Seu Mané, o Paxá de Itaituba. No velho tempo dos descaminhos do ouro
“Na segunda, na quarta e na sexta-feira sou de uma. Na terça, na quinta e no sábado sou de outra. No domingo é minha folga, fico solteiro”.
Charge J. Bosco, especial para o livro Ramal dos Doidos, 1998 |
Quase ninguém na cidade e em toda a região garimpeira de Itaituba sabe quem é Aldo Inácio, um paulista de 38 anos que aqui chegou em 1980, vindo de Porto Velho numa Kombi. Mas ninguém desconhece o Seu Mané. E por duas razões - ele é hoje um dos homens mais ricos da região e que não faz segredo sobre sua vida familiar. Casado com duas mulheres com as quais tem oito filhos, cria um outro cuja mãe é gerente de uma de suas firmas e, para quem quiser surpreender-se, todos - só não a gerente - vivem sob o mesmo teto, aliás dentro do palacete cujas suítes têm a visão do Tapajós.
Sadako Sudo Inácio, 36 anos, uma nissei paulista, foi a primeira mulher com quem Seu Mané casou-se no civil. Ela deu-lhe seis filhos - três homens e três mulheres.
Mais tarde, começou a gostar, ‘por fora’, de Francinete Demétrio, 37 anos, natural de Rondônia. “Eu mesmo comecei a fazer com que as duas se aceitassem, eu levava presentes para uma e dizia que era a outra que mandava”, conta ele. Depois, “nós três achamos que era melhor dividir o mesmo fogão e resolvemos morar juntos”, ainda em Porto Velho.
Para proporcionar status social à segunda mulher, Seu Mané casou-se no católico com Francinete, transformando-a ainda em sua sócia nas empresas que possui “para dar a ela também os direitos sobre os meus bens e assim minhas duas esposas ficaram em pé de igualdade”. E o relacionamento amoroso? Ele responde: “Na segunda, na quarta e na sexta-feira sou de uma. Na terça, na quinta e no sábado sou de outra. No domingo é minha folga, fico solteiro”. Sadako e Francinete são senhoras de duas suítes espaçosas de frente para o rio Tapajós, uma bem ao lado da outra e nas quais não faltam conforto e luxo.
Totalmente submissas ao marido comum, “elas são tão unidas como se fossem duas irmãs”, vangloria-se Seu Mané. Segundo ele, e conforme foi possível observar, uma cuida dos filhos da outra, aparentemente sem distinção. As tarefas da casa são repartidas e é possível deparar-se com ambas conversando perto do fogão ou lavando os pratos junto com as empregadas. “Vivo feliz e começaria tudo de novo; não me vejo diferente das outras mulheres”, é o que afirma Sadako, praticamente a mesma opinião de Francinete, para quem “não é o dinheiro dele que faz isso”, frisando que a convivência triangular começou há 15 anos, quando a situação era outra.
“Dinheiro abafa”
Hoje as duas esposas de Seu Mané podem ser vistas, juntas, indo às compras, ao cabeleireiro, ou os três, presentes a um acontecimento social como foi no sábado passado, por ocasião do casamento de Elgislane, filha de Francinete. No convite para a festa constava o nome do pai da noiva e de suas duas esposas. Silfarney, um rapaz de 18 anos, filho também de Francinete, mostra-se tranquilo com a situação de sua família e não esconde que o “dinheiro abafa a discriminação”. Ele conta que, por vezes, há algumas gozações na escola e que, em casa, as brigas entre os irmãos nunca são causadas pelo fato de terem pai comum e mães distintas.
Aldo Makuto Inácio é filho de Sadako e tem 14 anos. Ele assegura que “não há diferença entre nós e nós olhamos uma e outra como nossa mãe”. E arremata: “Imagino fazer como o meu pai, pode ser até mais de duas”. Para Seu Mané, “é difícil um lar funcionar tão bem como o meu”, recordando que, quando chegou a Itaituba, há sete anos, pobre e numa Kombi velha, havia discriminação, “além da perseguição que sofri por ser pobre e porque tinha um bar”, logo depois de deixar a condição de camelô, “gritando aí nas portas das lojas”.
O nome Seu Mané surgiu da denominação de seu bar, em homenagem a Garrincha. Preso várias vezes “porque era pobre”, conta ele, acrescentando que “hoje consegui ser respeitado pela máfia que domina Itaituba”. E o patrimônio amealhado nesses sete anos? Aldo Inácio dá um sorriso maroto, como quem não quer ouvir a pergunta. Mas não se furta à resposta: Recentemente vendeu seus cinco supermercados por 86 milhões de cruzados “que ainda não pude receber”, tem uma papelaria, um laboratório de revelação em cores, três aviões de aluguel, 800 mesas de bilharito espalhadas pelos garimpos, três mil hectares de terra no quilômetro 180 da Transamazônica, nove casas e 22 terrenos em Itaituba, mais de mil hectares no Cento e Quarenta, propriedades na Transgarimpeira e 12 casas em Moraes Almeida.
Ele diz que está parado, presentemente, com os negócios com ouro, por causa do preço baixo. Mas afiança que em 1983 e 1984 chegou a comprar 70% do ouro produzido em Itaituba. Talvez por ter diversificado suas atividades, não se concentrando somente nos negócios com ouro, Seu Mané é um dos raros empresários considerados grandes, que apresenta relativa liquidez neste momento, quando alguns dos conhecidos barões da região enfrentam dificuldades.
Muitos Manés
“Se o ouro passasse dos atuais 1.100 para 2 mil cruzados o grama, em três meses todo mundo pagava todo mundo e a crise passava”. Seu Mané garante que na presente temporada “só uns dois” estão bamburrando nos garimpos, extraindo cerca de 100 quilos por semana. A dificuldade, diz ele, é a falta de capital de giro que afasta os investimentos. A situação dele é menos desastrosa, “porque eu sempre trabalhei em cima de marketing”. Homem de pouco estudo, Seu Mané mostra-se uma pessoa bem educada e relativamente bem informado, desde a bolsa de Londres às oscilações do mercado de capitais.
Na semana passada, enquanto dava andamento aos preparativos do casamento da filha (cerca de 5 milhões de cruzados com a festa que incluiu aviões para transportar convidados), ele se reportava à poluição do Tapajós que, na frente de sua casa, está com a cor amarelada pelos despejos dos garimpos: “A chamada civilização é assim mesmo”. A despeito de todos os problemas hoje vividos na região do ouro, Aldo Inácio está convencido de que tudo pode mudar para melhor “e ainda podem surgir centenas de Seus Manés por aqui”.
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