quarta-feira, 29 de julho de 2015

Tesouros à venda

Tesouros à venda


Há poucas semanas, o italiano Carlo Rossi, nascido numa família de joalheiros de Livorno e dono da filial La Gemme, no Rio de Janeiro, passou quatro dias trancado num hotel de Salvador avaliando jóias em poder de famílias da elite baiana. Especialistas em garimpar peças de época e diamantes brasileiros de lapidação antiga -- dois itens em alta entre os ricaços europeus --, Rossi e seu sócio belga Phillippe Valdière, membro das bolsas de diamantes de Antuérpia e de Nova York, recebe ram no hotel uma legião de 150 pessoas cujos nomes foram pinçados da lista de endereços da socialite Michelle Marie Magalhães, viúva do ex-deputado Luiz Eduardo Magalhães e apresentadora de televisão local. Todos os que se apresentaram tinham por objetivo atualizar o valor de peças de família e, se possível, vendê-las para levantar algum capital. Para evitar constrangimento, a dupla de joalheiros cercou os convidados de cuidados. Um deles foi impedir que as pessoas se cruzassem nos corredores do hotel. Durante as conversas (sempre reservadas), tiveram também o cuidado de não se referir ao negócio como uma "venda de jóias". Em vez disso, usaram a expressão mais palatável "troca de ativos".

Ao final da maratona, Rossi e Valdière, comerciantes de raridades que pertenceram a personalidades como a imperatriz Josephine, mulher de Napoleão Bonaparte; o rei Farouk, do Egito; a estilista Coco Chanel; a princesa Soraya, do Irã; e a atriz americana Joan Crawford, deixaram Salvador com um pequeno tesouro. Dele fazem parte, entre outros itens, uma cruz de ouro e diamantes do século 17, um anel de diamantes coloridos da virada do século passado e um brilhante rosa de 3 quilates, preciosidade convertida em objeto de desejo entre as americanas desde que foi usada no anel que o ator Ben Affleck ofereceu a Jennifer Lopez em seu breve noivado um ano e meio atrás.

Artigos como esses têm compradores certos: um seleto grupo de consumidores endinheirados de todos os continentes, sobretudo europeus e americanos, que passaram a dar combustão nos últimos dez anos ao mercado de jóias e gemas lapidadas à moda antiga. Enfadado com o maior acesso à produção de luxo, esse tipo de consumidor tenta escapar da mesmice incorporando a seu estilo de vida a aura de outros tempos. "Temos hoje a valorização da coisa exclusiva", diz Regina Machado, professora e consultora de design de jóias do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM). Como dizia Coco Chanel, luxo não é o contrário de pobreza, mas sim de banal. Até pouco tempo atrás, havia quem quisesse transformar diamantes cortados à maneira antiga em brilhantes modernos, com intensa reflexão da luz, mesmo sob pena de perder até 30% no peso da pedra. "Hoje, isso é impensável", diz Rossi, da La Gemme. "Da mesma forma que uma mansão histórica confere mais classe a seu dono, um diamante lapidado há 200 anos empresta mais sofisticação a quem o carrega."
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Fortalecido pela onda do vintage, estima-se que esse mercado movimente no mundo de 6 bilhões a 8 bilhões de dólares por ano. Esses números são de um estudo do leiloeiro e economista carioca Fernando Braga com base em vendas de coleções particulares, transferências de herança familiar e resultados de dezenas de leilões promovidos por casas como Sotheby's, Christie's e Phillips entre 2001 e 2002. Ele calcula que 10% dos valores movimentados nesses leilões vêm dos bolsos de brasileiros residentes no país e no exterior. "Quem tem muito dinheiro não se limita a investir em ativos financeiros, imóveis e objetos de arte", diz Braga. "As jóias antigas, pela valorização crescente e fácil mobilidade, são cada vez mais uma opção." Ele lembra que para levar um anel de brilhante azul de 1,5 quilate, no valor de 400 000 dólares, de um lugar para outro, só é necessário que sua dona o coloque no dedo antes de embarcar no avião. Mas, se quiser carregar esse mesmo valor em notas de 100 dólares, precisará de uma valise de pelo menos 60 por 40 por 20 centímetros.

De 1725 até quase o fim do século seguinte, o Brasil foi o maior produtor mundial de diamantes. Ao abarrotar o mundo de pedras de Minas Gerais, o país não só tirou a primazia da Índia nesse quesito como acabou popularizando seu uso, então restrito às famílias nobres da Europa e do Oriente. O estilo de corte feito na época por lapidários brasileiros e europeus, com contornos mais arredondados e facetas menos brilhantes, passou a ser conhecido co mo "lapidação Brasil". Esse estilo não só anda em alta nas feiras internacionais de jóias antigas como passou a ser usado na indústria contemporânea, que tem um segmento de réplicas em ascensão.

