Uma exposição minuciosa mostra todas as formas e cores do brilhante, a mais preciosa das pedras. E revela que os cristais guardam segredos sobre a origem da nossa galáxia.
Um diamante de 1 quilate, ou um quinto de grama, pode valer 1 milhão de dólares. Descoberto na Índia, o brilhante mais precioso fascinou gregos e romanos e conquistou todos os reis da Europa. Deixou de ser privilégio da aristocracia, mas nunca perdeu a aura de distinção. Não é só a beleza que o torna tão especial. Os fragmentos que enfeitam um brinco podem ter 3 bilhões de anos. Um diamante é a matéria mais velha que alguém pode possuir.
Quem for a Nova York até o dia 30 de agosto poderá ver a mais completa exposição já realizada sobre o tema, A Natureza dos Diamantes, no Museu Americano de História Natural. Ela reúne jóias de tirar o fôlego, cristais crus incrustados em rochas vindas do fundo do Terra, gemas de muitos usos e utilidades e tecnologias sofisticadas, da mineração à reprodução artificial.
Entre tantos tesouros magníficos, uma pedra negra passa quase despercebida. Mas não deveria. Trata-se de um pedaço do meteoro Allende, caído em 1969 na cidade mexicana que deu nome à rocha. Incrustado nele, cientistas acharam, em 1987, minúsculos grãos de diamante, nanodiamantes, visíveis apenas em microscópio, mais velhos do que o Sol. Têm entre 4,6 bilhões e 12 bilhões de anos, a idade da estrela e a idade da nossa galáxia, respectivamente.
São diamantes ETs, vindos não se sabe de onde. E em sua composição química carregam informações inéditas sobre a explosão que formou o nosso sistema solar. “São as amostras mais velhas que temos”, disse à SUPER o físico George Harlow, curador da exposição. “Elas podem desvendar fatos ainda não conhecidos sobre a nossa origem” (veja na página 62).
Quebrando a banca
O Incomparável é o terceiro maior diamante do mundo. Tem 407,48 quilates (81 gramas) e foi cortado de um bloco de cristal bruto (ao lado), achado na África do Sul, que pesava 890 quilates (178 gramas). Em 1984, um milionário suíço comprou-o, num leilão na loja Christie’s, em Nova York, por 13,2 milhões de dólares.
Mensagem subliminar
A bela Marilyn Monroe seduziu meio mundo no filme Os Homens Preferem as Loiras, de 1953, cantando a música Os Diamantes São os Melhores Amigos das Garotas. Seu carisma ajudou a popularizar a imagem glamourosa dos cristais e seu comércio. Desde 1930, as grandes joalherias vinham emprestando brilhantes gratuitamente aos estúdios de Hollywood para as atrizes exibirem em filmes. Mas estes, que Marilyn usou, eram de vidro.
A pedra mística que deu a volta ao mundo
Lorelei Lee, a nem tão ingênua garota que amava diamantes, interpretada por Marilyn Monroe em Os Homens Preferem as Loiras, talvez fosse até feminista. No filme, ela retruca ao sogro que a acusa de querer o dinheiro do filho: “Quem, eu? Eu, não. Você não sabe que a riqueza do homem é como a beleza da mulher? Você pode não se casar com uma garota só porque ela é bonita. Mas, meu Deus, ajuda, não é?” Para Lorelei, os diamantes são uma espécie de seguro das mulheres contra as juras de amor fáceis dos homens. Bem mais confiáveis.
Nem sempre os cristais foram apreciados pelo valor econômico. Na Índia, textos religiosos do século IV antes de Cristo já descrevem a beleza das gemas como a essência da pureza. Na cultura hindu, a durabilidade da pedra ganhou significação mística e poderes supostamente mágicos.
As caravanas levaram os cristais do Oriente para a Grécia. No século I, os romanos usavam anéis de diamante como talismã contra o azar, mas a pedra não era considerada preciosa. No primeiro milênio em que o cristianismo se expandiu, ela foi quase esquecida na Europa. No Oriente, entretanto, conquistou reis da Pérsia e sultões islâmicos.
