O estudo da mineralogia do diamante na Serra do
Espinhaço tem permitido, graças à extraordinária resistência dessa pedra preciosa aos processos geológicos que atuam na crosta terrestre, identificar diversos ciclos de erosão e sedimentação. Por seus aspectos típicos, é o único mineral que permaneceu no registro geológico desde um período muito remoto, o Proterozóico Médio, há aproximadamente 1,7 bilhão de anos. Foi no Espinhaço que desenvolvemos pesquisas na tentativa de responder uma velha pergunta da geologia brasileira: a partir de que rochas-fonte o diamante ter-se-ia espalhado pela região? Embora os dados coletados não admitam uma resposta conclusiva, certamente contribuem para o entendimento do problema.
Mario Luiz de Sá Carneiro Chaves Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais Darcy Pedro Svisero Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo
Escala de Mohs
A escala criada pelo mineralogista austríaco Friedrich Mohs (1773-1839) no início do século 19 classifica os minerais segundo sua dureza. Entre o talco, o mais ‘tenro’, e o diamante, o mais resistente, Mohs reconheceu oito diferentes graus de dureza entre os minerais. Mas esses intervalos não são regulares. A escala é uma simples classificação da dureza dos minerais e foi feita levando em conta que cada mineral arranha os de número inferior. Assim, entre o diamante (dureza 10) e seu seguidor imediato, o coríndon (dureza 9), há uma diferença de dureza 10 vezes maior que aquela entre o coríndon e o talco (dureza 1).
DiamantesDiamantes
Qual terá sido o caminho das pedras?
Qual terá sido o caminho das pedras?
10• Diamante 9•Coríndon 8•Topázio 7•Quartzo 6•Ortoclásio 5•Apatita 4•Fluorita 3•Calcita 2•Gipsita 1•Talco junho de 1999 • CIÊNCIA HOJE • 23
G E O C I Ê N C I A S A maior parte da produção mundial de diamantes provØm hoje da junho de 1999 • CIÊNCIA HOJE • 23 para o de maior produtor mundial, com cerca de 40 milhıes de quilates extraídos só em 1997.
O diamante tem origem no manto da Terra em profundidade superior a 150 km. Atualmente o meio científico aceita a hipótese de que os kimberlitos e lamproítos sªo apenas o meio de conduçªo do mineral desde a sua fonte, no manto, atØ a litosfera. Nos œltimos 20 anos, seu estudo tem sido amplamente desenvolvido por serem considerados como uma das raras janelas para o manto na superfície do planeta.
`frica do Sul, AustrÆlia e Rœssia, onde o mineral Ø lavrado diretamente em rochas primÆrias conhecidas como kimberlitos e lamproítos. Nessas rochas magmÆticas ultrabÆsicas, raras na crostra terrestre, o diamante estÆ disseminado em teores que variam de 1 a 3 quilates por metro cœbico (ct/m3), embora o lamproíto de Argyle, na AustrÆlia, apresente o formidÆvel teor de 18 ct/m3. A descoberta da jazida de Argyle, em 1986, fez com que a AustrÆlia passasse de um país nªo-produtor de diamantes4 es de Minas Geraises de Minas Gerais G E O C I Ê N C I A S
O kimberlito ocorre principalmente nas zonas de crÆtons, porçıes da crosta terrestre estÆveis desde o período PrØCambriano. A figura 1 apresenta as principais zonas cratônicas da Terra, identificando maior ou menor ocorrŒncia de intrusıes kimberlíticas. No Brasil, hÆ trŒs Æreas cratônicas, sendo a principal delas o crÆton Amazônico. Ao norte do Mato Grosso e sul de Rondônia jÆ foram encontrados kimberlitos com diamantes, cuja viabilidade econômica de exploraçªo vem sendo estudada. O crÆton do Sªo Francisco, que ocupa grande parte de Minas Gerais, destaca-se no Sudeste brasileiro. Nele, no entanto, nªo se conhecem rochas kimberlíticas mineralizadas.
