Suriname: Garimpeiros brasileiros destroem florestas a procura de ouro
Na trilha dos "garimpeiros"
Um sinal confuso e envelhecido marca a entrada do Parque Natural Brownsberg. Neste ponto, a estrada se divide em duas. Um braço sobe o morro, enquanto o outro leva aos locais onde ficam as minerações de ouro. Não há qualquer posto de controle. Para adentrar as estradas de terra abertas por mineiros é preciso um carro 4x4 e habilidade na direção. Ao longo do caminho, podem-se ver várias minerações abandonadas. Elas deixam montes de lama e nenhuma vegetação.
Mais para a frente, estão mineradores da Guiana Francesa e do Suriname, divididos em dois grupos, de 3 e 5 pessoas. Ambos os grupos mineram da forma mais agressiva possível à natureza: usando mangueiras de água com alta pressão e mercúrio. "Tiramos da terra entre 15 e 30 gramas de ouro por dia. Se tivermos sorte, dá até 60 gramas”, conta um deles. Como os colegas, ele dorme em uma rede coberta por uma tenda improvisada, ao lado da mina. Esses mineradores estão aqui há alguns meses. "Sim, nós sabemos que estamos trabalhando em uma área protegida, mas ninguém nos pediu para ir embora e, por isso, vamos ficando", diz o homem com naturalidade.
Desde 1999, há mineração ilegal de ouro em Brownsberg. Em 2007, as estimativas eram de que a mineração em pequena escala já havia infligido uma perda de 5% da cobertura florestal do parque. Quase 13 anos depois, em março de 2012, a Ong WWF (World Wide Fund for Nature) publicou um relatório denunciando a destruição. Quando ele foi divulgado, o parque tinha 54 minerações, sendo uma delas a apenas 50 metros de distância de uma das suas maiores cachoeiras. As fotos das minerações feitas pelo WWF tiveram grande impacto sobre o público do país, as organizações ambientalistas e o governo do Suriname.
Avançando pela estrada, de repente, surge uma escavadeira. A lama molhada torna impossível continuar de carro. A única maneira de descobrir de onde veio a escavadeira é continuar o caminho a pé. Bem perto, há uma mineração onde estão outras duas máquinas. O local é gerido por um grupo de três garimpeiros brasileiros e alguns surinameses, que claramente investiram nesta operação. "Nós chegamos faz apenas duas semanas, mas ainda não encontramos muito ouro”, dizem ao lado de uma cratera escavada por eles mesmos, “algo como de 10 a 30 gramas por semana”. Eles trabalharam duro e já conseguiram construir um acampamento com cozinha e quartos de dormir feitos de lona plástica sobre uma estrutura de madeira.
Domingo é um dos brasileiros. Patrícia, sua esposa, me convida para se juntar a eles e experimentar comida típica de seu país. Ela está lá para cozinhar e fazer o trabalho doméstico. Patrícia e Domingo são de Belém do Pará, capital do estado do Pará, no Brasil. Eles são casados e têm três filhos, que foram deixados para trás com parentes. "Não é fácil obter documentos para eles", explica Domingo. Nos últimos 5 anos, ele só foi ao Brasil uma vez. Eduardo é de Manaus, onde costumava trabalhar como vendedor. "Aqui eu trabalho muito, mas ganho mais do que no Brasil. E a vida é mais tranquila, embora o Brasil seja muito mais bonito do que o Suriname", diz com um sorriso largo no rosto. "Além disso, não é possível garimpar no Brasil como aqui”, acrescenta Domingo. Eles sabem que mineram ilegalmente em uma área protegida, mas dão de ombros: "Temos que ganhar dinheiro de algum jeito”.
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Patricia , Domingo e Eduardo estão longe de ser os únicos garimpeiros brasileiros no Suriname. Entretanto, o número preciso é incerto. O Instituto de Estatísticas do Suriname diz que há 5.027 brasileiros registrados, mas a "Comissie Ordening Goudsector", comissão do governo que regula a mineração de ouro, estima que existam cerca de 8.000 brasileiros. E funcionários do governo dizem informalmente que, em todo o país, os brasileiros podem chegar a 20 ou 30 mil. Antropólogos que estudam a indústria do ouro do Suriname afirmam que 70 ou 80% dos mineiros são brasileiros.
Nem todos os brasileiros estão trabalhando na mineração, uma parte significativa está em atividades de apoio. São cozinheiros, donos de bares e hotéis, ou fornecedores de transporte. As mulheres trabalham principalmente nas lojas, lavam roupas, são cabeleiras, e uma parte está na prostituição.
