O Gás do "Xisto"
Uma nova fonte de combustível fóssil está mudando o panorama energético de alguns países e promete ser o início de uma nova era no panorama energético mundial: o gás natural extraído de folhelho (shale gas, em inglês).
Folhelho é uma rocha argilosa de origem sedimentar; xisto é uma rocha metamórfica, de outra origem, portanto. Mas, há uma longa e equivocada tradição brasileira, inclusive entre técnicos da Petrobras, de chamar folhelho (shale) de xisto (schist), daí se falar muito em gás de xisto.
A obtenção de gás natural e óleo a partir de folhelho não é novidade e nos Estados Unidos ela vinha sendo tentada desde 1821. No Brasil, antes mesmo da criação da Petrobras o Conselho Nacional do Petróleo já estudava um meio de extrair óleo de folhelho betuminoso da Formação Irati, iniciando uma usina-piloto em Tremembé (SP), no Vale do Paraíba. Com a criação da Petrobras, em 1954, os estudos continuaram e desenvolveu-se o Projeto Petrosix, também em escala piloto e em Tremembé. Mais tarde, a Petrobras criou a Superintendência de Exploração do Xisto e um projeto semi-industrial em São Mateus do Sul (PR), que hoje processa 5,5 mil toneladas de folhelho por dia e produz cerca de 4.000 barris/dia de óleo. Esse processo já despertou inclusive interesse internacional, tendo sido exportado para Jordânia, Marrocos, Estados Unidos e China. Ele produz, além de óleo e gás, nafta e enxofre.
O óleo extraído do folhelho betuminoso é chamado de querogênio e tem as mesmas utilizações do petróleo.
Os processos usados até recentemente eram antieconômicos. A mudança começou em 1990, quando George Mitchell, magnata do petróleo texano descobriu uma nova maneira de extrair o gás do folhelho. Seu processo deu tão certo que levou os Estados Unidos a reduzirem a importação de petróleo e o uso de carvão mineral e em 2009 pela primeira vez aquele país exportou mais combustíveis fósseis e seus derivados do que importou.
O preço do gás natural caiu, nos Estados Unidos, de US$ 9 por milhão de BTU (unidade britânica de calor) para US$ 1,82 (no Brasil, o gás custa cinco vezes mais). Prevê-se agora que o gás assim obtido será o combustível mais importante do século XXI, tão grandes são as reservas de folhelho betuminoso espalhadas pelo mundo, inclusive no Brasil.
O gás do folhelho responde, por enquanto, por apenas 8% da eletricidade gerada nos EUA. Segundo a Agência Internacional de Energia, a partir de 2035 ele poderá atender 8% da demanda mundial. Em 2000, o gás de xisto representava 1% do total de gás natural consumido nos Estados Unidos, mas hoje corresponde a 16%. Em 2035, poderá chegar a 46%, tornando aquele país autossuficiente em gás natural.
A produção de gás a partir do folhelho é crescente hoje também em países como Canadá, México, Argentina (5% do consumo nacional) e África do Sul.
Reservas internacionais de gás em folhelho
As reservas em folhelho representam 10% do total do petróleo e 32% do gás disponíveis no planeta, segundo a Agência de Estudos sobre Energia dos Estados Unidos.
Mais de trinta países possuem reservas de gás em folhelho, mas poucos aproveitam comercialmente essa fonte de energia. As maiores reservas mundiais estão na China (36,1 trilhões de metros cúbicos), que só em março de 2012 perfurou seu primeiro poço. O segundo colocado em reservas são os Estados Unidos (24,4 trilhões de metros cúbicos), seguindo-se o México (19,3 trilhões)
O folhelho betuminoso, que fornece óleo, é importante em países como o Canadá, mas, em temos globais, é menos importante que o folhelho que fornece gás.