Diamante incrustado em kimberlito da mina Mir, na Sibéria, Rússia tíferas do sul e oeste africano demonstraram que, a partir de suas fontes primÆrias, os diamantes se espalharam por milhares de quilômetros quadrados. Observou-se uma sistemÆtica reduçªo na mØ- dia do tamanho dos cristais quanto mais eles se afastavam de seu local de origem, deslocando-se por via fluvial ou marinha. Tal reduçªo, no entanto, Ø acompanhada de expressiva melhora gemológica, pois os diamantes de qualidade inferior sªo destruídos durante o transporte.
Minerais e gemas
Um mineral é um corpo sólido de origem natural formado por processos inorgânicos, de composição química e estrutura cristalina definidas e constantes. A ciência dos minerais é a mineralogia, da qual um dos ramos é a gemologia, que estuda as gemas e suas propriedades. As gemas – medidas pelo peso-padrão do quilate (ct), equivalente a 0,2 g – são minerais dotados de propriedades físicas especiais (transparência, brilho e/ou cores atrativas), podendo servir como adorno pessoal após trabalhados pelo homem. O diamante, composto de carbono puro, é certamente o mais importante dos minerais gemológicos.
Certas formas mono e policristalinas, como cubos, borts e carbonados, sªo pulverizadas durante o registro geológico, depois de reduzidas a partículas muito finas. Experimentos feitos pela mineradora sul-africana De Beers mostraram que seis horas de moagem foram suficientes para reduzir o bort e pedras defeituosas do Zaire em partículas de peso inferior a 0,001 ct. Submetidos ao mesmo procedimento, diamantes da costa da Namíbia com formas cristalinas perfeitas perderam apenas 0,01% de seu peso após quase mil horas de moagem.
Os cristais de diamante de forma dodecaØdrica sªo mais resistentes ao transporte, pois seu coeficiente hidrodinâmico, resultante do grande nœmero de faces naturalmente arredondadas, Ø maior que o daqueles que tŒm forma de cubo ou octaedro. Depósitos da Namíbia, por exemplo, apresentam um nœmero desproporcionalmente grande de cristais dodecaØdricos.
Com a evoluçªo do registro geológico, os diamantes tendem a sofrer as seguintes modificaçıes: reduçªo do tamanho mØdio dos cristais; preservaçªo dos dodecaedros nas formas monocristalinas; queda expressiva do nœmero de pedaços quebrados; pulverizaçªo dos borts e cristais com defeitos ou inclusıes; aumento do nœmero de cristais gemológicos.
O diamante em Minas Gerais
No Brasil, a descoberta oficial de diamantes ocorreu em 1729 nas imediaçıes do município mineiro de Diamantina. Muito antes, porØm, pedras dessa regiªo jÆ chegavam à Europa. Por mais de 150 anos o Brasil foi o maior produtor mundial do mineral, atØ a descoberta dos depósitos sul-africanos. Historicamente Minas Gerais Ø o maior produtor dessa gema no Brasil, tendo a Bahia, Mato
Grosso e ParÆ se destacado em alguns curtos períodos. Ainda hoje os diamantes tŒm importância no setor mineral da regiªo, sendo sua lavra efetuada em aluviıes por companhias de mineraçªo ou garimpeiros independentes. Destacam-se ainda campanhas de prospecçªo visando descobrir e explorar as rochas-fonte primÆrias do mineral, como se faz na `frica, AustrÆlia e Rœssia.
Os principais depósitos diamantíferos de Minas
Gerais concentram-se em duas macrorregiıes, designadas na nomenclatura geológica como províncias minerais do Espinhaço e do Alto Paranaíba, respectivamente no centro-norte e sudoeste do estado (figura 2). A província do Espinhaço notabiliza-se por sua importância econômica, destacando-se nesse cenÆrio a regiªo de Diamantina. A Serra do Espinhaço Ø constituída por um conjunto de rochas metamórficas intensamente dobradas, incluindo quartzitos, filitos e conglomerados, que representam originalmente sedimentos depositados em rios, taludes serranos, desertos, lagunas e mares rasos.
