Inclusões fluidas em topázio do Complexo Granítico Estanífero de Massangana (RO)
RESUMO
O
complexo granítico de Massangana, localizado na região central de
Rondônia, sudoeste do Cráton Amazônico, Brasil, é um importante
exemplo da Província Estanífera de Rondônia. Esse complexo possui
dimensões batolíticas, marcantes estruturas anelares relacionadas às
sucessivas fases magmáticas e hospeda mineralizações de Sn, W, Nb,
Ta, topázio e berilo associadas a pegmatitos. Esse trabalho apresenta
a composição química e as condições mínimas de aprisionamento dos
fluidos nos cristais de topázio encontrados no complexo granítico
estanífero de Massangana. O topázio, de cor azul, apresenta qualidade
gemológica e possui cinco grupos de inclusões fluidas de natureza H2O-NaCl, cuja salinidade equivalente varia de 3,4 a 11,7% em peso de NaCl, densidade em torno de 0,75g/cm3
e temperatura de homogeneização total (Th) entre 320 e 350ºC.
Devido à íntima associação do topázio com cassiterita, wolframita e
columbita-tantalita nos corpos pegmatíticos, admite-se que esse
intervalo de Th também corresponda ao intervalo mínimo de
cristalização desses outros minerais metálicos. Considerando que os
pegmatitos no complexo granítico de Massangana estão associados às
últimas fases magmáticas, é provável que a profundidade de
posicionamento desses corpos pegmatíticos seja inferior a 3 km e a
uma pressão estimada entre 1 e 1,5 kbar.
Palavras-chave: complexo granítico de Massangana, topázio gemológico, inclusões fluidas, Roraima.
ABSTRACT
The
Massangana granitic complex, located in the central region of the
State of Rondônia, State, southwestern of the Amazon craton, Brazil,
is an important example of the Rondônia Tin Province. The complex
represents a batholitic body with conspiscuous ring structures
related to successive intrusion events hosting Sn, W, Nb, Ta, topaz
and beryl mineralizations associated to pegmatite. In this paper we
determine the chemical composition and the minimal conditions of capture
of the fluids in topaz from the Massangana granitic complex. The
blue topaz has gemological quality and presents five groups of H2O-NaCl fluid inclusions, with salinity between 3,4 to 11,7% weight % NaCl equivalent, density about 0,75g/cm3
and homogenization temperature between 320 to 350ºC. The close
association of topaz with cassiterite, wolframite and
columbite-tantalite in pegmatites suggests the same minimal
homogenization temperature for the crystallization of the mentroned
metalic minerals. The pegmatitic bodies in the Massangana Complex are
associated with the last magmatic phases and their probable emplacement
depth is less than 3 km corresponding to an estimated pressure
between 1 to 1,5 kbar.
Keywords: Massangana granitic complex, gemological topaz, fluid inclusions, Roraima.
1. Introdução
O
complexo granítico estanífero de Massangana está localizado na
região central de Rondônia, distante cerca de 220km ao sul da capital
Porto Velho (Figura 1).
Essa região abriga os principais depósitos de estanho da Província
Estanífera de Rondônia e foi alvo de intensa atividade de mineração
por cerca de 40 anos (Dall'Igna, 1996). Atualmente, devido ao baixo
preço do estanho no mercado internacional, apenas poucos garimperiros
atuam na área do complexo granítico de Massangana, extraindo
principalmente topázio e um pouco de cassiterita ao longo de pequenos
aluviões. O topázio é comercializado como gema e seu jazimento
primário está associado a corpos pegmatíticos, os quais foram, em
grande parte, erodidos e transportados para os aluviões.
Esse
trabalho objetiva caracterizar a composição química e as condições
mínimas de aprisionamento dos fluidos nos cristais de topázio
encontrados no complexo granítico estanífero de Massangana. A
metodologia de trabalho envolveu estudos petrográfico e
microtermométrico em quatro seções polidas em ambas as faces. No
estudo microtermométrico utilizou-se a platina Chaixmeca modelo 871
do Laboratório de Inclusões Fluidas do Instituto de Geociências da
Universidade de Brasília (IG-UnB). O equipamento foi calibrado
utilizando-se inclusões fluidas sintéticas, com precisão variando de
±1ºC para resfriamento até -100ºC e de ±5ºC para aquecimento até
350ºC, com velocidade de aquecimento de cerca de 1ºC por minuto. Duas
inclusões fluidas foram ainda submetidas à análise por
espectroscopia micro-Raman no Instituto de Física da Universidade
Federal de Minas Gerais.