O novo processo de obtenção do gás
A extração do gás contido no folhelho utiliza duas técnicas. Uma é a chamada fratura hidráulica (fracking, em inglês) e consiste em fraturar as finas camadas de folhelho com jatos de água sob pressão. A água recebe adição de areia e de produtos químicos que mantêm abertas as fraturas provocadas pelo impacto, mesmo em grandes profundidades. A segunda técnica é aquela desenvolvida por George Mitchell: a perfuração horizontal da camada de rocha portadora de gás.
O folhelho betuminoso no Brasil
O Brasil conta com grandes áreas de folhelho betuminoso, não só no Paraná, já citado, mas também no Rio Grande do Sul e em outros sete estados pelo menos.
Em 1979, a Comissão Especial do Xisto, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, defendeu a instalação, naquele estado, de uma usina de processamento do folhelho pirobetuminoso lá existente, cujas reservas potenciais já eram conhecidas. A proposta, porém, não foi levada adiante.
A Agência Internacional de Energia coloca o Brasil em 10º lugar em temos de reservas de folhelho (China, Estados Unidos e Argentina são os primeiros colocados). As reservas brasileiras estão sobretudo na Bacia do Paraná, na Formação Irati, que ocorre na região Sul, além de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás, e são de 6,4 trilhões de metros cúbicos.
Atento à importância dessa nova fonte de energia, o governo brasileiro decidiu testá-la e, em outubro de 2013, fará o primeiro leilão de áreas portadoras desse tipo de jazida.
Segundo Adriano Pires, da empresa de consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura, se o gás de folhelho se mostrar viável e barato no Brasil, “tem tudo para reduzir a importância do pré-sal”.
Em setembro de 2012, a Shell anunciou que no ano seguinte abriria o seu primeiro poço em busca de gás em folhelho, na bacia do rio São Francisco, em Minas Gerais. Representante daquela empresa disse que a Shell caminha rumo a uma produção de gás maior que a de petróleo, embora ambos os combustíveis continuem sendo importantes para ela.
O gás do folhelho e a questão ambiental
A extração do gás natural a partir dessa nova fonte não está livre de efeitos colaterais indesejáveis. O processo utiliza grandes volumes de água e, o que é pior, com adição de produtos químicos como o benzeno, o que resulta em uma água ácida. Doenças no gado e em outros animais têm sido atribuídas à contaminação do solo por essa água e teme-se até que a extração do gás por fraturamento da rocha provoque pequenos tremores de terra.
A preocupação é tão séria que o processo está proibido na França, Bulgária e em alguns estados da Austrália, Alemanha e Espanha. Até mesmo o Estado de Nova Iorque, nos EUA, proíbe sua utilização, pois a água que abastece a cidade vem do aquífero onde está o gás. Aqui, as diretorias da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e da Academia Brasileira de Ciências solicitam que seja sustada a licitação de áreas para a explotação de gás de folhelho (...) por um período suficiente para aprofundar os estudos (...) sobre a real potencialidade da utilização da fratura hidráulica e os possíveis prejuízos ambientais.
Os aditivos mais frequentemente usados totalizam cerca de sessenta substâncias.
Há temores também de que o metano contido no folhelho possa escapar para a atmosfera, contribuindo para o efeito estufa. Na Pensilvânia (EUA), em certos locais próximos a minas de gás em folhelho a água sai da torneira com tanto metano que é possível pôr fogo nela. Mas, ainda não se conseguiu confirmar a procedência desse metano.
No Brasil, o aproveitamento do gás existente em folhelhos está longe de ser um consenso entre os geólogos. A Agência Nacional de Petróleo diz estar estabelecendo as regras para sua extração, mas elas não estarão prontas até outubro, quando será realizado o primeiro leilão de áreas para extração de gás. A preocupação é muito procedente, pois em São Mateus do Sul a USP verificou excesso de poluentes atmosféricos e até mesmo presença de mercúrio no leito de um rio, o que motivou ação da promotoria local contra a Petrobras.
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