A CHAPADA DOS DIAMANTES
Serra do Sincorá, Bahia
A SERRA
A serra do Sincorá é uma parte da Chapada Diamantina, situada na região central do Estado da Bahia, que constitui um sítio de grande beleza paisagística devido ao modelado de suas serras, que expõem vales profundos de encostas íngremes e amplas chapadas. Essas escarpas permitem o exame da sua geologia, onde tempos atrás foram explorados diamantes e carbonados.
A serra do Sincorá está localizada na região central do Estado da Bahia, distante da cidade de Salvador, capital do estado, cerca de 400km (figura 1). Para chegar à serra do Sincorá a partir de Salvador, deve-se seguir em direção a Feira de Santana (rodovia BR-324), continuando então para sul em direção ao Rio de Janeiro pela rodovia BR-116. Cerca de 70km a sul de Feira de Santana, à margem do rio Paraguaçu, entra-se à direita pela rodovia BR-242, em direção a Brasília. Cerca de 220km adiante, chega-se à cidade de Lençóis: ai está a serra do Sincorá, que fica dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina. O acesso por via aérea é feito por linhas regulares através do Aeroporto Cel. Horácio de Matos, situado na vila de Tanquinho (figura 1).
Figura 1 - Mapa de localização da serra do Sincorá. Legenda: 1-Região da serra; 2-Rodovia pavimentada; 3-Estrada não pavimentada; 4-Rio; 5-Cidade ou vila; 6-Aeroporto.
DESCRIÇÃO DO SÍTIO
A serra do Sincorá está localizada na borda centro-oriental da Chapada Diamantina, aproximadamente entre as vilas de Afrânio Peixoto (antiga Estiva) a norte e de Sincorá Velho a sul (figura 1). Sua vertente ocidental é uma escarpa quase contínua, com cerca de 300m de altura e 80km de extensão; a escarpa oriental, que domina a planície do vale do Paraguaçu (400m), atinge rapidamente a altitude de 1200m, nas primeiras cristas da serra. Assim descreve a serra, o biólogo Roy Funch, em seu livro Um guia para o visitante da Chapada Diamantina: o Circuito do Diamante: o Parque Nacional da Chapada Diamantina; Lençóis, Palmeiras, Mucugê, Andaraí, editado em Salvador pela Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia em 1997.
Montanhas e cachoeiras
A serra do Sincorá compreende um conjunto de diversas serras de menor extensão com as da Cravada, do Sobrado, do Lapão, do Veneno, do Roncador ou Garapa, do Esbarrancado, do Rio Preto, entre muitas outras. Essas serras possuem picos com até 1700m de altitude e são separadas por vales íngremes e profundos como canyons.
Uma feição que se destaca na serra do Sincorá, é o morro do Pai Inácio à margem da rodovia BR-242, a norte do vale do Cercado (figura 2).
Figura 2 - Vale do Cercado, a sul do morro do Pai Inácio, na rodovia BR-242.
Mais ainda a norte do morro do Pai Inácio, está o morro do Camelo ou Calumbi (figura 3), e a sul, o Morrão (figura 4), cujo acesso se faz através da estrada entre a cidade de Palmeiras e a vila de Caeté Açu (figura 1).
Figura 3 - Morro do Camelo ou Calumbi
Figura 4 - Morrão
Entre o Morrão e a vila de Caeté Açu, é cruzada a ponte sobre o rio Riachinho, onde existe um antigo garimpo de diamantes (figura 5).
Figura 5 - Rio Riachinho
O principal rio desta região, é o rio Paraguaçu. Após atravessar a serra do Sincorá desde a localidade de Comércio de Fora (figura 6), ele a deixa na localidade de Passagem de Andaraí, formando a cachoeira de Donana (figura 7). Daí, o rio prossegue em busca do oceano Atlântico, na baía de Todos os Santos.
Figura 6 – Escarpa da serra do Sincorá em Comércio de Fora, a oeste da cidade de Mucugê.
Figura 7 - Cachoeira de Donana
As rochas que afloram na serra do Sincorá, consistem essencialmente em arenitos e conglomerados. Orville A . Derby (1851-1915), geólogo norteamericano, que no início do século XX trabalhou na região, disse delas o seguinte: “ Este conglomerado representa um depósito de cascalho formado em uma época geológica remota pelo mesmo modo que se formaram, e ainda hoje se formam, os cascalhos (conglomerados incoerentes e ainda não transformados em pedra) em que os mineiros procuram os diamantes.
Figura 8 – Arenitos, isto é, rochas formadas por areias consolidadas na vila de Igatu.
Figura 9 – Conglomerados(antigos cascalhos) intercalados com arenitos no vale do rio Combucas, a norte da cidade de Mucugê.