2. Contexto geológico
O
complexo granítico de Massangana é um dos principais representantes
dos chamados Granitos Jovens de Rondônia (Kloosterman, 1967 e 1968).
Possui dimensões batolíticas e se destaca nas imagens de satélite e
fotografias aéreas pelo seu formato elíptico e alongado na direção
ESE-WNW, contendo estruturas anelares relacionadas às sucessivas fases
magmáticas que constituem a história evolutiva desse batólito
(Kloosterman, 1967 e 1968; Warghorn, 1974; Isotta et al., 1978).
Romanini (1982) caracterizou quatro fases magmáticas, denominando-as
de Massangana, Bom Jardim, São Domingos e Taboca (Figura 1).
A fase Massangana é a principal e mais antiga, com idade U-Pb em
zircão de 991±14Ma (Bettencourt et al., 1999), sendo constituída por
um biotita granito cálcio-alcalino a alcalino, de cor rosa-claro, com
textura porfirítica média a grossa e contendo megacristais de
feldspato potássico. As fases Bom Jardim e São Domingos são
intrusivas na fase Massangana, apresentam idade Rb-Sr em rocha total da
ordem de 956±9Ma, com razão inicial 87Sr/86Sr de 0,7104±0,0056
(Priem et al., 1989), sendo representadas por dois stocks de biotita
granito de composição alcalina, exibindo cor rosa-claro, textura
inequigranular fina a média e contendo xenólitos de diferentes tipos
de rochas. A fase Taboca é considerada mais jovem, pois é intrusiva
na fase Bom Jardim e é representada por apófises sieníticos a
quartzo-sieníticas, com textura inequigranular fina a média, também
contendo xenólitas das rochas encaixantes.
Os
depósitos de estanho no complexo granítico Massangana estão
relacionados às fases Bom Jardim e São Domingos, com a cassiterita
associada a veios de quartzo, greisens e corpos pegmatíticos,
normalmente contendo wolframita, berilo, topázio e
columbita-tantalita (Romanini, 1982; Bettencourt & Dall'Agnol,
1995; Bettencourt et al., 1997). Os cristais de topázio
comercializados como gemas ocorrem nas zonas intermediária e central
dos corpos pegmatíticos heterogêneos, normalmente associados a
berilo, cassiterita, wolframita e columbita-tantalita. Esses cristais de
topázio são euédricos, de hábito prismático com terminações
piramidais, com tamanho entre 3 e 12cm, são pouco fraturados,
transparentes a translúcidos e apresentam cor variando de azul,
amarelo a incolor.
3. Inclusões fluidas
O
estudo de inclusões fluidas foi realizado em cristais de topázio
azul, devido ao seu maior interesse comercial como uso gemológico (Figura 2A) e por apresentar um número mais representativo de grupos de inclusões fluidas (Figura 2B a 2F).
A
observação petrográfica à temperatura ambiente (±25ºC), com base
na morfologia, número e volume de fases envolvidas no sistema fluido,
permitiu identificar cinco grupos de inclusões fluidas de natureza
aquosa, sendo quatro grupos com características de inclusões fluidas
primárias e um grupo com característica de inclusões fluidas
pseudo-secundárias. Os grupos de inclusões fluidas primárias (L1, L2, S1 e S2)
ocorrem, normalmente, nas partes mais centrais dos cristais de
topázio, distribuídos em grupos e/ou alinhados ao longo de planos de
crescimento do cristal, enquanto que as inclusões fluidas
pseudo-secundárias (L3) tendem a ocorrer nas bordas dos cristais, distribuídas de modo aleatório.
O grupo L1
é do tipo bifásico, pois apresenta uma fase líquida e uma fase
gasosa, exibe formato em bastonete com tamanho entre 20 e 40µm, é
transparente a levemente rosada, com contornos finos e o volume da fase
gasosa (Vg) em relação à fase líquida variando de 40 a 50% (Figura 2B).
Ocasionalmente, contém uma fase sólida de cor preta, hábito granular
e tamanho inferior a 1µm, a qual é interpretada como provável
agregado mineral capturado durante a formação da cápsula hospedeira
de fluidos e gases.
