Bamburro- diamantes...
Bamburro!
Esse grito, que no dialeto dos garimpeiros significa encontrar uma
grande fortuna, não tem data marcada para ser emitido. Mas, quando
soltá-lo, Itzhak Ben-David, 50 anos, estará comemorando um achado de
pelo menos 4 bilhões de dólares em diamantes. Ben-David não é um
faiscador. Ele não lava o cascalho em prosaicas peneiras. Seu negócio é a
mineração que usa máquinas de raio X, satélites e magnetômetros. Com
esses e outros instrumentos, Ben-David está procurando por um kimberlito
em Juína, cidade 800 quilômetros a norte de Cuiabá. (O primeiro
kimberlito foi achado na fazenda Kimberley, na África do Sul, no século
passado. Kimberlito deriva desse nome e hoje é sinônimo de mina de
diamantes.) Ben-David é o sócio majoritário da Mineração e Comércio de
Diamantes Juína, a CDJ. Sua empresa está associada à Diagem
International Resource Co., do Canadá, empresa que tem ações cotadas na
Bolsa de Vancouver e da qual ele também é acionista. Juntos, Ben-David e
a Diagem já investiram 10 milhões de dólares na procura de minas de
diamantes no interior do Mato Grosso. É possível que muito mais dinheiro
seja colocado no negócio. É possível também que o kimberlito jamais
seja encontrado, embora Ben-David descarte essa possibilidade. "Quando
acharmos o kimberlito, minha fortuna, que é de algumas dezenas de
milhões de dólares, passará a centenas de milhões", diz ele.
Por sua origem e modo de viver, Ben-David é uma figura improvável num
cenário como o interior do Brasil. Sua história tem início no século 17,
quando quatro famílias judias foram da Rússia para a Pérsia, atual Irã.
O xá Nader as colocou sob a sua proteção e nomeou um dos chefes
familiares ministro das Finanças. Ao longo dos anos, descendentes dos
quatro clãs casaram-se entre si e formaram a família Kelati. (Nada a ver
com quilate. Kelati designa quem é originário de um antigo povoado do
Mediterrâneo.) Hoje há vários Kelatis espalhados pelo mundo: "Tenho
cerca de 4 000 primos", diz Ben-David, o quinto de oito irmãos.
O pai deles, David, era rico. "Tínhamos até avião particular", diz
Ben-David. Durante a Segunda Guerra Mundial, Ben-David e um irmão
revendiam pneus Dunlop, um artigo que na época valia ouro. Com o
dinheiro, a família comprava proteção. Influenciado por um consultor
alemão, David decidiu explorar uma jazida de mica. O consultor era
péssimo engenheiro de minas. Mas tinha boa lábia e sempre convencia
David a prosseguir na pesquisa. "Só mais 100 metros e a gente acha o
veio", dizia. A mica jamais foi encontrada. "De 100 em 100 metros meu
pai quebrou. Tivemos de fugir para Israel em 1961", diz Ben-David.
"Chegamos sem nenhum tostão."
Na escola, em Tel Aviv, Ben-David tornou-se poliglota. (Fala cerca de
dez línguas. Mas ainda escorrega nas sutilezas do português. Falando
para um homem, diz: "Por que menina estar preocupado com minha
dinheiro?") Em Israel, Ben-David, aos 18 anos, montou uma fábrica de
suéteres. Um ano depois, ele já faria seu primeiro milhão de dólares.
Depois deixaria a fábrica com a família para tentar a sorte em Londres.
Já no final dos anos 60, Ben-David receberia uma carta de um tio-avô,
dono de uma joalheria na Itália. Dizia que gostaria de se mudar para
Israel e propunha uma associação na fábrica de suéteres. Ben-David disse
sim, mas impôs a condição de se tornar sócio no negócio de jóias.
O tio-avô lhe ensinou tudo sobre as jóias. Hoje a família tem uma rede
de lojas em Israel e na Inglaterra, a SBD. Mas Ben-David queria lucros
maiores. Aos 28 anos, ele foi arriscar a sorte em Ciudad Bolivar,
Venezuela, um cenário de faroeste em pleno século 20. Comprava e vendia
pedras preciosas. Ben-David - que não usa cordões de ouro, anéis ou
qualquer outra jóia - utilizou com os índios locais a mesma estratégia
dos colonizadores portugueses no Brasil. "Eu trocava espelhos por pedras
preciosas", diz ele. "Mas havia muitos concorrentes. Eu queria um lugar
para dividir com poucos." Foi então que decidiu vir para o Brasil.
Chegou em 1982 e foi morar no Rio de Janeiro, onde se meteu num negócio
com ouro e ouviu falar de Juína. Alguém o informou que a sul-africana De
Beers, maior mineradora de diamantes do mundo, fizera pesquisas no
município. "Pensei que se a De Beers rondou a área era porque lá havia
diamantes", diz Ben-David. Em 1986 ele se mudou para Juína, onde se
tornou uma espécie de lenda.