Diamantes
No ano de 1844, foram descobertos diamantes na serra do Sincorá, na região de Mucugê (figuras 1 e 12). A partir dessa região toda a serra foi explorada, garimpando-se diamantes desde o rio Sincorá a sul (figuras 1 e 7), até a região de Afrânio Peixoto a norte (figura 1).
Figura 10 – Como os diamantes são transportados do interior da Terra (à esquerda); Como as rochas são erodidas, liberando os diamantes, que então são garimpados nos rios (à direita).
Esses diamantes, que deram fama e riqueza à região formaram-se em algum lugar do interior da Terra onde a crosta terrestre era bastante espessa, e foram transportados por rochas chamadas kimberlitos, que forçaram o seu caminho para a superfície (figura 10). Assim, os diamantes se comportariam como meros passageiros em uma parada de ônibus (lado esquerdo). Quando os kimberlitos que os continham alcançaram a superfície, eles sofreram processos de erosão, liberando os diamantes, que foram encontrados em areias e cascalhos de rios (lado direito). Dando uma idéia da sua raridade, Jiri (George) Strnad, geólogo canadense especialista em diamantes, estimou que em um kimberlito diamantífero exposto em uma escarpa medindo 10 x 2m, estaria contido apenas um diamante minúsculo, com um milímetro de diâmetro !
Na serra do Sincorá, a fonte dos diamantes ainda é amplamente discutida. Sabe-se apenas que eles vieram do leste, mas o local exato ainda não foi definido. Os diamantes eram garimpados no cascalho produzido pela decomposição de conglomerados (figura 11), aflorantes no vale do rio Combucas (figura 12).
Figura 11 - Detalhe do conglomerado do vale do rio Combucas (figura 12), depositado por antigos rios.
Figura 12 - Rio Combucas, a norte da cidade de Mucugê, próximo à sua confluência com o rio Mucugê, local das primeiras descobertas de diamantes na serra do Sincorá.
A cachoeira do Serrano na cidade de Lençóis (figura 13), também foi intensamente explorada. Aí, os conglomerados são formados por fragmentos de diversas rochas (figura 14). Eles foram depositados no sopé de escarpas.
Figura 13 - Cachoeira do Serrano, na cidade de Lençóis.
Figura 14 - Conglomerado da cachoeira do Serrano. Acredita-se que ele tenha sido depositado no sopé de escarpas, o que se chama de leques aluviais.
A garimpagem também foi intensa nas regiões de Andaraí e Igatu. A figura 15 mostra os conglomerados na estrada entre essas duas localidades. O rejeito dos antigos garimpos ainda pode ser visto ao longo desta estrada, como amontoados de blocos de tamanhos e formas diversas.
Figura 15 - Conglomerados ao longo da estrada Andaraí - Igatu
Após uma fase áurea de aproximadamente 25 anos, a garimpagem de diamantes entrou em declínio a partir de 1871. Já no século XX, houve diversas tentativas de mecanizar os garimpos, que na década de 80 foram instalados nos leitos dos rios dentro e fora do Parque Nacional. Estes garimpos, graças a uma ação conjunta de diversas autoridades ligadas à mineração e ao meio ambiente, foram fechados definitivamente em março de 1996.
Mesmo após 150 anos de exploração dos aluviões diamantíferos, ainda existe garimpagem manual, embora em ritmo mais lento, devido à exaustão e decadência das lavras. Devido ao número ilimitado de situações geológicas e topográficas da serra, existem os seguintes tipos de garimpo manual, mencionados pelo biólogo Roy Funch, cada qual com suas peculiaridades:cascalhão, barranco, brejo, grupiara, emburrado, curriolo, engrunada, gruta, escafandro, serviço a seco, lavagem e faísca (figura 16).
Figura 16 - Representação esquemática dos tipos de garimpo manual (descrições no glossário)
Esses fatos confirmam a afirmação de Orville A . Derby : "Quanto à riqueza mineral, a única até hoje aproveitada é a de diamantes e carbonados, e a sua constituição geológica [da serra do Sincorá] pouca esperança oferece da existência de outra...".
MEDIDAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
O trecho da serra do Sincorá situado entre Cascavel e Mucugê e a rodovia BR-242, está incluído no Parque Nacional da Chapada Diamantina. A norte da rodovia BR-242, os morros do Pai Inácio e do Camelo estão dentro da APA (Área de Proteção Ambiental) de Iraquara-Marimbus.
De acordo com informações do biólogo Roy Funch, o rio Mucugê, em cujo leito foram descobertos os primeiros diamantes, está razoavelmente bem protegido: o seu alto curso fica dentro do Parque Nacional e o baixo curso corre dentro da área do Parque Municipal de Mucugê (uma reserva com cerca de 270 hectares). Este parque ainda inclui o baixo curso do rio Combucas e vários dos seus afluentes, limitando-se com o Parque Nacional.