O grupo L2
é do tipo bifásico e é o mais freqüente. Apresenta formato
elíptico a levemente prismático, ocasionalmente como cristal
negativo, seu tamanho varia de 2 a 8µm, é transparente a translúcido,
com contornos mais grossos e bem definidos, e Vg variando de 40 a 50% (Figura 2C).
O grupo S1 é raro, apresenta a mesma morfologia e Vg das inclusões fluidas do grupo L1,
porém é constituído de inclusões fluidas trifásicas, pois apresentam
uma terceira fase representada por um sólido de saturação incolor,
de hábito cúbico e isótropo, interpretado como um sal do tipo halita,
o qual ocupa um volume (Vs) em torno de 3% da inclusão fluida (Figura 2D).
O grupo S2
é do tipo trifásico e é o mais raro, apresenta formato elíptico a
levemente prismático, tamanho entre 4 e 8µm, um Vg entre 50 e 60% e
uma fase sólida de saturação com Vs inferior a 3% (Figura 2E).
O grupo L3
é constituído por inclusões fluidas bifásicas e é pouco
freqüente. São consideradas como inclusões fluidas pseudo-secundárias
por exibir formato irregular e tamanho variando de 40 a 90µm. Essas
inclusões fluidas são transparentes, com contornos finos e Vg entre
20 e 30% (Figura 2F).
A observação microtermométrica permitiu caracterizar esse sistema fluido como do tipo H2O-NaCl, o que foi comprovado por meio da espectroscopia micro-Raman (Figuras 3A e 3B).
Durante o resfriamento das inclusões fluidas (até -120ºC), o sistema
fluido apresenta um intervalo de congelamento total entre -70 e
-80ºC. Já durante o processo de aquecimento (até +360ºC), esse
sistema fluido apresenta a primeira mudança de fase entre -24,2º e
-18,6ºC, correspondente à temperatura do eutético (Te), a qual é uma
medida pouco precisa e muitas vezes de difícil observação. Segundo
Shepherd et al. (1985), o intervalo de temperatura do eutético para o
sistema fluido H2O-NaCl varia de -21,2º a -20,8ºC. A
segunda mudança de fase, correspondente à temperatura de fusão do
gelo (Tfg), ocorre no intervalo de -8º a -2ºC (Figura 3C), sendo que para as inclusões fluidas L3 a Tfg = -3,8º a -2ºC, para L1 a Tfg = -6,8 a -3,6ºC e para L2 a Tfg = -8 a -5,3ºC . A temperatura de homogeneização total (Th) nas inclusões fluidas L1, L2 e L3 ocorre para a fase líquida no intervalo de 320 a 350ºC, porém com maior freqüência entre 330 e 340º C (Figura 3D). Nos casos das inclusões fluidas contendo sólidos de saturação (S1 e S2),
a fase sólida apresenta temperatura de dissolução (Tds) logo após a
temperatura de homogeneização das fases líquida-gasosa (L+G=L), ou
seja, no intervalo entre 345 a 350ºC (Figura 3D).
A salinidade do sistema H2O-NaCl, para as inclusões fluidas bifásicas (L1, L2 e L3),
foi calculada com base na temperatura de fusão do gelo (Tfg),
aplicando-se a equação proposta por Bodnar (1993), onde se obteve um
intervalo de salinidade equivalente de 3,4 a 11,7% em peso de NaCl,
distribuído no seguinte modo: inclusões fluidas L3 entre 3,4 e 6,1%, L1 entre 6 a 10,2% e L2 entre 8,3 e 11,7% em peso de NaCl equivalente. Para as raras inclusões fluidas trifásicas (S1 e S2),
a salinidade foi calculada com base na temperatura de dissolução da
fase sólida (Tds), aplicando-se a equação proposta por Sterner et al.
(1988), onde se obteve uma salinidade equivalente entre 42 e 42,5%
em peso de NaCl. A densidade das inclusões fluidas mais comuns (L1 e L2),
estimada com base no diagrama que relaciona salinidade por
temperatura de homogeneização total (Shepherd et al. 1985), apresenta
um valor entre 0,65 e 0,75 g/cm3.
