quarta-feira, 30 de julho de 2014

Vale, amiga ou inimiga?


Vale, amiga ou inimiga?
Será que a Vale ao exportar 400 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, sem valor agregado, está fazendo um bem ao Brasil?

 Será que a nossa sina é de sermos eternos atores coadjuvantes, exportadores de matéria prima, até o dia em que esgotarmos as melhores e maiores jazidas de minério de ferro do planeta?

A cada dia que passa novas minas de minério de ferro estão sendo fechadas ao redor do mundo em uma rotina que começa a perturbar o sono de muitos.

O que é comum a todos esses empreendimentos mineiros, que estão fechando as portas e sendo exterminados um a um, é o alto custo de produção. Essas minas produzem seu minério de ferro, geralmente de baixa qualidade, acima do preço do mercado.

Esse é um pecado mortal que o nosso mundo capitalista não perdoa.

São exatamente esses pontos, o baixíssimo custo de produção da tonelada de minério de ferro, e a imbatível qualidade do minério de Carajás que serão o pilar de sustentação da Vale, por muitas décadas.

A Vale está montada em cima da maior concentração de minério de ferro de alto teor do mundo: a Serra de Carajás. É lá que afloram bilhões de toneladas de minério com teores de 67% Fe, sem contaminantes: sem nenhuma dúvida uma das maiores riquezas minerais do Brasil.

Um verdadeiro presente da natureza, cujas riquezas, infelizmente, podem não estar sendo tão bem gerenciadas assim.

Parece piada, mas até hoje não sabemos exatamente quais são os recursos totais do minério de ferro de Carajás. No entanto, o que já foi quantificado, 18 bilhões de toneladas, já basta para o próximo meio século de exportações ao nível frenético atual.

E depois? Quando o minério acabar? O que realmente ficará fora as lembranças?

Ah, o minério de Carajás... Um bem com data e hora para acabar.

Sabemos que não é preciso gastar quase nada para melhorá-lo. Enquanto em outras minas o minério é concentrado através de processos e equipamentos caros, em Carajás é só moer e exportar. Uma benção que os executivos da Vale deveriam agradecer, todos os dias, nas suas rezas.

O minério é tão bom que já se constitui em um “brand”, uma marca de qualidade que vai receber o selo do INMETRO, assim como todos os demais produtos brasileiros para exportação.

Os custos totais para produzir esse minério são baixíssimos: em torno de US$21.6/t. Esses custos podem cair ainda mais, abaixo dos US$20/t, o que tornaria a Vale a mais eficiente mineradora de minério de ferro do mundo. O que isso significa? Lucros. Lucros e mais lucros.

Como o minério de ferro da Vale pode, então, perder para o das concorrentes australianas?

O que as gigantes australianas Rio e BHP têm de melhor é, somente uma coisa, a proximidade do maior centro consumidor do planeta: a China. É essa a única vantagem que eles têm sobre Carajás.

 Temos que lembrar que as australianas produzem, também, a custos baixos. A Rio Tinto, por exemplo, consegue produzir o seu minério a US$20,80/t um pouco abaixo da Vale.

A Vale, apesar dos seus novos Valemax, os maiores navios de carga do mundo, e dos centros logísticos na Malásia, ainda tem uma distância maior a percorrer do que os australianos, até os portos chineses. Esse custo adicional no frete é um dos motivos que a torna torna ligeiramente menos competitiva.  É por causa do frete mais elevado que (veja o gráfico) os minérios australianos ainda chegam aos portos chineses com custos um pouco abaixo dos custos do minério da Vale.

O gráfico abaixo mostra que o minério da Vale chega na China, um pouco acima de US$50/t. Essa diferença de poucos dólares será achatada com os custos mais baixos de transporte dos Valemax e tenderá a desaparecer.


custos ferro CIF China
Ainda existe um importante diferencial a ser lançado nesta equação: a qualidade do minério. Esse diferencial é todo da Vale e é capaz de virar completamente o jogo ao longo do tempo.

Mesmo o melhor produto australiano como o Premium Brockman não é páreo para o minério de Carajás de extrema qualidade.

Pior ainda! O minério de alto teor australiano está sendo misturado aos de baixa qualidade criando um produto blendado de 62% Fe, que é o Pilbara Blend. Isso ocorre, pois o preço de US$73/t que o mercado paga por esse minério de baixo teor australiano, tipo Robe Valley e Yandicoogina, já começa a ser inviável.  Se os australianos pararem com a blendagem os seus minérios de baixa qualidade e as minas que os produzem serão os próximos a serem expurgados da equação.

Eles estão entre a cruz e a espada e já começam a dar descontos de até 13% tentando, dessa forma, desovar o minério menos competitivo enquanto economizam o de alta qualidade. É uma situação insustentável no médio prazo, pois os minérios australianos tipo premium irão desaparecer, na projeção atual de produção, em duas décadas.

A partir daí a Vale irá reinar quase sem competição.

Se você investe em Vale, e leu esse artigo, já deve ter sentido uma significativa redução no seu ritmo cardíaco. Fique tranquilo. Em se tratando de minério de ferro a Vale sempre estará no topo.

Mesmo sem agregar praticamente nenhum valor ao minério exportado.

No nosso entender não é dos australianos que temos que ter medo, mas sim dos imensos lucros que estamos transferindo para os chineses ao exportarmos um minério de ferro,  sem nenhum valor agregado, a preços de US$90/t.

 Esse é o dano maior que se esconde por trás das nossas gigantescas exportações de minério de alta qualidade. Nesta equação contabilizamos um imenso prejuízo, que se torna muito maior por que o minério de ferro é um bem não renovável.

Você deve entender que a Vale, ao exportar centenas de milhões de toneladas de minério por ano, um bem não renovável, dá aos importadores chineses todo o lucro da cadeia produtiva, pouco deixando no solo brasileiro.

 Essa fuga de riquezas tem que parar. Ela já nos penaliza em bilhões no curto prazo e em trilhões no longo.

Se ao invés de exportar produtos de baixíssimo valor agregado a Vale começasse, também, a investir na siderurgia, adicionando o aço ao seu portfólio de produtos, nós veríamos uma verdadeira revolução, com a criação de muito mais riquezas, empregos e impostos. Aí sim, estaríamos vendendo produtos de milhares de dólares por toneladas ao invés dos míseros US$94/t que vendemos hoje.

O que nos impede de dar os próximos passos desta transformação? O medo? A falta de know-how? Ou simplesmente o descaso com os nossos recursos naturais e com o povo brasileiro?

Enquanto isso as siderúrgicas chinesas se transformam em mineradoras e começam a comprar todas as minas de qualidade existentes e disponíveis em todos os continentes. Elas não tem problema em adicionar valor aos seus bens minerais, por que nós temos que ter?

É hora de acabar com esse complexo de inferioridade terceiro-mundista, criado pelos grandes importadores, onde seremos os eternos fornecedores de minério de ferro de baixo valor e importadores do mesmo ferro já transformado em produto de altíssimo valor.

Ou teremos que esperar Carajás acabar para mudar?

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