O negócio que salvou a floresta
A empresária Vitória da Riva trouxe o ecoturismo para o Brasil, colocou a Amazônia na rota dos estrangeiros e arrumou uma maneira de lucrar com a mata em pé
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O pioneirismo deve ter sido herança de família. Seu pai, Ariosto da Riva, foi um bandeirante notável. Deixou o interior de São Paulo para colonizar, em Mato Grosso, três cidades em terras sem sinal de civilização urbana. Eram tempos em que o governo federal estimulava a ocupação de regiões mais remotas. Havia a falsa ideia de que, se os brasileiros não avançassem para o Norte, as nações mais poderosas tomariam conta da Amazônia. A expressão “integrar para não entregar” virou o mantra do país. Foi nessa corrida pelo “desenvolvimento” que Vitória chegou à recém-fundada Alta Floresta, hoje uma cidadezinha com 50 mil habitantes, boa parte deles paranaenses em busca de uma vida melhor. Segundo a mentalidade precursora, quanto mais floresta se desmatasse, mais progresso se alcançaria. A paisagem do município então mudou. A mancha verde contínua deu lugar ao café, ao cacau e ao guaraná. Nos anos 80, chegou o garimpo. Mais recentemente, o gado e os madeireiros. Alta Floresta hoje não faz tanto jus ao nome: mantém só 43% de suas matas preservadas.
Ao optar pela floresta em pé, Vitória contrariou o curso natural da colonização. Sua área de 7 mil hectares (quatro vezes maior do que o arquipélago de Fernando de Noronha) manteve as árvores nativas em vez dos tradicionais plantios. Ela fez mais. Transformou sua propriedade em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), uma terra protegida que, por lei, não pode ser ocupada. Uma das únicas opções de ganhar dinheiro ali é investir na pesquisa e no turismo. E foi essa a aposta de Vitória. Com pelo menos 20 anos de antecedência, ela vislumbrou o que no passado parecia inalcançável: aliar preservação à rentabilidade. “A Vitória é uma personalidade única. Em termos de ecoturismo, é a grande heroína do Brasil”, afirma Marc Dourojeanni, um dos maiores especialistas em Amazônia. “Sua visão de transformar a propriedade em um santuário para a fauna foi pioneira.”
Fugas para São Paulo
Não se tratava apenas de abrir um hotel. Vitória precisou partir de uma etapa anterior, colocar Alta Floresta no roteiro do turismo. “Tivemos de criar um novo destino”, afirma. “Nossa cidade sequer existia no mapa.” Ao lado do marido, o advogado Edson de Carvalho, ela rodou feiras internacionais divulgando os predicados de sua reserva. Enquanto percorria países estrangeiros para convencer os viajantes, Vitória precisava persuadir também os habitantes locais. O turismo nunca havia representado uma opção comercial em Alta Floresta. A comunidade, em boa parte, não entendia a necessidade de preservar a natureza. Neste ponto, Vitória falhou. Seu discurso era vanguardista demais. Os moradores não só não a compreenderam como passaram a acusá-la de atrair a atenção dos fiscais de crimes ambientais. Por mais de uma vez, ela precisou “dar um tempo” em São Paulo, uma forma de se resguardar das ameaças veladas.
A seu favor, Vitória contou com uma generosa dose de sorte geográfica. Alta Floresta está localizada em uma latitude semelhante à do Peru, um dos países com maior biodiversidade do planeta. Sua reserva tem pelo menos 595 espécies de aves, um terço dos exemplares do Brasil e metade dos da Amazônia. É um chamariz decisivo para o sucesso do negócio. No começo dos anos 90, antes mesmo de existir como é hoje, o Cristalino Jungle recebeu a visita de um dos mais respeitados especialistas do mundo, o ornitólogo americano Theodore Parker (já falecido). Foi ele quem descobriu a riqueza biológica da área. Daí em diante, o hotel de selva entrou para os roteiros de ecoturismo das agências internacionais. Não há outra cidade na fronteira de desmatamento habituada a ver turistas circulando pelas ruas. Quanto mais turistas falando inglês. Cerca de 80% dos hóspedes do Cristalino são estrangeiros em busca de uma experiência íntima com a Amazônia. E, claro, de fazer birdwatching. Ou passarinhar, no bom português. O hotel tem duas torres de 50 metros de altura para observar os animais. Elas permitem ficar acima da copa das árvores. São consideradas as melhores estruturas da América Latina.
Vizinhança verdeAlém da latitude privilegiada, o hotel tem outro aliado de peso, a vizinhança verde. Ele faz divisa com o Parque Estadual do Cristalino, uma área de quase 186 mil hectares criada em 2001 pelo governo federal, em grande medida por influência da própria Vitória. E fica próximo também de uma imensa (2,2 milhões de hectares) reserva da Força Aérea Brasileira (FAB), local onde, por motivos óbvios, os madeireiros ilegais ou grileiros não se atrevem a entrar. Esse maciço florestal forma um corredor de áreas protegidas imprescindível para a conservação. Resguarda os remanescentes do conhecido Arco do Desmatamento da Amazônia, terras no alvo constante das derrubadas. Em 2008, os esforços de Vitória lhe renderam um reconhecimento internacional (uma, de várias premiações). O Cristalino Jungle venceu o World Savers Awards, da Condé Nast Traveler, um dos principais prêmios de sustentabilidade do mundo para a hotelaria.
Mas Vitória quer mais. Agora que consegue lucrar com a floresta em pé – e com a recente bênção da comunidade local –, pretende expandir os impactos sociais de seu negócio. Criar uma alternativa econômica às famílias do entorno é a única maneira de reduzir a pressão sobre a floresta. Já é possível observar algumas iniciativas. Todos os guias do Cristalino Jungle são ex-garimpeiros, convertidos a passarinheiros e conservacionistas. Um deles virou fotógrafo de natureza. Desfila em seu barco com um equipamento de primeira linha (digno de despertar inveja em muitos veteranos da fotografia). Os vizinhos do hotel também estão sentindo no bolso as vantagens do papo ecológico. Uma propriedade no caminho do hotel ganha hoje R$ 10 por turista que pisa ali para observar uma ave específica, o limpa-folha. A espécie é frequentadora assídua dos buritizais que o sítio mantém. O próximo passo é estender o sonho do turismo verde para parte dos que vivem no cinturão de entorno do Parque do Cristalino. São cerca de 1.750 pessoas em 11 comunidades. Um trabalho robusto e lento. E do qual depende, essencialmente, a sobrevivência desse naco de floresta.
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