Proibido pela lei
O culto europeu começou quando o rei da França Luís IX (1214-1270), proibiu as mulheres de usarem os diamantes, reservando-os ao soberano. No século XV, a insinuante Agnes Sorel, amante do rei Charles VII (1403-1461), tornou-se a primeira mulher a desafiar a lei. E toda a corte francesa imitou-a.
Veneza, capital do comércio com o Oriente, foi o primeiro centro de cristais. A descoberta da rota marítima para as Índias aumentou a oferta deles. No século XV, as alianças de diamantes passaram a freqüentar casamentos nobres, simbolizando, pela durabilidade, os ideais românticos do amor cortesão.
Em 1730, quando já rareavam na Índia, descobriu-se diamante em Minas Gerais. A produção brasileira inundou a Europa, o preço baixou e o culto generalizou-se. Até 1840, o Brasil foi o maior produtor.
Em 1869, o garimpo brasileiro já estava esgotado, mas a abertura das minas na África do Sul ampliou a oferta, novamente. A aura dos brilhantes passou a ser disputada pelas famílias burguesas. Adotada por Hollywood, seu valor tornou-se universal. Lorelei fez milhões de seguidoras.
O maioral
O Golden Jubilee é o maior diamante do mundo. Tem 545,67 quilates (109 gramas). Foi descoberto na África do Sul, em 1994, e pertence à mineradora De Beers. Em 1997, um grupo de empresários tailandeses quis comprá-lo para dar de presente ao rei da Tailândia, por ocasião dos seus 50 anos de reinado. Mas a crise financeira da Ásia abortou o projeto. O preço foi mantido em segredo.
Amor eterno
O Diamante Krupp, com 33,19 quilates (6,5 gramas), foi comprado pelo ator Richard Burton para Elizabeth Taylor, sua esposa, por 305 000 dólares, em 1968. Era um símbolo de eterna fidelidade. Mas o casamento não durou mais que doze anos.
Do Brasil para Portugal
Tiara de 25 estrelas da rainha Maria Pia (1847-1911), de Portugal. Tem 502 diamantes. O do centro da estrela maior tem 21,6 quilates (4,3 gramas). A estrutura é de ouro e prata. Foi feita em 1866, com pedras brasileiras. Pertence ao Museu do Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa. O valor é inestimável.
O arco-íris
Uma amostra de raros diamantes coloridos naturais. Há uma gema com cor para cada 10 000 transparentes. O que tinge os cristais é a combinação de impurezas e átomos não-carbônicos, como o nitrogênio e o boro.
O segredo imemorial dos ETs de pedra
Quando o Sistema Solar se formou, muitos ingredientes originais se derreteram ou se vaporizaram, perdendo sua identidade química. Mas os diamantes saíram ilesos do inferno. Em 1987, os químicos Roy Levis e Edward Anders, da Universidade de Chicago, descobriram grãos de brilhante nos meteoros Allende, que caiu no México em 1969, e Murchison, caído na Austrália, no mesmo ano. Tinham entre 1 e 5 milionésimos de milímetro.
Em 1996, o geólogo Tyrone Daulton, do Laboratório Nacional Aargonne, nos Estados Unidos, descobriu que os nanodiamantes dos meteoros se condensaram no ambiente rico em carbono gerado pela morte de estrelas gigantes vermelhas, há bilhões de anos, quando a nossa galáxia estava se formando. Mais antigos do que o Sol, esses grãos abriram uma janela com vista panorâmica para a evolução das estrelas (veja infográfico, ao lado).
O conhecimento da origem do Sistema Solar depende do exame da composição da nuvem primordial de gás e poeira. Os cristais ETs constituem uma fração dessas partículas que formaram tudo, inclusive nós, os seres humanos. “São uma fonte preciosa de informações”, disse Daulton à SUPER. “Vários átomos de carbono do nosso corpo já foram diamantes pré-solares”.
A microestrutura dos cristais gravou segredos sobre os ciclos de evolução estelar, suas condições químicas e a escala atômica dos mecanismos de condensação. Pode desvendar os graus de pressão, de temperatura e a composição do ambiente das estrelas. O que não é pouco, nota Daulton: “Fica mais fácil descobrir a receita familiar secreta do suflê do seu amigo quando você conhece todos os ingredientes”.
