quinta-feira, 1 de maio de 2014

Reportagem especial: as lições de Singapura

Reportagem especial: as lições de Singapura

Carga tributária é baixa, empresa é aberta em seis horas, e governo do país divide lucro com o povo

A ida do pesquisador brasileiro Antonio Castro Neto a Singapura para liderar uma pesquisa sobre grafeno – ele é referência mundial no assunto – dá o tom da escolha feita pelo governo singapuriano, há 47 anos, quando separou-se da Malásia e transformou-se num Estado independente. Há dois anos morando no país do Sudeste Asiático, o professor deixou a Universidade de Boston, onde lecionou por mais de 20 anos, para tocar um projeto de US$ 100 milhões na Universidade Nacional de Singapura.

Tudo bancado pelo governo local. O objetivo é esmiuçar as propriedades do grafeno, carbono em estado puro. Trata-se do material mais forte e impermeável do mundo, que possui velocidade de condução dezenas de vezes maior que a do silício.

Para termos ideia do que significa a pesquisa liderada por esse mineiro de Belo Horizonte, todas as empresas de eletrônica estão investindo no grafeno. A expectativa é de que, em breve, todas as telas sensíveis ao toque sejam produzidas com ele. "É muito mais barato", explica Castro Neto. O grafeno também dará sua contribuição à saúde. Os estudos capitaneados pelo brasileiro incluem a fabricação de pele e de sangue artificial, tudo tendo o grafeno como base.

Singapura

Valor agregado

Para ter condições decentes de trabalho, o brasileiro teve de se mudar para um país de apenas 700 quilômetros quadrados, a cerca de 20 mil quilômetros do Brasil, que não possui uma só mina de grafite, mineral composto por camadas de grafeno. Enquanto isso, o Brasil, possuidor das maiores reservas de grafite do mundo, ainda engatinha na área.

"O Brasil vende o quilo do grafite por US$ 1 e compra o grama do grafeno por US$ 100, sem contar as aplicações que ele terá nas indústrias de tecnologia e farmacêutica. Investem agora, para agregar valor depois, o problema é que o Brasil só entra nas pesquisas quando já está tudo desenvolvido", critica o professor.

A atração de cérebros como o de Antonio Castro Neto mostra porque o país conseguiu multiplicar por quase 117 vezes sua renda per capita em 47 anos, saindo de US$ 512 em 1965, para chegar em US$ 59.900 no ano passado (a do Brasil é de US$ 10.627). Num Estado economicamente muito aberto, eficiência é fundamental, por isso, as empresas tiveram de adotar práticas avançadas de gestão e criar produtos competitivos internacionalmente. Ao governo coube essencialmente prover educação de qualidade, expandir a infraestrutura e apoiar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Eficiência


Hoje, o micropaís tem o porto de contêineres (PSA) mais movimentado e automatizado do mundo. Dos 150 milhões de contêineres movimentados, em 2011, em todo o planeta, 29 milhões passaram por lá. A indústria naval é uma das mais desenvolvidas e avançadas do planeta. Além de abrigar um dos portos mais movimentados do mundo e de apostar pesado na efervescência tecnológica, a riqueza singapuriana vem de uma indústria financeira desburocratizada aliada à baixa tributação.

"O que manda aqui é a eficiência. O empreendedor que vier para cá abrirá sua empresa em seis horas. A burocracia é pequena, e a carga tributária é de apenas 22% do PIB. O empresário singapuriano gasta apenas 80 horas por ano com a burocracia tributária", destaca o encarregado de negócios da embaixada brasileira em Singapura, Herbert Drummond. No Brasil, de acordo com o último levantamento feito pelo Banco Mundial, o empresário gasta 2.600 horas por ano com a burocracia tributária.

Ainda com relação à tributação, se o governo fechar o ano com superávit, o dinheiro é devolvido à população. "No final do ano passado, cada cidadão recebeu um cheque de 800 dólares singapurianos (cerca de R$ 1,2 mil) do governo. Dinheiro que foi arrecadado, mas acabou não sendo utilizado", conta o conselheiro da embaixada brasileira.

Mesmo sem impostos abusivos, a qualidade do serviço público é alta. "O gasto com educação e saúde é quase que simbólico. Com R$ 90 mensais, os estudante tem todos os livros e cadernos necessários, instalações e ensino de qualidade internacional. Caso precise de um hospital, o singapuriano paga o equivalente a R$ 150 para fazer todos os exames necessários, recebe todos os medicamentos, mesmo os que usará em casa, gratuitamente e, caso precise, ficará internado sem nenhum custo adicional", assinala Drummond.

O repórter foi a Singapura a convite do estaleiro Jurong.

País de regras: nem chiclete pode no metrô

Se na economia o que manda é a liberdade, na política e no dia a dia da população e dos visitantes, a mão do Estado ainda pesa. O código penal de Singapura ainda prevê pena de morte e chibatadas. A compra de chicletes – por conta de um tumulto no metrô causado, há alguns anos, por uma goma de mascar grudada no sensor da porta de uma das composições e da sujeira – é restrita. Quem atravessar a rua fora da faixa arrisca-se a tomar uma pesada multa.

"Há algumas décadas, o governo percebeu a necessidade de todo mundo falar inglês. Numa canetada, todas as escolas foram obrigadas a incluir o inglês no currículo. Hoje, todo singapuriano, bem ou mal, fala inglês", destaca o encarregado de negócios da embaixada brasileira em Singapura, Herbert Drummond.

O país vive sob um regime parlamentarista e é governado pelo Partido de Ação Popular desde a independência da Malásia, em 1965. Quem é de fora se surpreende com as regras rígidas do país, mas os locais sabem que o Estado singapuriano já foi muito mais repressor. No final da década de 90, o governo chegou a proibir a exibição do filme Titanic por conta de algumas cenas de nudez.

Hoje, são poucos os sinais da mão pesada do Estado, mesmo assim, sobra a certeza de quem em caso de alguma escorregada, grande ou pequena, haverá punição. "Aqui, a lei funciona para todos. Para traficantes, a pena é de morte, para crimes como estupro, chibatadas. Em caso de desvio de recursos públicos, além de devolver tudo, o cidadão vai preso. Há alguns anos, deram oito anos de cadeia para um sonegador do Imposto de Renda. Além disso, há os pequenos deslizes: quem for pego comendo no metrô é multado em R$ 780", diz Drummond.

Nenhum comentário:

Postar um comentário