Além dessas medidas, existe no município de Mucugê, o Projeto Sempre Viva. Este projeto tem os seguintes objetivos: 1) implantação de uma unidade de conservação estruturada para o ecoturismo, no Parque Municipal de Mucugê; 2) desenvolvimento de tecnologia de reprodução de plantas nativas; 3) implantação de um Sistema de InformaçõesGeográficas (SIG); e, 4) execução de um programa de educação ambiental. A sua sede, construída no estilo dos antigos abrigos de garimpeiros, é mostrada na figura 17.
Figura 17 - Parte das instalações do Projeto Sempre Viva.
PARA SABER MAIS
Catharino, J.M. 1986. Garimpo-Garimpeiro-Garimpagem, Chapada Diamantina, Bahia. Rio de Janeiro, Philobiblion/Banco Econômico, 270 p.
CPRM-Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, 1994. Projeto Chapada Diamantina: Parque Nacional da Chapada Diamantina-BA: Informações Básicas para a Gestão Territorial: Diagnóstico do Meio Físico e da Vegetação. Salvador, CPRM/IBAMA, 104 p.
Funch, R., 1997. Um guia para o visitante da Chapada Diamantina: o Circuito do Diamante: o Parque Nacional da Chapada Diamantina; Lençóis, Palmeiras, Mucugê, Andaraí. Salvador, Secretaria de Cultura e Turismo/EGBA, 209 p. (Coleção Apoio).
Lima, C.U. & Nolasco, M.C. 1997. Lençóis, uma Ponte entre a Geologia e o Homem. Feira de Santana, UESC/EGBA, 152 p.
Moraes, W., 1991. Jagunços e Heróis. 4ed. Salvador, Empresa Gráfica da Bahia/IPAC, 217 p.
Pedreira, A .J. & Bomfim, L.F., 2000. “Morro do Pai Inácio, Bahia”. Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. http://www.unb.br/ig/sigep/sitio072/sitio072.htm
Pedreira, A .J. 2001. “Serra do Sincorá, Bahia”. Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. http://www.unb.br/ig/sigep/sitio085/sitio085.htm
Sampaio, T.1955. O rio São Francisco e a Chapada Diamantina. Salvador, Livraria Progresso Editora, 278p. (Coleção de Estudos Brasileiros)
GLOSSÁRIO
Aflorantes – Rochas expostas na superfície, de modo que podem ser estudadas sem necessidade de escavações.
Aluvião – Areias e cascalhos depositados por rios. Ocasionalmente podem ser explorados em busca de metais preciosos.
Arenito – Rocha composta por grãos de areia com diâmetro máximo de 2 milímetros unidos por um cimento. Quando o cimento é ferruginoso, o arenito é amarelo ou avermelhado.
Barranco - Barranco alto de barro sobre uma fina camada de cascalho.
Brejo - Área baixa e úmida com pouco solo sobre o cascalho.
Cascalhão - Barrancos altos com cascalho e areia.
Conglomerado – Rocha composta por fragmentos rolados e subangulares de diversas origens, reunidos por ação de água ou de força de gravidade e cimentados entre si. Quando os fragmentos são angulosos, toma o nome de brecha.
Curriolo - Garimpo no leito de um rio, com muito cascalho e pedras soltas.
Emburrado – Garimpo em área de cascalho com grandes blocos de rocha.
Engrunada - Garimpo subterrâneo.
Escafandro - Garimpo submerso, trabalhado por mergulhadores.
Faísca - Pequeno garimpo feito em um dia.
Garimpo – Jazidas situadas em areias ou cascalhos depositados por rios, onde se exploram minerais preciosos, especialmente diamantes.
Grupiara - Cascalho na serra.
Gruta - Garimpo em túnel natural da serra.
Kimberlito – Rocha verde escura a negra, com aspecto de brecha e proveniente do interior da Terra, que transporta os diamantes para a superfície. O seu nome provém de Kimberley, na África do Sul.
Lavagem - Retrabalhamento do rejeito de um garimpo antigo.
Lavra – Exploração econômica de uma jazida mineral, como uma mina ou garimpo. O local onde isto se realiza.
Leque aluvial – Depósito de sedimentos em forma de leque, construído por uma corrente no local em que ela abandona as terras altas ou uma cadeia de montanhas e entra em um vale largo ou planície. Os leques aluviais são comuns em climas áridos ou semi-áridos, mas não restritos a eles.
Rejeito – Material geralmente não portador de diamantes, que pode ser retrabalhado posteriormente.
Serviço a seco - Garimpo em local sem água.
Sistema de Informações Geográficas (SIG ou GIS) - Sistema de computação capaz de reunir, armazenar, manipular e exibir informações referenciadas topograficamente, isto é, dados identificados de acordo com as suas localizações.
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