Responsáveis por manter toda aquela doideira em movimento,
os pilotos eram os que mais lucravam. "Costumava viajar com
um saco cheio de dinheiro", lembra o piloto Clinger Borges
do Vale, que chegou a transportar, em seu monomotor, artistas do
naipe de Agnaldo Timóteo e Raul Seixas nas turnês pelos
garimpos. Os donos dos aviões eram sempre garimpeiros para
quem a sorte lhes estampara sorriso de ouro. Foi o caso de Zé
Arara, um piauiense analfabeto dono de uma quinzena de aviões,
entre eles um Lear Jet que usava para ir pessoalmente, manhã
cedinho, à sua Parnaíba natal comprar a carne-de-sol
que comeria no almoço, na volta a Itaituba. Outro que voou
para Zé Arara foi o lendário comandante Rogério
Maconha ( veja seu depoimento a seguir).
Bem, agora não é boa hora para lembranças.
O monomotor pilotado por Luís Feltrin está para fazer
sua primeira parada e é preciso atenção. A
pista aparece apenas quando já se está em cima dela.
Tanto essa como a maioria só têm uma estrada para pouso,
o que complica se o vento for de cauda. A descida até que
não foi das piores. Parte da carga é rapidamente descarregada
e seguirá seu trajeto no "jegue". Jegue, entenda-se,
é um veículo tradicional dos garimpos, feito de um
motor diesel e alguma carcaça disponível. É
bem feio, mas é capaz de rodar três dias com cinco
litros desse combustível - e isso, ali, o pessoal acha bem
bonito. Primeira remessa entregue, hora de levantar vôo -
e mais alguns apuros - até as paradas seguintes.
Cinco corpos
Antes do GPS, a aviação de garimpo era praticamente
uma roleta-russa. Sobrevivia-se na sorte. "Um dia, prestes
a levantar vôo, assisti à chegada de cinco corpos de
pilotos mortos na véspera", relembra, no ar, o sempre
inoportuno Feltrin. É verdade que, com tanto dinheiro em
circulação, ninguém gostava de perder tempo
fazendo manutenção de avião ou de pista. Usavam-se
clareiras mínimas, de cerca de 200 metros, até em
curvas ou em subidas. Nada disso, no entanto, importava - a coisa
era a grana.
"Antes do GPS, a aviação
de garimpo era praticamente uma roleta-russa. Sobrevivia-se na sorte"
A situação, hoje, é a que conhecemos.
Com a queda da euforia, vários pilotos abandonaram a região.
Uns foram parar na aviação comercial ou executiva.
Outros, procurando manter o padrão de vida conquistado no
auge do garimpo, partiram em busca de um novo Eldorado - o "ouro
branco" da Colômbia. Os que ainda insistem em permanecer
voando pelo garimpo o fazem por alguma paixão sobrevivente.
"Além de saber quem são seus passageiros,
aqui você voa e sente o peso do avião na mão",
explica Armando Palla Júnior, que continua resistindo a ofertas
de trabalho em companhias de aviação. Graças
a ele e outros persistentes pilotos de garimpo, Zé do Rifle
receberá seus remédios, a boate terá suas meninas,
Raimundo Nonato, sua carta, e o Negão do Curuá será
finalmente levado para o hospital que tentará recolocar para
dentro seu bucho escancarado, cortesia do terçado de Francisco
- que vai embarcar no próximo vôo para explicar ao
delegado o motivo da briga. Sorte que os monomotores continuam no
ar.
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