A idade de formaçªo desses depósitos Ø atribuída ao Proterozóico MØdio, a partir de dataçıes radiomØtricas obtidas em rochas e minerais vulcânicos presentes no conjunto sedimentar. HÆ diversos tipos de depósitos diamantíferos no Espinhaço. O mais antigo Ø o Conglomerado Sopa, rocha de origem sedimentar que ocorre nas porçıes basais do complexo serrano. A partir dele o diamante espalhou-se para depósitos sedimentares mais jovens, sobretudo em certos períodos do CretÆceo Inferior (hÆ cerca de 136- 100 milhıes de anos), TerciÆrio Superior (hÆ cerca de 7-1,5 milhıes de anos) e QuaternÆrio (de cerca de 1,5
Figura 1. Os grandes depósitos primários de diamante do globo concentram-se nas áreas cratônicas (em amarelo). Os maiores são indicados por losangos grandes e os menores por losangos pequenos
Na província do Alto Paranaíba, no entanto, vÆrias chaminØs de rochas kimberlíticas semelhantes às fontes vulcânicas primÆrias do diamante russo e sulafricano sªo conhecidas desde a dØcada de 1960. Embora ainda nªo tenham sido detectados kimberlitos mineralizados de interesse econômico na re- mado na Øpoca das atividades vulcânicas que trouxeram os diamantes, pois apresentam diversos minerais satØlites típicos de rochas kimberlíticas. Assim como na regiªo de Diamantina, hÆ tambØm depósitos sedimentares terciÆrios e quaternÆrios, os quais, pela maior facilidade de extraçªo, sªo mais intensamente lavrados.
A quantidade de diamante nessas províncias varia segundo características geológicas responsÆveis pela concentraçªo do mineral em certas porçıes do sedimento ou da rocha sedimentar. Os diamantes lavrados no Conglomerado Sopa desde o sØculo passado tŒm, em mØdia, de 0,01 a 0,1 ct/m3 de rocha. Sªo teores muito baixos se comparados aos dos kimberlitos sul-africanos, que apresentam valores mØ-
Figura 2. Províncias diamantíferas de Minas Gerais – Espinhaço (I) e Alto Paranaíba (I) – e seus principais centros produtores: Diamantina (1), Grão Mogol (2), Jequitaí (3) e Coromandel (4)
Mineração aluvionar de diamantes no Rio Jequitinhonha, em Diamantina: grandes dragas da Mineração Rio Novo escavam o leito do rio giªo, muitas mineradoras tŒm feito intensas pesquisas na Ærea em funçªo da presença de diamantes em dezenas de rios e córregos, principalmente nas proximidades do município de Coromandel.
De grande importância para a geologia do diamante do Alto Paranaíba Ø a Formaçªo Uberaba, constituída de depósitos sedimentares do CretÆceo Superior (hÆ cerca de 100-65 milhıes de anos).
Esses depósitos de arenitos, conglomerados e tufos vulcânicos parecem ter se for- dios de atØ 6 ct/m3. Em depósitos de aluviªo recentes, como no Rio Jequitinhonha, as concentraçıes sªo ainda menores. Nesse local, a Mineraçªo Tejucana opera com ínfimos 0,008 ct/m3. Mas como o volume de material lavrÆvel Ø excepcionalmente grande, compensa investir na lavra mecanizada do depósito. Os diamantes da regiªo de Diamantina sªo em geral pequenos, com 0,3 ct em mØdia, sendo raras as pedras com mais de 10 ct.
lógico, as pedras de boa qualidade sªo mais hialinas e apresentam baixas taxas de imperfeiçıes internas.
