As chagas do garimpo
Um lugarejo de Madagáscar, na África,
onde se
encontraram safiras, repete a saga de Serra Pelada
Raras atividades trazem em si contradições
tão grandes quanto o garimpo. Enquanto o comércio
de pedras preciosas é sempre associado a riqueza,
glamour e ostentação, sua extração
está ligada a condições insalubres
de trabalho, miséria e violência. A transformação
da vila de Ilakaka, ao sul da ilha de Madagáscar,
no litoral oriental da África, é um espelho
dessas mudanças provocadas pela febre do garimpo.
Há dois anos, vinte casebres compunham a vila, miserável
como a maior parte do país. Desde que a notícia
da descoberta de uma nova e promissora mina de safiras se
espalhou, mais de 100 000 garimpeiros aportaram à
região, em busca de enriquecimento rápido
e fácil. Com raríssimas exceções,
a promessa permanece como uma ilusão inalcançável.
A safira de Ilakaka reproduziu no sul da África o
fenômeno que o ouro gerou em Serra Pelada, no norte
do Brasil.
As safiras de Ilakaka estão num aluvião,
ao longo de um antigo leito de rio. Como em todas as minas
desse tipo, que têm produção farta mas
vida curta, quase não há interesse de grandes
mineradoras em investir na prospecção mecanizada.
Como conseqüência, o formigueiro humano de garimpeiros
faz a lavagem da terra à procura das safiras de forma
artesanal. A prospecção é feita em
valas ou em pequenos poços cavados pelos garimpeiros,
com dimensões poucas vezes superiores a 5 metros
quadrados, e com 10 a 20 metros de profundidade. A terra
retirada de lá é depois lavada numa peneira,
para que as safiras, que na maioria dos casos não
chegam a 1 quilate (200 miligramas), com o tamanho de uma
cabeça de fósforo, possam ser identificadas.
O processo é extremamente demorado e perigoso. Quando
chove, a possibilidade de desabamentos é grande.
Num período de dez dias, no ano passado, dezesseis
garimpeiros morreram em acidentes em Ilakaka.
O crescimento acelerado acontece sem a mínima infra-estrutura.
As construções são precárias,
feitas com o material descartável disponível
no momento. O rio usado para a lavagem das pedras é
também a única fonte de consumo de água
e depósito de esgoto. As epidemias são freqüentes.
No entorno da vila, proliferou rapidamente uma gama de serviços
para atender os novos habitantes. São restaurantes,
pequenos comércios e, para satisfazer a população
quase que exclusivamente masculina, bordéis, bares
e salões de jogos. A corrida pelas safiras não
atrai somente garimpeiros. Compradores de pedras preciosas
de diversas nacionalidades circulam pelas vilas de garimpo
em busca de mercadorias. O preço pago ao garimpeiro
pode ser multiplicado até 100 vezes antes de chegar
ao comprador final. A movimentação de dinheiro
atrai também a violência. Não são
incomuns os casos de roubos, brigas e disputas a tiros pelas
pedras. Por via das dúvidas, muitos compradores andam
pela cidade acompanhados de guarda-costas armados.
O fenômeno da transformação de Ilakaka
é quase um repeteco da saga de Serra Pelada –
pode-se prever que vá se encerrar de forma igualmente
melancólica. Com a descoberta de ouro no Pará,
no início dos anos 80, duas cidades nasceram do nada
para abrigar 400
.000 homens que
trabalhavam dia e noite procurando pepitas num buraco de
100 metros de profundidade. As cidades hoje estão
às moscas e o veio, esgotado, foi abandonado. A prospecção
de ouro em Serra Pelada gerou uma riqueza estimada em 1,5
bilhão de dólares. Pouco disso, porém,
ficou nas mãos dos garimpeiros. "Como sempre, o garimpeiro
permanece na miséria e quem enriquece são
os intermediários", lamenta o gemólogo Rainer
Schultz Güttler, da Universidade de São Paulo.
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