GARIMPANDO EM REJEITOS DE GARIMPOS
A atividade garimpeira é um trabalho essencialmente
masculino e não sei de nenhum garimpo onde mulheres trabalhem ao lado de
homens.
Mas, se é normal que só os homens garimpem, é também
normal que mulheres e crianças revolvam rejeitos deixados pela atividade dos homens,
buscando material de qualidade inferior ou eventualmente alguma coisa de valor
maior que eles possam ter deixado escapar.
Isso
não deixa, é verdade, de ser garimpagem também, mas não é o trabalho pioneiro,
não é o desmonte primário do material mineralizado. É uma atividade secundária
que só existe, quando existe, se houve homens que deram início ao garimpo e geralmente
só enquanto eles nesse garimpo trabalham.
Mas, há outro tipo de gente que revolve rejeitos de
garimpos. São os colecionadores de minerais. Os garimpeiros tradicionalmente só
aproveitam aquilo que eles estão buscando e minerais que se destacam pela beleza
ou pela raridade são muitas vezes desprezados simplesmente porque não é aquilo
que está sendo buscado. Dizem inclusive
que se um garimpo produzir ouro e diamantes os garimpeiros ficarão só com o
diamante, porque ficar com os dois dá azar...
Os garimpeiros de ametista da região do Médio Alto
Uruguai, no norte do Rio Grande do Sul, chamam os minerais estranhos, ou mesmo
minerais que eles conhecem, mas que se apresentam com uma aparência fora do
comum, de “esquisitos”.
Minha
coleção
de minerais conta com vários “esquisitos” e várias peças bonitas que
foram abandonadas por garimpeiros ou que deles recebi como presente. E
não são bem
mais numerosos simplesmente porque me falta espaço para guardá-los e
porque no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina não existem garimpos em
pegmatitos, rochas que fornecem minerais incríveis pela beleza, tamanho
ou raridade.
A drusa abaixo,
com cristais de calcita sobre ametista, provém de um garimpo de ametista do Rio
Grande do Sul. (Clique nas fotos se desejar ampliá-las.) Mede 30x28x12 cm e pesa 11,9 kg. A ametista não tem boa cor, mas
a peça é bonita pelo tamanho e pela associação com a calcita. Não estava no
rejeito quando a vi, mas tampouco estava junto às peças que iam ser
aproveitadas. Deixada de lado na boca de uma galeria (“broca”), me chamou a atenção
e perguntei ao garimpeiro mais próximo o que iriam fazer com ela. Nada, disse ele. Quer levar?
Esta
outra drusa, sim, estava solenemente largada no meio do rejeito. Ela mede
27x25x13 cm e pesa 8,1 kg.
O quartzo
abaixo (10x8x6 cm) contém o que os garimpeiros da mesma região chamam de mosquitinhos. São inclusões de cristais
de um outro mineral, a goethita, que podem ser pretos, como estes, ou
dourados. Para os garimpeiros, são
impurezas e isso é motivo suficiente para descartar os cristais em que aparecem.
São peças atraentes, curiosas, e que merecem figurar em coleções particulares e
museus.
Os cristais
de goethita às vezes formam tufos dispersos, como nesta amostra, mas outras
vezes desenvolvem-se todos a partir de um mesmo plano cristalográfico, estando
assim nivelados pela base.
Nesta outra
drusa (7x6x4 cm), inclusões talvez também de goethita, não formam tufos, mas
sim películas paralelas a uma das faces dos cristais. Esta bela peça também foi
reprovada pelo controle de qualidade do garimpeiro...
Os
cristais
de moscovita que normalmente são vistos aqui no Rio Grande do Sul são
pequenas palhetas de 1 cm ou menos de diâmetro, raramente 2-3 cm em
veios
pegmatoides. Mas, em um garimpo de gemas que visitei em Minas Gerais, o
pátio
junto à entrada da galeria estava forrado de moscovita medindo até 20
cm, se
não mais. Todo esse volume era rejeito dos garimpeiros, que para nada
lhes
serve a moscovita. Nesse mesmo garimpo, coletei no rejeito, além de
moscovita
(foto abaixo, medindo 18 x 8 cm), cristais de até 15 cm de espodumênio
(foto seguinte, 12x8x1 cm), outro mineral que não se encontra por aqui.
Certa vez, junto com alunos e professores de
Gemologia da UFRGS, visitamos um garimpo de ametista do Rio Grande do Sul que
produzia também cristais de selenita, uma variedade incolor e muitas vezes bem límpida
de gipsita. No galpão em que os garimpeiros costumam guardar ferramentas,
alimentos e outras coisas relacionadas com seu trabalho, havia vários pedaços pequenos
de selenita, com até uns 10 cm de comprimento. Eram peças de pouco valor
comercial que o garimpeiro, generoso, permitiu que os estudantes levassem.
Cada um
então pegou um cristal de selenita para si.
Eu não me interessei porque os cristais eram realmente de pouco valor. Mas,
havia entre eles a peça abaixo, bem maior (17x10x5 cm), bem cristalizada e que
ninguém ousou pegar, porque era claramente muito mais valiosa que os pequenos
fragmentos que estavam à sua volta. Estes,
como eu disse, não me interessavam, mas aquela peça, sim. Perguntei então ao garimpeiro
por quanto ele a venderia. Para minha surpresa, ele disse que eu podia levá-la.
Era presente também.
Quando
começaram a surgir os primeiros cristais de selenita naqueles garimpos do Médio
Alto Uruguai, eram todos desprezados pelos garimpeiros, que os chamavam de “pedra-gelo”. Mas, quando começaram a surgir cristais com
dezenas de quilos, apareceram compradores e eles viram que aquilo tinha valor
também. Hoje, toda a selenita é aproveitada.