A fonte distante dos diamantes do Espinhaço
Os dados disponíveis indicam forte semelhança entre os diamantes aluvionares da regiªo do Alto Paranaíba e aqueles extraídos diretamente de kimberlitos e lamproítos. Demonstram ainda que as
Detalhe do conglomerado diamantífero Sopa, nas proximidades de Diamantina (MG)
Como o diamante Ø um mineral gemológico, seu preço Ø definido nªo só em funçªo do peso, mas principalmente de suas particularidades físicoquímicas. Em geral de excelente qualidade, as pedras da Serra do Espinhaço alcançam elevada cotaçªo no mercado. Na regiªo de Diamantina o preço do quilate gira em torno de US$ 150, podendo, em certas Æreas, alcançar atØ US$ 400. Como no Alto Paranaíba os diamantes tŒm baixa qualidade gemológica (apesar de maiores que os de Diamanti- na), os preços mØdios sªo infe-riores. Do ponto de vista gemo-
Seleçªo natural no mundo mineral
A partir da publicação do célebre Sobre a origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859, o paradigma da seleção natural foi se tornando progressivamente aceito pela maioria dos pesquisadores do mundo animal e vegetal. No reino mineral, porém, o termo não é empregado, embora a ‘resistência’ de certas espécies seja uma evidência relatada cotidianamente por geólogos e mineralogistas em seu trabalho de prospecção.
O grau de resistência de um mineral ao longo do curso de um rio, por exemplo, dependerá diretamente de fatores inerentes às suas características físico-químicas. Durante o percurso, ele tenderá a pulverizar-se cada vez mais, e seu tempo de ‘vida’ varia em função de propriedades como composição química e estrutura cristalina, dureza, modo de clivagem e, sobretudo, pureza.
Os gemólogos relacionam pureza à freqüência de inclusões estranhas e/ou microfraturas no interior do mineral hospedeiro. Conseqüentemente, quanto mais impuro for um mineral, maior será sua tendência à pulverização em um meio de transporte ativo como o fluvial ou marinho. Não é por acaso que 9% da areia de praia se constituem de quartzo, uma estrutura rígida formada por tetraedros de SiO2 (dióxido de silício). O caso do diamante é particularíssimo. Além de sua estabilidade química, sua resistência ao desgaste físico e a fortes variações de temperatura e pressão faz com que, após desprender-se de sua rocha-matriz original, ele tenda a permanecer no registro geológico. Uma população de diamantes ou outro mineral com características físicas ‘perfeitas’ deve, portanto, indicar, em termos estatísticos, uma longa e complexa história, na qual o material mais resistente ficou preservado.
A fonte dos diamantes da Serra do Espinhaço, porØm, estÆ em local distante, e os minerais encontrados resultam de sucessivos processos de erosªo, transporte e nova deposiçªo. Como a Ærea alimentadora da sedimentaçªo da bacia do Espinhaço ficava a oeste, onde se estende o crÆton do Sªo Francisco, presumese que as desconhecidas rochas primÆrias estariam nessa regiªo. A identificaçªo de tais fontes, no entanto, Ø uma tarefa difícil, pois a Ærea foi recoberta por sedimentos marinhos do chamado Grupo Bambuí em período geológico posterior, hÆ aproximadamente 900-550 milhıes de anos. Durante o transporte do mineral do crÆton atØ os sítios onde se encontra hoje, certas formas foram sendo selecionadas, e a populaçªo
À esquerda, topo da borda norte da Serra do Cabral, na região de Jequitaí (MG), com restos de um conglomerado diamantífero do Cretáceo Inferior. À direita, nas encostas da serra, garimpeiros exploram diamante de cristais de qualidade gemológica se multiplicou.
Como mostra a figura 3A, a intrusªo dos kimberlitos e lamproítos ocorreu antes da formaçªo da bacia do Espinhaço, em profundidades compatíveis com a curva de estabilidade das espØ- cies de carbono, grafita (G) e diamante (D). A erosªo das chaminØs (figura 3B) e o conseqüente assentamento de depósitos aluvionares perifØricos sªo atestados hoje pela presença de seixos de um conglomerado mais antigo dentro do Conglomerado Sopa. Com a implantaçªo da paleobacia do Espinhaço (figura 3C), ocorreu a primeira fase de deposiçªo dos diamantes, posteriormente redistribuídos na própria bacia atØ a formaçªo dos sedimentos fluviais que deram origem àquele conglomerado (figura 3D).
Figura 3. História evolutiva do diamante da Serra do Espinhaço durante o Proterozóico, desde a geração das rochas-fonte até a deposição do Conglomerado Sopa
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