Ben-David é um homem de pequena estatura: cerca de 1,60 metro. Míope,
usa óculos de 8 graus. Não faz cirurgia para redução da miopia e nem
coloca lentes de contato por nada deste mundo. "Itzhak sem óculos não é
Itzhak. É minha marca registrada", diz. Invariavelmente veste calça
azul-marinho e camisa de linho branca, compradas em Londres por 15
dólares. Segundo ele, não há peças coloridas em seu guarda-roupa.
"Vestir-se assim é prático. Não preciso perder tempo escolhendo roupas
ou combinando cores." Fuma desbragadamente. (Segundo ele, isso já lhe
custou uma diretoria na Diagem: as restrições ao fumo nos vôos e no
Canadá fizeram-no abrir mão do cargo.) E dorme pouco. "Faz 40 anos que
durmo apenas 4 horas por dia." Ben-David troca a noite pelo dia devido
aos fusos horários dos mais importantes mercados de diamantes do mundo -
Israel, Índia, Bélgica e também o de Diagem, na Costa Oeste do Canadá.
Por isso, em Juína ele dorme entre as 13 e as 17 horas. (Para matar o
tempo e se distrair, Ben-David joga xadrez contra um computador que não
repete aberturas, o que torna o jogo mais instigante. E ocupa 2 horas
diárias no estudo da Torá.) Outro de seus hábitos é, ao acordar,
sentar-se à calçada para degustar um uísque, olhar o pouco movimento de
Juína e namorar as moças de Mato Grosso. Uma serviçal mantém o copo
sempre cheio. Não de um scotch importado qualquer. Ben-David bebe o
legítimo e brasileiríssimo Natu Nobilis. "É o melhor que existe", afirma
com convicção. "E não é falsificado. Nunca tenho dor de cabeça com
ele."
O uísque não é incompatível com seus costumes ortodoxos. Ben-David e o
irmão, Amir, formam a comunidade judaica de uma cidade onde não há
sinagogas. Os irmãos penam em Juína: não existe um restaurante que
possam freqüentar, pois consomem apenas pratos kosher, preparados de
acordo com os preceitos judaicos. "A comida dele é trazida de São
Paulo", diz Isaías Fonseca, o Shaia, funcionário e braço direito de
Ben-David. Amir é casado e sua mulher também vive em Juína. Ben-David é
divorciado de uma francesa, com quem teve dois filhos. Por isso sua vida
é um bocado reclusa, monótona e solitária. "Houve um ano em que ele
atravessou a rua uma só vez", diz Shaia.
Foi olhar, da outra calçada, a decoração de Natal do prédio que mandou
erigir para abrigar uma escola de lapidação. São três andares e cerca de
5 000 metros quadrados de área. Custou cerca de 10 milhões de dólares. A
meta era competir com a Índia na lapidação de pequenos diamantes. Para
ensinar os aprendizes, Ben-David gastou 1,5 milhão de dólares em
equipamentos e dilapidou uma fortuna em diamantes. "Ninguém aprende sem
estragar gemas", diz ele. Deu tudo errado e hoje a construção é um
semi-elefante branco. É que, para baratear os custos, Ben-David fez um
acordo com o Senai de Mato Grosso. A entidade ficou responsável pelos
encargos sociais. Na eleição de 1994, um candidato a deputado estadual,
morador de Juína e ligado à Federação das Indústrias do estado,
pediu-lhe dinheiro para a campanha. Ben-David não deu. O candidato
retaliou e o convênio foi rompido por fax. No mesmo dia a escola de
lapidação para 1 200 alunos fechou. "Se pagarem os custos sociais, eu
volto a abrir a escola", diz Ben-David.
O edifício também é um bunker. Vigiado por câmeras de vídeo, nele estão
também os apartamentos de Ben-David e Gustavo Mendonça, 64 anos, sócio
da CDJ e braço direito dos irmãos. No de Ben-David o teto da sala é
preto. Objetos de culto judaico e tapetes persas compõem a decoração. No
quarto, de 30 metros quadrados, as cortinas e a colcha, de cetim, são
em tons de vinho. Há um banheiro imenso, cheio de espelhos e com uma
enorme banheira. Uma televisão completa o conforto de que Ben-David
dispõe naquele fim de mundo. "Morar em Juína é um sacrifício", diz ele.
"Faço isso por minha família. Se encontrar o kimberlito, terei dinheiro
para cuidar das futuras gerações. Entre os Kelatis, cada membro rico
cuida da educação de 20 pobres." (Ninguém é de ferro: uma vez por ano
Ben-David se desintoxica num spa. E periodicamente viaja ao Canadá,
Israel e Inglaterra.)
Tentar achar o kimberlito é o maior risco já assumido por Ben-David. É
preciso pesquisar muito, o que leva tempo e custa um dinheirão. O grupo
inglês RTZ, um dos maiores do mundo em mineração, investiu alguns
milhões de dólares na região. Encontrou 26 kimberlitos, todos inviáveis.