Na região
de Salto do Jacuí, também no Rio Grande do Sul, está concentrado o maior número
de garimpos de ágata do estado (e do Brasil). E neles é comum ocorrer opala
comum de cor branca, às vezes com manchas acinzentadas ou cinza-amarronzadas,
como a que se vê na foto (15x7x6 cm). Pois essa opala toda é rejeitada pelos
garimpeiros e pode ser facilmente recolhida pelos interessados.
Nos
últimos anos, começou a aparecer, em um dos garimpos, uma opala também do tipo
comum (sem jogo de cores), mas de cor azul-acinzentada. Como o responsável pelo
garimpo era um geólogo, Klaudir Kellermann, ele soube valorizar a nova
descoberta e passou a guardar toda a opala dessa cor encontrada. Quando
visitamos seu garimpo pela última vez, Klaudir estava em busca de comprador
para o mineral. Fosse ele um simples garimpeiro, a opala azul seria mais um
mineral de valor museológico a acabar nos rejeitos do garimpo.
A peça
abaixo, de 8x4x3 cm, recebemos dele.
Eu disse,
no início, que os garimpeiros costumam desprezar aquilo que não é o objetivo de
seu trabalho. Mas, mesmo o mineral por eles procurado pode ser encontrado nos
rejeitos em peças de boa qualidade. A drusa de ametista ao lado foi abandonada
simplesmente por ser pequena (8x5x2 cm), mas a cor, o brilho e o tamanho dos
seus cristais são muito bons.
O Rio
Grande do Sul é o maior produtor brasileiro de ágata e ametista. A ágata é
produzida principalmente na região de Salto do Jacuí, no centro do Estado,
enquanto a ametista provém sobretudo do Norte, de Ametista do Sul e mais sete
municípios ao seu redor. Curiosamente, a
ágata não é abundante na região produtora de ametista, mas, quando aparece,
geralmente é muito bonita, além de estar associada à ametista. Como o
garimpeiro quer é ametista, se ela não é boa, vai para o rejeito, ainda que
acompanhada de uma bela ágata, como na peça abaixo, de 12x10x5 cm.
Em
Fontoura Xavier (RS), estive num garimpo de ágata que produzia vários outros
minerais. Como de hábito, os garimpeiros só aproveitavam a ágata. Foi assim que
de lá trouxe a interessante cornalina de 11x10x4 cm da foto abaixo. Também lá encontrei um
geodo de opala cinza-azulado. A foto a seguir mostra um fragmento pequeno
(6x6x1 cm) dele; a parte maior, de uns 12 cm pelo menos, coloquei no acervo do
Museu de Geologia da CPRM. Essa opala,
sob luz ultravioleta, mostra notável fluorescência em verde-maçã.
A drusa
de citrino abaixo (cerca de 10x15 cm) não se destaca pela cor, muito menos pela
pureza. Mas, ela é importante porque provém da única ocorrência de citrino
natural que encontrei depois de visitar praticamente todos os garimpos de gemas
do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Encontrei-a em um garimpo abandonado de
ametista (e citrino?) de Bonaiumer, Caxias do Sul (RS), e pertence também ao
Museu de Geologia da CPRM.
A pequena “escultura” de quartzo abaixo foi coletada num garimpo de ametista.
As
“pinhas” de ametista são sempre valorizadas, mas esta, de 6x5x6 cm, com cor
realmente ruinzinha, foi parar no rejeito. Resgatei-a num garimpo de Entre Rios
(SC).
Por fim,
quero mostrar um tipo de material que teria tudo para ser rejeitado, mas que
tem recebido uma valorização meio surpreendente. É o que o comércio de gemas
vem chamando de “flor de ametista”. São
peças de formato irregular, como uma crosta cristalina, sem brilho, com cor
esbranquiçada a roxa, sempre clara. As dimensões são bem variáveis, geralmente
com 30 cm ou menos, mas podem ser muito maiores. Talvez por seu aspecto muito
exótico, atrai o público e tem sido aproveitada. Mas, o exemplar abaixo foi
coletado em rejeito.
Os minerais
de minha coleção coletados em garimpos são quase todos do Rio Grande do Sul ou
de Santa Catarina. Mas, na primeira coleção que organizei e que hoje pertence
ao Museu de Ciências Naturais da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) há
peças de vários outros estados.
Diante do que eu mostrei, é fácil de entender por que o
colecionador que visita um garimpo encanta-se e vibra com o que pode coletar e
trazer gratuitamente. Mas, se este colecionador é como eu, geólogo, fica muito dividido.
Ele alegra-se como colecionador, mas, como profissional e cidadão consciente,
lamenta que se esteja desprezando coisas tão bonitas, de valor mineralógico, de
importância museológica e às vezes, também científica. Um cristal defeituoso,
sem valor comercial para o garimpeiro, pode ser, justamente pelo defeito que
exibe, uma raridade a ser preservada. Mais de uma vez eu disse isso a
garimpeiros, mas o fiz sempre consciente de que seria esperar demais que eles
ficassem estocando minerais sem valor comercial contando com a possibilidade de
talvez um dia aparecer um pesquisador ou colecionador que talvez se interessasse
por algumas delas e talvez se dispusesse a fazer uma compra.
Felizmente, está surgindo entre os comerciantes de gemas
do Rio Grande do Sul uma nova consciência, e peças antes rejeitadas estão sendo
por eles adquiridas, pois aprenderam - ou estão aprendendo - que elas podem ter
valor como peças de coleção. Acredito que, com isso, muitas peças valiosas
estejam sendo salvas, preservadas em coleções particulares ou mesmo em museus
públicos.
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