Brasileiros são enganados e arriscam a vida em garimpos na Guiana
Motivados pelo euro, brasileiros enfrentam ilegalidade em garimpos. Trabalhadores relatam falsas promessas e dizem viver sob risco de morte.
Influenciados pela garantia de dinheiro e melhoria de vida, brasileiros se arriscam em garimpos ilegais na Guiana Francesa, na divisa com o Amapá. Com 200 mil habitantes, o país sul-americano estima que cerca de 40% da população é composta por brasileiros, segundo o próprio governo. Um dos principais atrativos para enfrentar a vida nos garimpos é o pagamento em euro, moeda europeia usada no território guianense. O seu valor é mais que o dobro do real.
"O ganho [no Brasil] era muito pouco e a 'fofoca' de que existia muito do ouro, na Guiana, foi o motivo de eu vir para cá", afirmou o garimpeiro Avelino Carneiro, que largou a profissão de pedreiro.
A quantidade de brasileiros nos garimpos é predominante. A Polícia Francesa calcula que das oito mil pessoas estimadas trabalhando de forma ilegal nos garimpos, menos de 1% é da Guiana Francesa e 2% do Suriname, país vizinho. O restante é dividido entre brasileiros de estados próximos: Amazonas, Pará, Maranhão, e principalmente Amapá.
O trabalho no garimpo é considerado quase que escravo pelas própria pessoas que vivem no local. A cozinheira Francidalva Costa vive em um dos locais de exploração ilegal. Ela conta que foi incentivada a trabalhar em troca de 45 gramas de ouro por mês. O pagamento, no entanto, não tem data definida para ser efetuado.
“Não foi da forma como eu pensei. Não é tão fácil porque às vezes a polícia está dentro do garimpo, o dono [do local] não paga pelo serviço da cozinheira e a gente só pode contar com os dias que cozinhamos", relatou.
A luta pela sobrevivência nos garimpos gera muita disputa entre os que vivem no local. Em alguns casos, a rivalidade provoca até morte. Em meio a floresta é possível observar várias cruzes indicando que naquele espaço foi enterrada uma pessoa. Às vezes o sepultamento acontece como indigente.
"Muitos [brasileiros] chegam aqui sem a família saber e morrem no garimpo. Quando a informação da morte é repassada ao governo francês, o máximo que podemos fazer é recolher um pedaço do osso para um futuro exame DNA, mesmo porque a condição de cidadão não existe para nação brasileira e nem para francesa", comentou o delegado-geral de Polícia Civil Tito Guimarães, durante encontro ida de brasileiros aos garimpos.
A reunião serviu para traçar alternativas de combate a prática ilegal de brasileiros no território francês.
O garimpeiro Milton Maciel falou sobre o assassinato de um amigo por causa de uma placa. A morte aconteceu na presença de várias pessoas no garimpo.
"Os outros também não estavam acreditando que ele [autor dos tiros] fosse atirar. Por causa de uma placa? Quando o meu amigo caiu, nós o pegamos e o levamos para outro lugar. Ele passou de dez a doze minutos e morreu", contou.
O acesso aos garimpos da Guiana Francesa é difícil. É necessário atravessar o rio Oiapoque, no município de mesmo nome, a 590 quilômetros de Macapá.
A cidade amapaense serve como ponto de partida para chegar aos garimpos franceses. O transporte de mercadorias entre os dois pontos é realizado de maneira arriscada pelo rio e floresta amazônica.
"É um transporte temerário, que muitas vezes é realizado durante a noite, na madrugada, sem iluminação, gerando risco para os próprios passageiros que vêm em voadeiras superlotadas", disse o delegado de Oiapoque Charles Correia.
"[A viagem] é perigosa porque a canoa é pequena para passar nesses rios, mas a gente chega tranquilo", completou a comerciante Marilene Moura. Ela tem um estabelecimento no garimpo.
Conflitos e combates
A Polícia Francesa faz operações sobre os garimpos, no entanto, de forma escalonada por causa do alto custo que uma ação gera ao país por ocasião da persistência dos garimpeiros em retornarem aos locais depois do trabalho policial.
A Polícia Francesa faz operações sobre os garimpos, no entanto, de forma escalonada por causa do alto custo que uma ação gera ao país por ocasião da persistência dos garimpeiros em retornarem aos locais depois do trabalho policial.
Nas operações, os soldados destroem as máquinas usadas na extração do minério, derrubam e queimam os barracos armados no meio da mata e apreendem objetos.
As fiscalizações dos policiais franceses em garimpos com brasileiros provocaram até conflitos com mortes. Em 27 de junho de 2012, dois militares da Guiana foram assassinados a tiros quando desciam de rapel de um helicóptero, em uma área de exploração ilegal de ouro na região de Dorlin, Sudoeste da Guiana Francesa. Quase um mês após a morte dos policiais, os dois suspeitos de cometer o crime foram capturados pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), em um hotel de Macapá. Ambos confessaram os assassinatos e estão presos na penitenciária do Amapá aguardando julgamento da Justiça Brasileira.
O procurador da República na Guiana Ivan Auriel contou que a Justiça Francesa analisa cada caso das pessoas que se encontram nos garimpos e são presas nas operações.
"Em alguns casos, o procedimento adotado é a prisão de algumas pessoas para serem julgadas e deportados para o Brasil", afirmou.
"Em alguns casos, o procedimento adotado é a prisão de algumas pessoas para serem julgadas e deportados para o Brasil", afirmou.
Uma das alternativas encontradas para combater a atividade ilegal é a cooperação com o governo brasileiro.
"Não é somente um crime contra a Guiana, mas também aos garimpeiros que arriscam a vida. Nossa esperança é de que o governo brasileiro nos ajude a lutar contra o crime que também é um perigo contra a floresta", disse Luquet Xavier, chefe de gabinete do governo da Guiana.
Projeto
No fim de 2013, o texto do acordo entre Brasil e França que define os parâmetros de fiscalização da atividade garimpeira na área da divisa entre Oiapoque e Guiana Francesa, foi aprovado na Câmara dos Deputados, em Brasília.
No fim de 2013, o texto do acordo entre Brasil e França que define os parâmetros de fiscalização da atividade garimpeira na área da divisa entre Oiapoque e Guiana Francesa, foi aprovado na Câmara dos Deputados, em Brasília.
O trecho na divisa do Amapá e Guiana Francesa possui duas grandes áreas de preservação, o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e a Floresta da Guiana, locais onde ocorre a extração ilegal de ouro a partir das cidades de Oiapoque, no Brasil, e Saint Georges, na Guiana Francesa, que têm uma extensão de 707 quilômetros. O texto aguarda passar pelo Senado.O texto especifica que as polícias dos dois países terão a competência de apreender ou destruir qualquer equipamento usado para a extração ilegal de ouro em uma área de 150 quilômetros a partir das fronteiras de cada território.
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