domingo, 6 de março de 2016

A lenda da montanha de ouro

A lenda da montanha de ouro foram 10 anos para realizar o documentário Serra Pelada – A Lenda da Montanha de Ouro. Nessa década, o diretor Victor Lopes viajou inúmeras vezes à região, no sul do Pará, refazendo o caminho percorrido por milhares de homens nos anos 80, impelidos pela esperança de encontrar riquezas no coração amazônico. O resultado desse trabalho de pesquisa poderá ser conferido nos cinemas a partir dessa sexta­feira, 1/11, quando o documentário entra em cartaz em circuito nacional. A história da Serra Pelada remonta ao ano de 1979, quando surgiram os primeiros boatos sobre a descoberta de ouro na Grota Rica, Pará. O morro da Babilônia foi tomado por garimpeiros de todos os cantos do país, num episódio que o diretor Victor Lopes considera "um dos mais representativos da história recente do Brasil". Na entrevista ao cultura.rj, Victor detalha sua jornada pessoal para eternizar a história deste "delírio que virou realidade". O sr. dedicou 10 anos para fazer este documentário. Como surgiu o interesse na história da Serra Pelada? Fui para a região fazer outros dois filmes institucionais e aí me aproximei dos garimpeiros. Logo vi que tinha uma história única do Brasil e do mundo nas mãos, de cem mil homens transformando com trabalho braçal uma montanha de 150 metros num lago de 150 metros de profundidade, cercado de miséria, disputas e lendas até hoje. Que fatores explicam a explosão dessa "corrida do ouro" moderna, no que ficou conhecido como o "maior garimpo a céu aberto do mundo"? Depois da saga inicial, que atraiu 30 mil homens em poucas semanas, Serra Pelada transforma­se numa grande coreografia do governo militar. Mesmo no meio da Amazônia, seria muito complicado retirar tanta gente de cima do ouro que não parava de brotar da Grota Rica. Assim, o governo decidiu intervir através do Major Curió, que proibiu armas, mulheres e bebida, transformando o garimpo num quartel. Ali, com 80 mil homens controlados por 16 policiais e quase sem ocorrências, tanto a Caixa quanto a Vale faturaram alto com a venda do ouro, que era comprado como ouro bruto, mas muitas vezes tinha valor maior pelos outros metais agregados, como platina e paládio. Ficou público e notório que o ouro do garimpo gerou reservas importantes para pagar a dívida externa na época. A Serra Pelada foi um lugar que viu nascerem grandes riquezas e também grandes desgraças. Poderia identificar personagens marcantes, presentes no documentário, que ilustram esses dois lados de uma mesma situação? Tem um personagem, chamado Índio, que chegou a ganhar mais de 10 milhões dólares e perdeu tudo. Com o dinheiro, ele até fretou um avião pra vir pro Rio de Janeiro sozinho. E podemos destacar também o Sebastião Curió, personagem polêmico, que foi o interventor do governo militar no garimpo. Tive uma grande vantagem de poder filmar não só os garimpeiros, mas também personagens como os funcionários da Vale, o que formou uma visão muito mais geral, de uma história que não dá pra ser contada por um só viés, por um lado só. E o meu cinema é altamente polifônico, eu gosto de um filme feito com muitas vozes. No caso de Serra Pelada, seria impossível reunir todas as 100 mil vozes, mas fiz uma tradução mais próxima possível dessa grande história. Como o sr mesmo disse, a Serra Pelada é até hoje cercada por disputas, miséria e lendas. Quais são as histórias que ainda circulam na região? Serra Pelada é uma lenda – por isso o título do filme. Porque apesar de muita gente durante décadas considerar a existência de ouro um delírio dos garimpeiros, sempre houve interesse do governo brasileiro e de outras empresas mineradoras pela mina. Tanto que hoje uma empresa canadense está tocando um projeto de 700 milhões de dólares na região. Então, o que era chamado de "delírio" parece ser verdade. Às vezes o que parece uma lenda é verdade, e certamente a realidade supera a ficção naquele lugar. Apesar do projeto canadense, a atividade garimpeira em Serra Pelada diminui muito, e a região se transformou num imenso lago. Para o sr., que dedicou uma década de trabalhos a uma história que prometia prosperidade, o que esse cenário significa? Para mim, esse cenário já é um mito por si só. Transformar uma montanha de ouro de 150 metros de altura num lago de 150 metros de profundidade é, sozinha, uma ação cinematográfica. E também representa a inversão da pirâmide, numa simbologia muito forte de uma montanha tornada lago – inclusive algumas cenas do documentário foram filmadas ali dentro d"água. É uma história sem fundo. Uma história sem fundo, cheio de ouro.

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