Arantes, as empresas são feitas para durar séculos e os homens, décadas. Não há mais espaço para eles, num território dominado por grandes interesses que jogam com a lei e o tempo a seu favor, esperando que esses homens morram todos um dia. Mas o seu sonho e a história que escavaram vai durar muito mais do que governos e empresas. E embaixo de tudo, tem uma laje de ouro.
ZH — Em que medida o longa de ficção Serra Pelada, do Heitor Dhalia afeta teu projeto? Atrapalha ou ajuda a dar mais visibilidade? O que você achou da proposta ficcional dele?
Lopes — Exibimos o documentário em abril, no (festival) É Tudo Verdade, e foi interesse dos exibidores lançar o filme próximo à ficção do Heitor Dhalia. A distribuição do filme é feita pela própria produtora TvZero, e, numa grande operação de guerrilha, estamos fechando várias cidades, com boa recepção. Nesta nova idade do ouro do cinema brasileiro, acho que soma para os dois filmes estarem em cartaz juntos, na medida em que o público pode conhecer mais a fundo essa história. Costumo dizer que Serra Pelada permite cem mil épicos num lugar só, e um de meus próximos projetos é ambientado na região nos dias de hoje. Com todas as concessões que se devem fazer a uma obra de ficção, achei o filme do Heitor Dhalia estilizado e distante da história real de Serra Pelada. No meu trabalho, tempo e história são dois fundamentos do cinema, e neste caso, com todo o apreço e respeito que tenho pela ficção, fico do lado da realidade.
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