Exploração mineral: um país sem memória
Você sabe onde está guardado o gigantesco acervo coletado pelas centenas de empresas de mineração, que investiram bilhões ao longo de décadas em pesquisa mineral no Brasil?
Estou falando de um tesouro de informações valiosíssimas: da geologia, geoquímica, testemunhos de sondagens, análises químicas, dados geofísicos e muitos outros trabalhos técnicos executados no nosso país.
Onde foi parar esse patrimônio, cujo valor é medido em bilhões de dólares e que pode (e deve) ser disponibilizado para os trabalhos de exploração mineral futuros?
Um patrimônio que nos irá propiciar novas riquezas, se disponibilizado aos pesquisadores minerais que atuam no País.
O que eu estou falando não é pouca coisa...
Tratam-se de milhões de metros de testemunhos de sondagem, centenas de milhões de análises químicas, incontáveis relatórios técnicos, centenas de milhares de mapas geológicos, milhões de quilômetros quadrados cobertos por geofísica terrestre e aérea além de incontáveis investimentos feitos em exploração mineral no Brasil.
A resposta, como alguns já devem imaginar, é assustadora!
A maioria deste acervo de imenso valor está, simplesmente, perdido.
O motivo deste desastre é o desinteresse do governo e a falta de uma legislação clara sobre o assunto.
No Brasil as empresas de pesquisa mineral não são obrigadas a fornecer, obrigatoriamente, ao Governo os dados da pesquisa geocodificados, após um período de carência.
O que fica da pesquisa mineral, neste país, são os relatórios entregues ao DNPM, geralmente mal feitos, cheios de copy paste e generalidades: a chacota de muitos que os veem.
Inócuos, com muito pouco conteúdo técnico esses “pesos de papel” são repletos de informações de pouco valor, copiadas dos livros de geologia e dos relatórios de mapeamentos geológicos feitos pelo Governo. Relatórios feitos para cumprir com as obrigações da legislação mineral.
Pouco ou nada adicionam à geologia ou à sociedade.
E, para desgraça do país, eles, praticamente nunca, contêm os bancos de dados analíticos e geofísicos que embasaram as suas conclusões.
Onde foram parar os milhões de metros de testemunhos de sondagem perfurados nas últimas décadas? Um acervo de valor geológico inestimável que certamente foi lançado no lixo por falta de armazenagem.
O DNPM , que deveria concentrar o acervo da pesquisa mineral brasileira, nada faz.
Por não agir como um verdadeiro órgão fiscalizador e certificador, fica relegado à mediocridade dos relatórios técnicos que acumula.
As milhares de toneladas de papel, acumuladas pelo DNPM, por incrível que pareça, não são disponibilizadas ao público.
É um festival da mesmice anacrônica, pois até hoje esses relatórios ainda não são digitais e nem são utilizados para embasar pesquisas minerais ou trabalhos científicos.
Onde estão os bancos de dados digitais da geoquímica e geofísica, que deveriam, obrigatoriamente fazer parte dos relatórios. As fotografias dos testemunhos de sondagem?
O que nós constatamos é que praticamente TODA a pesquisa mineral feita no Brasil está indo para o lixo.
O problema é recorrente. Somente as junior companies estavam investindo, há poucos anos, quando o país ainda fazia pesquisa mineral, bilhões de reais ao ano em exploração mineral...
Hoje a maioria das empresas de pesquisa mineral já abandonaram o país, que pouco ou nada lhes ofereceu a não ser o descaso. Os dados? Possivelmente engavetados a beira do esquecimento: a falência de um sistema sem memória.
Como geólogo fico horrorizado com a perda que o Brasil sofre, por falta de legislação e de um órgão certificador oficial.
Se o DNPM tivesse em seus quadros profissionais qualificados, aceitos internacionalmente, os Competent Persons (CPs), ele poderia fazer, não só a vistoria dos projetos, mas a primeira certificação e auditoria dos dados (o QAQC). Neste caso, como em um passe de mágica, caberia ao DNPM a confirmação de que esses dados foram obtidos dentro de uma norma brasileira (tipo JORC), aceita internacionalmente.
Então não teríamos este prejuízo bilionário e, possivelmente, não precisaríamos ter que empregar geólogos estrangeiros (Competent Persons) que nada conhecem do Brasil para certificar os nossos projetos.
O DNPM seria uma referência, não o órgão abandonado e ineficiente que se tornou.
Temos que criar uma legislação que obrigue, a todas as empresas de pesquisa mineral a fornecer os seus bancos de dados de geologia, geoquímica e geofísica, geocodificados, ao Governo e ao público, após um período de cinco anos da aquisição.
Esta informação pertence ao Brasil e como tal deve ser disponibilizada para seu benefício.
Desta forma a exploração mineral brasileira poderá usufruir de milhões de dados altamente relevantes que servirão para embasar os programas futuros.
Não seríamos o que somos: um país sem passado, que abandonou completamente a exploração mineral.
Já discuti esses pontos em várias reuniões com a participação das grandes empresas de mineração do Brasil, do DNPM e da CPRM. Mas, graças à falta de interesse de uns e da negação de outros, nunca chegamos a lugar nenhum.
Hoje quando vejo as milhares de toneladas de papéis de baixa qualidade, sem uso e fora do alcance do pesquisador, acumulados nos prédios do DNPM, percebo que erramos feio.
Somos um país sem memória e, ao permanecer no erro, negamos o futuro aos nossos jovens.
Em um mundo digital, onde o Big Data virou a fonte de tesouros inimagináveis, nós nadamos contra a corrente e nem sequer somos capazes de armazenar e disponibilizar a informação adquirida em nosso próprio solo.
Mas ainda tem tempo para mudar. ..
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