Quando se pergunta a um surinamês o que pensa sobre os brasileiros, a resposta padrão é que eles estão saqueando o país, e que as mulheres são prostitutas. No entanto, o Suriname precisa dos brasileiros. "Eles conhecem bem a floresta e o processo de mineração de ouro. Os locais podem aprender com eles", diz Diana Pokie, uma política que representa no parlamento a região de Brokopondo, abundante em ouro. "Os brasileiros estão levando as pessoas do vilarejo a aprender português".
Esta presença também é visível na capital Paramaribo, especialmente na zona ao norte do centro da cidade, também conhecida como "Little Belém” (pequena Belém). Nesta área, encontram-se supermercados brasileiros, bares e hotéis, compradores de ouro, e lojas que vendem equipamentos de mineração. O ambiente é diferente do resto da cidade. Parece mais colorido e animado.
Rodrigo da Silva, 51, está hospedado em um hotel bar chamado Castelo. Ele é do estado do Maranhão e ficará no hotel por alguns dias até vender seu ouro. Rodrigues trabalha operando uma escavadeira e, assim como outros brasileiros, sua presença no Suriname é ilegal, pois ele não tem uma autorização para residir no país. "Já faz 21 anos que trabalho aqui sem documento. Durantes todos esses anos usei quatro passaportes com vistos de curta duração", diz. "Quando meu visto expira, é fácil sair e voltar via Guiana. Dessa forma, consigo outro visto para mais 3 meses". Apesar dos problemas, ele também acha que a vida no Suriname é melhor do que em algumas cidades brasileiras. Marieke Heemskerk, antropóloga cultural, confirma: "nas favelas de Belém há mais violência e roubos. No Suriname, os brasileiros podem viver tranquilamente, mesmo ilegais no país”.
A maioria dos brasileiros opta por trabalhar em áreas mais inacessíveis do que Brownsberg, onde o governo surinamês não consegue localizá-los com facilidade. As condições de vida dos garimpeiros de ouro na floresta são difíceis. As pessoas vivem em acampamentos improvisados e lamacentos, próximos aos campos de mineração. A maioria dorme em redes sob um teto improvisado, uma situação frágil durante a estação de chuvas. Nas minerações maiores, há lojas chinesas que oferecem de alimentos e roupas a ferramentas. Para entretenimento, há bares e pequenos bordéis anexos. O custo de vida é alto nestas áreas, onde tudo é pago em ouro, de uma lata de Coca-Cola ao trabalho de uma prostituta.
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Mais de 90 % do Suriname é coberto de floresta, dos quais grande parte é mata primária . O país abriga mais de 1.100 espécies conhecidas de anfíbios, aves, mamíferos e répteis, e cerca de 5 mil espécies de plantas vasculares, de acordo com o World Conservation Monitoring Centre. No entanto, Brownsberg é apenas um exemplo de desmatamento na Amazônia do Suriname.
No Suriname, 12,7% do território é composto de áreas protegidas (nas categorias I-V da IUCN). Mas, em 2012, o país perdeu 19.138 hectares de cobertura florestal amazônica, segundo dados do Terra-I e do InfoAmazonia . Isto é um aumento em torno de 87% em relação a 2011. As medidas de conservação do país parecem não sair do papel; e é débil o combate do governo contra a mineração ilegal de ouro.
Mapa do InfoAmazonia com os dados de desmatamento no entorno da Reserva Brownsberg
MudançasOs garimpeiros brasileiros não são os únicos culpados pela perda de floresta amazônica. Em um país em que há pouca regulação, fiscalização e monitoramento, mineiros ilegais operam sem preocupações em um “Velho Oeste” à la Suriname. Porém, há sinais de mudanças chegando. Robby Dragman, Diretor do Stichting Natuurbehoud Suriname (STINASU ), órgão que gerencia o Parque Nacional Brownsberg Nature, explica seus planos para levar o parque de volta aos seus dias de glória: "Queremos formar a nossa própria equipe profissional de segurança”.
Além disso, a Comissie Ordening Goudsector tem planos para ensinar os mineiros a trabalharem de forma mais amigável à natureza. Há alguns meses, garimpeiros passaram a poder se registrar com o governo e obter autorizações para minerar em locais pré-determinados. A STINASU também está trabalhando em um projeto de recuperação do Brownsberg, em cooperação com a Universidade de Paramaribo. São boas notícias, mas a destruição causada pela mineração de ouro no parque levará anos para ser remediada. Mas, assim como tudo o mais no Suriname, as coisas boas vêm lenta e pacificamente.
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