4. Considerações finais
Em
geral, nos corpos graníticos portadores de pegmatitos com
mineralizações de Sn, W, Nb, e Ta e gemas, os sistemas fluidos são
aquosos a aquo-carbônicos, apresentam baixa a moderada salinidade,
baixa densidade e temperatura mínima de aprisionamento entre 350 e
500ºC (Campbell & Panter, 1990; Linnen & Williams-Jones,
1994; Lu & Lottermoser, 1997). Estudos de inclusões fluidas em
quartzo, topázio, fluorita e cassiterita nos sistemas de veios e
greisens de outros depósitos de Sn e W na região central de Rondônia
demonstram que a temperatura mínima de aprisionamento desses fluidos
varia de 270 a 420ºC (Souza & Botelho, 2002; Leite Júnior, 2002).
No
complexo granítico estanífero de Massangana, o sistema fluido no
topázio, com características gemológicas, é de natureza
essencialmente aquosa (H2O-NaCl). Entretanto esse sistema
apresenta salinidade variando de baixa a alta, ou seja, nas inclusões
fluidas bifásicas (L1, L2 e L3) a salinidade equivalente varia de 3,4 a 11,7% em peso de NaCl, enquanto que nas raras inclusões fluidas trifásicas (S1 e S2)
a salinidade equivalente varia de 42 a 42,5% em peso de NaCl. Essa
variação no valor da salinidade é indicativa da provável mistura de
fluidos de diferentes naturezas (por exemplo, magmático e meteórico)
durante a ascensão do sistema fluido associado às fases Bom Jardim e
São Domingos, modificando desse modo a salinidade dos fluidos mais
primordiais, provavelmente representados pelas inclusões fluidas S1 e S2.
Entretanto o modo de distribuição dos grupos de inclusões fluidas no
interior dos cristais de topázio sugere uma variação nos valores de
salinidade, de temperatura de homogeneização (Th) e de cronologia das
inclusões fluidas, reflexo dos estágios progressivos de crescimento
dos cristais. Nesse sentido, os primeiros grupos de inclusões fluidas
formados apresentam os maiores valores de salinidade e Th (L1, L2, S1 e S2) e ocupam as partes mais centrais dos cristais, ao contrário do grupo de inclusões fluidas pseudo-secundário (L3)
consideradas mais jovens e apresentando valores mais baixos de
salinidade e Th. Todavia, o contraste entre os valores de Th para os
grupos de inclusões fluidas primárias e pseudo-secundárias não é tão
marcante, o que sugere que a temperatura no interior dos corpos
pegmatíticos permaneceu elevada por um considerável período de tempo.
Com
base nos critérios propostos por Van den Kerkhof e Hein (2001), esse
sistema fluido apresenta característica de aprisionamento homogêneo,
pois seu volume Vg varia muito pouco, tanto nas inclusões fluidas
primárias, como nas pseudo-secundárias, o que demonstra também baixa
variação na densidade desse fluido. Logo, a temperatura de
homogeneização total aqui apresentada (Tht = 320 e 350ºC) pode ser
considerada como a temperatura mínima de aprisionamento desse fluido.
Devido à íntima associação nos corpos pegmatíticos do topázio com
cassiterita, wolframita e columbita-tantalita, admite-se que o
intervalo de temperatura entre 320 e 350ºC também corresponderia ao
intervalo mínimo de cristalização desses outros minerais metálicos.
Assim, é provável que o principal intervalo mínimo de temperatura de
precipitação da cassiterita nos depósitos de estanho de Rondônia
oscile na faixa de 300 a 400ºC.
Os
complexos graníticos com estruturas anelares são, normalmente,
alojados em níveis crustais rasos e ao longo de falhamentos
transcrustais (Johson et al., 2002). Segundo Okida (2001), os
Granitos Jovens de Rondônia foram alojados em estruturas de alívio ao
longo de linhas de fraquezas crustais, através da atuação de
movimentos progressivos transpressivos-transtensivos. Considerando
que os corpos pegmatíticos portadores de minerais de Sn, W, Nb, e Ta e
gemas no complexo granítico estanífero de Massangana estão
associados às últimas fases magmáticas (Bom Jardim e São Domingos), é
provável que a profundidade de posicionamento desses corpos seja
inferior a 3 km e a uma pressão estimada na ordem de 1 a 1,5kbar.
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