Até pouco tempo atrás, os diamantes mais valorizados eram incolores ou de cores intensas, como rosa, vermelho, azul e amarelo-canário, raríssimos. As pedras em tons cinza, negro e champanhe eram refugadas para a indústria. "Hoje em dia, aceita-se a natureza como ela se expressou", diz Regina, do IBGM. "Gradações de cores, antes tidas como uma deficiência pelo avaliador, são agora consideradas belas." Assiste-se, ao mesmo tempo, a uma intensa procura pelos diamantes coloridos. Há quatro anos, um diamante rosa de 5 quilates lapidação Brasil foi alvo de um dos leilões mais disputados na história da Leoni Galeria de Artes, tradicional casa do Rio de Janeiro. Rossi, da La Gemme, arrematou a peça, montada num anel que pertenceria à ex-primeira-dama do Brasil Maria Tereza Goulart, por 600 000 dólares, ante um lance inicial de apenas 30 000 reais. "Depois de limpo, o rosa da pedra, que tinha um tom amarronzado, explodiu", diz Rossi, que a revendeu a um colecionador de Nova York. Em 1987, vendera um brilhante brasileiro, azul-turquesa, de 2,1 quilates, por meio milhão de dólares. O comprador foi ninguém menos que o sultão de Brunei, grande caçador de pedras preciosas coradas em todo o mundo.

Duas peças especiais vão a leilão no Rio de Janeiro em outubro próximo, um dos quatro eventos anuais promovidos pelo leiloeiro Braga, alguns dos quais em parceria com a princesa Cristina de Orleans e Bragança, do Antiquário da Princesa, em Petrópolis, mãe da modelo Paola, que posou para esta reportagem. Uma das peças, um conjunto de gargantilha e brincos com safiras do antigo Ceilão e 142 diamantes, foi confeccionada na França em 1930 com gemas que pertenceram ao espólio da baronesa de Bela Vista, uma das locomotivas sociais do Segundo Império no Rio de Janeiro. A peça, que terá lance inicial de 85 000 dólares, está há três gerações nas mãos de uma família de Minas Gerais. O motivo que levou a herdeira -- uma viúva de mais de 60 anos -- a se desfazer da jóia não é muito diferente do que ocorre em muitos casos. "Além de ter uma vida social mais recolhida, com toda essa onda de assaltos e seqüestros ela nem pensa em usar as jóias", diz Braga. "Sem falar nos altos custos que tem de arcar para manter a peça segurada."

De líder na exportação de diamantes no século 18, o Brasil ocupa hoje apenas a 12a posição na lista dos maiores produtores. Em 2002, as exportações registradas do país nesse setor foram de 30,8 milhões de dólares em comparação com o fluxo de 12 bilhões de dólares do comércio mundial, puxado por países como África do Sul, Botsuana, Canadá e Angola. Apesar de ter cedido o posto a esses países, a qualidade e o tamanho dos diamantes brasileiros continuam a seduzir os compradores lá fora. De 1938 a 1950, segundo o livro As Eras do Diamante, de Jules Roger Sauer, o Brasil produziu 11 das 20 maiores pedras encontradas no mundo. "Quando a tudo isso se soma uma lapidação antiga, o mercado se encanta", diz Rossi.

Anel de platina e rubi

Valor: 30 000 dólares
Origem: onfeccionado na França entre 1920 e 1930 e arrematado num leilão pela joalheria La Gemme, no Rio de Janeiro
Estilo: art déco
Destaque: a pureza do rubi de 3,16 quilates da Birmânia
Par de brincos de platina e diamantes

Valor: 3 500 dólares
Origem: montado em 1890 por ourives de Minas Gerais para uma família de comerciantes do estado
Estilo: vitoriano
Destaque:diamantes lapidação Brasil
Broche de prata sobre ouro com diamantes e safira

Valor: não revelado
Origem: confeccionado em 1860 na Inglaterra e adquirido de um espólio de família carioca
Estilo: vitoriano
Destaque: safira da Birmânia e diamantes brasileiros
Par de brincos de ouro, rubis, pérolas e diamantes

Valor: 1 500 dólares
Origem:confeccionado em 1850 por ourives espanhóis, no Peru, para uma família de diplomatas
Estilo: andino, típico do pós-conquista
Destaque: pérolas naturais
Pulseira de ouro e diamantes

Valor:
não revelado
Origem: montada em 1870 no Brasil e adquirida da quarta geração da família de um barão do Rio de Janeiro
Estilo: vitoriano
Destaque: 12 quilates de diamantes da mesma qualidade e cor
Colar de platina, pérolas e diamantes

Valor: lance inicial de 75 000 dólares
Origem: montado por ourives europeus, em 1900, com pérolas naturais em forma de gota e 130 diamantes lapidação Brasil, totalizando 65 quilates
Estilo: neoclássico
Destaque:
os diamantes e as pérolas vieram do espólio da baronesa de Bela Vista, figura importante da corte no Segundo Império

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