segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Há quem se arrisque na terra do diamante

Há quem se arrisque na terra do diamante 

Há quem se arrisque na terra do diamante




Diamante à ufa. Garimpeiros por todos os lados. Chão de cabarés lavados com cerveja. Mulheres lindas recrutadas a dedo em Goiânia. Tresoitão Smith&Wesson na cinta dos donos de garimpos. Cheque nem pensar. Pagamento somente em cash. Aviões comerciais pousando e decolando com capangueiros. Poxoréu burbulhava. Tesouro e Guiratinga, também. O ciclo da garimpagem passou. Melhor, quase passou, porque ainda restam velhos aventureiros sonhadores que não se entregam. Batalham pesado nos monchões e grupiaras em busca da pedra boa que teima em se escafeder deixando todos blefados, de picuá vazio e sem o gosto do bamburro. 

Localizada numa área acidentada, espremida entre morros e o rio Poxoréu, a cidade é uma sequência de ruas sinuosas e permeadas por ladeiras. Por meio século ostentou o título de “Capital do Diamante”, realeza que murchou em meados da década de 1970, quando a extração entrou em declínio e levas de garimpeiros migraram para outras frentes em Nova Marilândia, Alto Paraguai, Arenápolis e Juína.

A Poxoréu do apogeu do garimpo morreu. Renasceu em outra cidade, pacata, exportadora de jovens para o mercado de trabalho e as faculdades, com a economia calcada no agronegócio. Perdeu as correntes migratórias que cruzavam o Brasil de cabeça para baixo e para cima em busca da fortuna fácil nos garimpos. O mesmo destino estava reservado à Tesouro, Guiratinga e Itiquira, na região.

Do mesmo modo que começou, terminou a opulência do ciclo da garimpagem. Poucos fizeram fortuna. Ganhou dinheiro quem comprou o cerrado que, à época, tinha preço de banana. Os milhares de garimpeiros desfrutaram apenas da aventura, da farra. Quem bamburrava gastava para se auto-afirmar junto aos companheiros e às mulheres. Pode ser que alguém tenha acendido charuto com a nota de cem da época, mas também pode ser lenda que isso tenha acontecido. Porém, era tradição lavar chão de cabaré com Brahma, a cerveja que Artêmio Capelotto vendia na região. Poucos tinham automóvel. Era raridade, mas com os bolsos cheios os novos e temporários ricos alugavam os famosos carros de praça – táxi – que normalmente eram Jeep, Toyota Bandeirantes, Rural ou a velha e boa Kombi. Alguns endinheirados se davam ao luxo de viagens de ostentação refestelados nas poltronas vermelho-aveludado dos bimotores DC-3 da Real Companhia Aérea, que fazia rota de Belo Horizonte para os pólos do garimpo na então região leste mato-grossense. 

Sem o garimpo a cidade perdeu o quê de aventura que foi sua grande marca na época em que o farmacêutico Amarílio de Britto tinha, sempre em mãos, uma fórmula homeopática para curar malária, gonorréia, asma e até mesmo ressaca implacável. O som do serviço de alto-falante “A Voz de Poxoréu” silenciou-se. Os ônibus da Transportes Baleia sumiram na curva da estrada, que também levou para Cuiabá um velho conhecido de todos, Prisco Menezes, um milionário que socorria – bem remunerado, é claro – o gerente do Banco do Brasil, quando não havia numerário na tesouraria para grandes saques. Ficou o passivo ambiental. Montanhas de rabo de bica. Assoreamento dos rios e riachos. Resta um gosto amargo de saudade.

O garimpo manual cedeu lugar às dragas. À escala comercial com enormes retroescavadeiras, caminhões basculantes, intervenção nos cursos d’água, GPS, equipamentos de última geração e gerenciamento profissional. Mesmo assim o faturamento do gigantismo das empresas mineradoras, nem de longe lembra o barulho dos garimpeiros anônimos que se espalhavam por Alto Coité, Raizinha e por onde mais se possa imaginar.



Profissão não dá segunda safra


Saturnino José do Nascimento, baiano de 84 anos, é nome estranho em Alto Coité, distrito de Poxoréu. Porém, se alguém perguntar por ‘seo’ Satu, o povoado inteiro sabe quem é. Afinal, ele garimpa naquelas bandas há 40 anos, todos os dias; todos os dias, não, porque guarda o sábado santo do Senhor, em obediência aos ensinamentos bíblicos pregados pela Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Satu é um poço de saúde. Trabalha o dia inteiro. Pega no pesado com a mesma disposição da juventude. Conversa pouco e escuta com dificuldade. Não toma medicamento. Usa roupas surradas e sandálias de couro costuradas por suas mãos calejadas. É casado, mas a patroa dona Severina Campos do Nascimento, septuagenária, mora em Anápolis (GO), “vende roupas”, revela. Matrimônio para ele é coisa sagrada, mas não faz segredo que mantém uma namorada de trinta e poucos anos na vila, “eu banco ela. Homem não pode ficar sem mulher”, mostra verbalmente uma virilidade que a faixa octogenária não derruba e que os 11 filhos que tem atestam.

O Garimpo da Onça, onde Satu trabalha, fica perto da margem do córrego do Coité – que dá nome ao lugar - mas ele paga renda de 10% ao dono da área, muito embora o mesmo não tenha titularidade no subsolo. Garimpeiro que é garimpeiro não discute questão legal, direito. Simplesmente paga o que deve e ponto final.

Pedra boa mesmo, Satu pegou somente cinco; uma com 12 quilates. Ajuizado não fez esbórnia com a mulherada nem bebeu. Comprou uma casa em Alto Coité e outra em Anápolis, onde sua mulher mora com a filharada.

Cansado sim, porém sempre disposto. Esse é o estado de espírito de Satu, que não aceita outra vida senão a que leva. Distante do mundo, o velho garimpeiro não sabe quase nada do que se passa ao seu redor. O nome do governador de Mato Grosso desafia sua memória. “Já ouvi; acho que é ‘Maurio’ ou qualquer coisa assim...” - mostra seu distanciamento.

Há 10 anos o governo federal em parceria com Mato Grosso montou dois projetos Casulo em Poxoréu, para assentar em parcelas próximas à cidade ex-garimpeiros. Satu foi sondado por assistentes sociais e técnicos, se gostaria de receber uma parcela. Refugou. “Profissão de garimpeiro não dá segunda safra, tenho que continuar onde estou”, disse aos que o procuraram.

Ex-garimpeiros aposentados entre aspas que aceitaram a proposta dos  Casulo quebraram a cara. O projeto foi por água abaixo com sua meta de produzir maracujá que seria destinado à indústria de sucos e concentrados Maguary, em Araguari, Minas Gerais.

A balbúrdia nos Casulo foi grande. Nunca o pessoal, oriundo do garimpo, colheu um maracujá sequer. Para salvar as aparências, quando o governador Dante de Oliveira visitava o projeto, técnicos providenciavam o fruto em supermercados na vizinha Rondonópolis, para que fossem mostrados como safra do lugar.

Satu não foi o único garimpeiro a virar as costas aos Casulo. Outros também tiveram a mesma reação. Alguns deles foram vencidos pela idade e doenças. Saíram do batente. Foram empurrados pela circunstância para o Abrigo da Associação dos Garimpeiros de Poxoréu.

Mês passado, 29 garimpeiros sem força para o trabalho e minados por doenças, sobretudo respiratórias, ocupavam as enfermarias do abrigo, que é dirigido pela filha de garimpeiro Maria Aparecida dos Santos, mais conhecida por Cida Caburé – apelido que aceita com naturalidade.

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