Qualquer mina, para ser viável, deve conter um mínimo de 4 bilhões de
dólares em diamantes. São necessários 10% disso - 400 milhões de dólares
- em investimentos apenas na fase de prospecção. "Nenhum particular,
nem mesmo Bill Gates, arriscaria tanto", diz Ben-David. Por isso ele se
associou à Diagem, que tem acesso a capitais baratos. Em 1996, a Diagem
comprou um total de 11 000 hectares antes pertencentes a duas
subsidiárias da De Beers. Ambas foram expulsas pelos garimpeiros. (Já
houve 60 000 faiscadores em Juína. Com a queda dos preços dos diamantes,
sobraram apenas 500. A cidade tem atualmente 35 000 habitantes. Com 26
350 quilômetros quadrados, Juína é um dos maiores municípios do país. A
maioria das terras pertence aos índios da tribo dos Cinta Larga.)
Nem com toda a sorte do mundo um garimpeiro acharia um kimberlito. A
pesquisa requer dinheiro e sofisticação tecnológica. Um levantamento
aerofotográfico localiza os sítios mais favoráveis. No caso, procura-se
por pequenos vulcões extintos. Neles são feitos furos de até 250 metros
de profundidade. Cada metro perfurado custa 100 dólares. "Dentro dos
vulcões estão os kimberlitos", diz o geólogo Paulo Andreazza,
funcionário da Diagem. "Um kimberlito é uma rocha. É preciso quebrá-la
para achar os diamantes." O problema é que as crateras dos vulcões,
fechadas pela erosão acumulada em milhões de anos, estão invisíveis a
olho nu. Andreazza foi o responsável por 7 dos 26 kimberlitos
descobertos pelo RTZ e por uma mina de ouro em Paracatu, Minas Gerais.
Recentemente, ele se transformou em acionista da Diagem. Recebeu 250 000
ações da empresa. Cada uma delas foi lançada a 2,8 dólares canadenses.
Hoje, vale cerca de 10 centavos.
Para financiar as pesquisas, a Diagem conta com a venda de diamantes de
aluvião. De 1996 para cá a empresa comercializou mais de 7 milhões de
dólares. O faturamento deve crescer a partir de agora, pois a empresa
espera extrair 20 000 quilates por mês em Juína, contra 9 000 em 1997.
"Nenhum lugar já produziu tantos diamantes quanto Juína", garante
Ben-David. Em média, no mundo, se acha 0,3 quilate por tonelada de
cascalho processado. Em Juína, são 2,8 quilates. Quase dez vezes mais.
Ben-David, que nos anos 80 chegou a comprar e vender 500 000 quilates
por mês, avalia que foram extraídos 10 milhões de quilates no município.
"Isso não corresponde nem a um terço do total que a nossa área contém",
diz Andreazza. A empresa calcula a existência de pelo menos 35 milhões
de quilates de aluvião. Mas as gemas de qualidade são apenas 15% disso.
Num cálculo superficial, a reserva valeria pelo menos 300 milhões de
dólares.
Extrair esses diamantes custa caro. Numa das áreas de pesquisa da Diagem
estão instaladas uma "lavanderia" e duas máquinas Sortex. O cascalho da
beira e dos leitos dos rios é levado de caminhão até a lavanderia, que
custou cerca de 2 milhões de dólares. (Por enquanto sua enorme
capacidade produtiva está subaproveitada, pois não processa nem 10% das
100 toneladas diárias de que é capaz. Mesmo assim andou degradando o
meio ambiente. A Diagem já se comprometeu a consertar os estragos.) Da
lavanderia, o cascalho vai para as Sortex, máquinas que emitem raio X de
forma contínua e custam 500 000 dólares. Cerca de 4 000 pedras estão
lá. A separação final é feita a olho nu. "Na média, quatro são
diamantes. Não fosse assim eles não seriam raros e nem caros", diz
Andreazza.
Tão grande quanto a longevidade dos diamantes é a esperança de Ben-David
em achar o kimberlito. No começo da segunda quinzena de março, suas
expectativas foram reforçadas por um acordo firmado pela Diagem e a Rio
Tinto, anunciado no Canadá. Pelo acordo, a Diagem investirá numa área de
20 000 hectares em Juína pertencente à Rio Tinto. Do que for
encontrado, 40% caberão à Diagem. Os restantes 60% ficarão com a Rio
Tinto. "Fizemos o acordo porque a Diagem tem porte suficiente para
bancá-lo", diz Elpídio Reis, diretor de exploração da subsidiária
brasileira da Rio Tinto. Bend-David diz que vai gastar o que for preciso
para encontrar o kimberlito. Ilusão de fortuna? Itzhak Ben-David
garante que não repetirá a história de David, seu pai. Por contrato,
cabe a ele decidir qual o tamanho dos 100 metros, isto é, o limite dos
gastos. É um assunto sobre o qual Ben-David não quer pensar no momento.
"Eu tenho certeza de que acabaremos encontrando o kimberlito", diz ele.
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