Choque criativo
Meteoros também “fabricam” diamantes. Colisões cósmicas causam o que os geólogos chamam de “choque metamórfico”: um impacto capaz de transformar em cristal o carbono das rochas atingidas. Foi o que aconteceu na cratera de Popigari, na Sibéria (veja infográfico abaixo). Já foram descobertos diamantes em nove das 150 crateras de meteoros da Terra.
Há 65 milhões de anos, lembra Goerge Harlow, um grande impacto cósmico, entre os períodos Cretáceo e Terciário, coincidiu com a extinção dos dinossauros. Os diamantes também registraram isso. “Esta área de pesquisa”, afirma o curador da exposição, “deverá contribuir com descobertas incríveis.”
O método Super-Homem
O personagem de quadrinhos, inventado em 1938 por Jerry Siegel e Joe Shuster, transformava carvão em diamante com as mãos. Seu filho, numa história de 1991, também. A idéia é delirante, mas, teoricamente, possível. Basta aquecer o carvão com visão de raios X até a temperatura de 1 400 graus Celsius e apertá-lo com a pressão de 55 000 quilobares – o equivalente ao peso da Torre Eiffel (2,3 milhões de quilos) sobre uma moeda de 1 centavo. Brincadeira, para o superbebê.
Um ET em 3x4
Asteróides caídos na Terra trouxeram grãos de diamantes incrustados, como mostra esta imagem de microscópio de um cristal de 0,0000020 milímetro do meteoro Allende. A estrutura cristalina está colorida de azul. Os pontos pretos correspondem às colunas de átomos de carbono.
Viagenzinha longa
Durante a explosão das estrelas gigantes vermelhas, ocorrida entre o nascimento do Sol, há 4,6 bilhões de anos, e a formação da nossa galáxia, há 12 bilhões de anos, a condensação dos gases criou grãos de poeira e microdiamantes.
A união e a força
Diamante e grafite são dois tipos de cristal de carbono. A diferença entre eles está no arranjo das moléculas: a ligação entre os átomos faz do diamante a substância mais dura que existe.
O diamante é composto de bilhões de blocos iguais, formados por 8 átomos de carbono, cada um ligado fortemente a 4 vizinhos. A célula tem a forma de cubo. Se você der uma martelada, a pedra nem sente; quem sai perdendo é o martelo.
O grafite é formado por anéis de 6 átomos de carbono, bastante distanciados entre si e sem conexões adjacentes. Quebra fácil. Basta ver a ponta do lápis, que é feita de grafite.
Uma cápsula enviada do fundo da Terra
A maioria dos diamantes formados no planeta têm 3 bilhões de anos. Vêm de 150 quilômetros abaixo da crosta terrestre, da camada do manto superior, onde a temperatura ultrapassa 1000 graus Celsius e a pressão chega a 60 quilobares (1 bar é o peso da coluna de ar que vai do chão até a atmosfera, concentrado em cima de 1 centímetro quadrado).
As gemas concentram-se em dois tipos de rocha, a harzburgita e a eclogita, que sobem à superfície de carona no magma de um vulcão profundo, o kimberlito. Vulcões comuns têm até 60 quilômetros de profundidade e crateras de até 200 quilômetros quadrados. Os kimberlitos chegam a 150 quilômetros de profundidade, com crateras de apenas 1,5 quilômetro quadrado. Parecem uma cenoura enterrada (veja infográfico). O nome vem da mina de Kimberly, na África do Sul.
Hoje, a mineração concentra-se nas regiões árticas do Canadá, Sibéria, Escandinávia e Groenlândia. Mas ainda há diamantes de aluvião, levados para a superfície pelos vulcões e espalhados pela erosão. E depósitos marinhos, no fundo do oceano e em praias.
Mil e uma utilidades
Cem milhões de quilates de gemas naturais são extraídas anualmente e 400 milhões são fabricados em laboratório para fins industriais. Dos naturais, só 25 milhões de quilates acabam em jóias. É claro que os diamantes artificiais não têm o valor dos naturais: podem ser comprados por 1 dólar por quilate.
Poucas substâncias foram tão estudadas. O diamante é utilizado para cortar, modelar e polir. Penetra em tudo, e nada consegue riscá-lo, a não ser outro diamante. As sondas de perfuração de poços de petróleo usam cristais na ponta. As brocas que nos fazem sofrer no dentista têm diamante. A ponta de brilhante de certos bisturis cirúrgicos está sempre limpa e afiada porque ele repele a água, o sangue e os tecidos molhados.
