O mercúrio do Tapajós: qual o risco de contaminação atual?
Por Pedro Jacobi | |
Há 30 anos o Tapajós foi assombrado por notícias sobre uma possível contaminação por mercúrio. Na época muito se falou e o nome Minamata era uma constante. O desastre da Baia de Minamata foi causado por contaminação de mercúrio orgânico, a partir de indústrias que lançaram líquidos contaminados no mar. Foi o metilmercúrio, assimilado pelos peixes que envenenou e matou centenas de pescadores.
A quase histeria coletiva da época, no Brasil, se devia, inicialmente, a elevados índices de concentração de mercúrio obtidos em análises químicas de sedimentos do Tapajós.
Posteriormente ficamos sabendo que muitas interpretações estavam calcadas em erros laboratoriais. O mercúrio analisado era o mercúrio total (metálico somado ao orgânico somado ao mercúrio inorgânico). Ora, todo o bom entendedor sabe que uma geologia como a do Tapajós deve ter uma quantidade natural de mercúrio inorgânico, que não é venenoso, e ocorre em rochas associadas ao ouro. Em certos locais esse mercúrio pode atingir concentrações elevadíssimas de vários ppm, que se fossem de mercúrio orgânico poderiam, realmente, causar uma outra Minamata. Consequentemente, qualquer estudo a ser considerado deve ser focado no mercúrio danoso, o metilmercúrio que deve ser discriminado nas análises efetuadas.
A contaminação pelo mercúrio ocorre quando os garimpeiros perdem o mercúrio metálico usado na recuperação do ouro dos garimpos. Parte do mercúrio é vaporizado quando o garimpeiro tenta concentrar o ouro a partir do amálgama (veja as fotos).
Acredito que foi esse vapor de mercúrio o principal agente contaminador em toda a região do Tapajós. O vapor de mercúrio foi espalhado pelo vento sendo aspirado por praticamente todos que estavam nas proximidades, ou seja: a maioria das centenas de milhares, talvez milhões de garimpeiros e demais habitantes do Tapajós desde a descoberta do ouro em 1958. No início Santarém foi o principal centro do ouro e da contaminação por vapor. Depois, gradativamente Santarém foi substituída por Itaituba que se tornou o polo comprador e fundidor de ouro de todo o Tapajós. Bem mais tarde as cidades do norte do Mato Grosso passaram também a ter o ar poluído pela queima do ouro amalgamado nos garimpos.
No garimpo o mercúrio metálico vaporizado é, eventualmente precipitado e arrastado para as drenagens onde pode ser transformado em mercúrio orgânico, solúvel, e, então ser assimilado por peixes que irão contaminar as pessoas que os consumirem. O mesmo ocorre com o mercúrio perdido na lavra do ouro em processos obsoletos de garimpagem.
Esses peixes podem levar a contaminação a distâncias consideráveis dos centros garimpeiros e devem ser adequadamente estudados para que tenhamos a correta extensão do fato.
Estudos sobre os níveis de mercúrio em peixes da bacia do Tapajós, que foram conduzidos na década de 90 mostraram que, nas regiões próximas aos garimpos, os peixes tinham uma concentração elevada do metal. Em alguns casos peixes coletados a centenas de quilômetros também se mostraram anômalos para mercúrio.
É importante lembrar que praticamente toda a população do Tapajós já foi exposta, várias vezes na sua vida, aos vapores de mercúrio derivados da queima do ouro em garimpos, nas vilas e nas grandes cidades da região como Itaituba e Santarém.
Quem não se lembra do cheiro característico da queima do ouro?
Se esse for o seu caso, como é o meu, tenha certeza que você sofreu algum grau de contaminação por vapor de mercúrio no passado.
Em vilas e cidades como Itaituba e Santarém onde toneladas e toneladas de ouro amalgamado foram compradas, processadas, queimadas e fundidas em centenas de lojas de compra e laboratórios clandestinos é de se esperar que uma boa parte da população, que vivia ou ainda vive nas proximidades, foi ou está sendo contaminada pelos vapores de mercúrio. Itaituba, por exemplo, tinha inúmeras compras de ouro espalhadas pelo centro e subúrbios onde os maçaricos jamais paravam de queimar o ouro amalgamado despejando toneladas de mercúrio vaporizado no ar da cidade. Sem perceber milhares de pessoas foram contaminadas.
Quantas vezes foram feitas inspeções por agentes da saúde especializados no assunto nestas lojas e fundidoras? Será que elas não continuam despejando o vapor tóxico no ar da cidade?
Essa contaminação pode ser constatada em análises das unhas, cabelos e sangue. O mercúrio ficará com a pessoa até a sua morte. Ou seja: não adianta tentar interpretar a contaminação do meio ambiente pelo mercúrio contido nas pessoas pois essas podem ter sido contaminadas a milhares de quilômetros de ondem vivem.
Se quisermos entender o risco das pessoas e do meio ambiente o caminho é analisar os peixes pois esses serão os vetores da contaminação. Dizer que um cidadão de Itaituba ou Santarém com mercúrio elevado nos fios de cabelo é decorrente de uma contaminação por peixes é, muito provavelmente, uma afirmativa errada.
Os novos estudos, se existirem, devem ser focados nos peixes da região pois serão esses que irão mostrar o nível de poluição que está afetando o habitante do Tapajós hoje.
A boa notícia é que, nos últimos anos, muito se fez para evitar a contaminação do mercúrio. Capelas foram instaladas em quase todas as compras de ouro e garimpos o que reduz significativamente a contaminação. A maioria dos garimpos de balsas foi banida dos grandes rios e houve, também, uma retração dos demais garimpos de ouro na região com as quedas dos preços do metal. Esses fatos, em conjunto com a maior conscientização dos garimpeiros, que hoje estão mais protegidos, devem ter contribuído para uma queda significativa na contaminação regional.
Na semana passada, um grupo de cidadãos do Tapajós encaminhou uma petição ao Governador do Pará para iniciar mais uma pesquisa que possa comprovar o real risco de contaminação que eles estão sendo submetidos.
Essa pesquisa, no nosso entender, deveria ser feita sistematicamente nos pescados que alimentam Itaituba e Santarém e outras vilas importantes da região, sem nenhuma interrupção enquanto existirem os garimpos de ouro, com os resultados sendo constantemente divulgados em um site apropriado. Isso deve ser um trabalho de monitoramento feito pela saúde pública.
Da mesma forma deve ser monitorado, constantemente, as instalações de compra e fundição de ouro em todas as regiões com ênfase nas áreas urbanas e populosas como Itaituba e Santarém pois elas, provavelmente, serão os principais vetores da contaminação dos cidadãos hoje. esses estudos devem ser expandidos para todas as regiões produtoras de ouro do Brasil.
A doença DE Minamata é causada pelo envenenamento pelo mercúrio e pode ser muito perigosa levando à morte. Em alguns casos a doença demora décadas para se manifestar.
Os principais sintomas da doença de Minamata são:
-falta de coordenação muscular
-problemas ao andar
-problemas na visão
-problemas auditivos
-tremores
-fraqueza muscular -movimento não intencional dos olhos
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