A resistência à alta temperatura e a transparência tornam o diamante o material ideal para janelas de espaçonaves, como a da sonda Pioneer, feita de cristal artificial, que agüentou, em Vênus, uma pressão atmosférica 100 vezes maior do que a da Terra, em 1978.
O campo mais fértil é o dos microchips. A condutividade térmica dos diamantes promete supercomputadores que não esquentam. Graças à força indestrutível dos cristais, as máquinas do futuro poderão ter muito mais potência e velocidade.
O grande buraco
Em 1874, a mina de Kimberley (ao lado) era um pandemônio parecido com o de Serra Pelada, no Pará. Baldes pendurados em cordas levavam a terra escavada para ser examinada na superfície. A mina funcionou de 1869 a 1914, produzindo 150 milhões de quilates de diamantes (30 toneladas). Deixou um enorme buraco vazio, The Big Hole (foto maior), de 200 metros de profundidade.
Mineração na praia
Mina CDM, no litoral sudoeste da África do Sul. Um dique de areia de 15 metros de altura protege a escavação do mar. Retirada a areia, usam-se jatos de ar para procurar diamantes no leito.
Para saber mais
The Nature of Diamonds. Editado por George Harlow.
New York, American Museum of Natural History, 1997.
Na Internet: Centro de Informações de Diamantes De Beers http://www.adiamondisforever.com
Em Nova York: Exposição no American Museum of Natural
History. Central Park West com 79th Street. Até 30 de agosto.
Na Internet: http://www.amnh.org/exhibition/diamonds
As jóias da coroa
A realeza britânica lidera a pompa dos diamantes
Em 1905, um bloco de mais de meio quilo de diamante bruto, 3,106 quilates, 621 gramas exatamente, foi descoberto na mina de Kimberley, na África do Sul. O governo da província do Transvaal deu-o de presente ao rei Eduardo VII, da Inglaterra. A pedra foi dividida em nove brilhantes. O Cullinan I, de 530 quilates (106 gramas, o segundo maior diamante do mundo), foi instalado no cetro real (à direita), e o Cullinan II, de 317 quilates (63 gramas), foi montado na coroa. Em 1953, quando subiu ao trono, a jovem rainha Elizabeth II usou as jóias reais na sua foto oficial (acima). Tinha 27 anos.
Trombada metamórfica
A queda de asteróides na Terra pode transformar pedra em diamante.
1. Há 35 milhões de anos, um meteoro despencou na Terra, formando a cratera de Popigari, na Sibéria, com 60 quilômetros de diâmetro.
2. O choque esmagou rochas que possuíam átomos de carbono. A pressão enorme sobre elas e a temperatura, altíssima, provocaram uma metamorfose.
3. O grafite rico em carbono que havia na cratera virou cristal, formando diamantes de até 1 centímetro de diâmetro.
O cano de magma
A maior parte dos diamantes do planeta é extraída de um vulcão chamado kimberlito.
Cratera estreita
Os kimberlitos transbordam de crateras estreitas e têm entre 50 milhões a 1,6 bilhão de anos. Carregam cristais do fundo que chegam a ter 3,3 bilhões de anos.
Tubo profundo
Um tubo longo e estreito carrega para a superfície a erupção do kimberlito. Ela funciona como um elevador de cristais.
Massa quente
O magma sobe 150 quilômetros do manto da terra até a superfície, através de fissuras geológicas, transportando rochas de harzburgita e eclogita que contêm diamantes.
Como produzir um diamante
Métodos de laboratório cada vez mais simples fabricam cristais.
Diamantes sintéticos, como os da ponta desta broca (foto), podem ser condensados pelo processo CVD (sigla em inglês para Deposição de Vapor Químico). Na teoria, é simples: junta-se um pouco de hidrogênio, uma pitada de metano, uma fatia de silício e leva-se a mistura a um forno de microondas de alta potência. A uma temperatura de 800 graus Celsius, as microondas quebram as moléculas dos gases e formam um plasma, onde grãos de cristal se condensam, leatoriamente. À medida que a operação prossegue, os núcleos se multiplicam e fundem-se, criando um cristal contínuo.
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