DEPÓSITOS DE ALEXANDRITA DE MALACACHETA, MINAS
GERAIS* , alexandrite [Be(Al2-xCrx)2O4], the chromium-bearing crysoberyl variety, has been exploited
from alluvial and paleo-alluvial deposits in the Malacacheta region. The alluvial deposits consist of
resedimented gravel along the present drainage streams. The paleo-alluvial deposits are richer in alexandrite,
and show well-developed soil horizons covering the alexandrite-bearing gravel layer. Alexandrite grains
show angular shapes with very sharp edges, suggesting transport for short distances. The country rocks are
quartz-mica schist and peraluminous mica schist (Salinas Formation), covered by alternating mica schist
and quartzite layers (Capelinha Formation). Both formations are of Neoproterozoic age. They host tectonic
slabs of metaultramafic rocks, and are cut by intrusive granites of Cambrian age. No alexandrite-bearing
rock has been found in the area, probably due to the intense tropical weathering. However, some of the
mapped rocks are sources for Be (granites), Cr (metaultramafics) and Al (peraluminous schists), the essential
elements for alexandrite crystallization. We suggest a metasomatic system of Cambrian age for alexandrite
genesis in the area, involving the interaction of granite-related Be-rich fluids with metaultramafic rocks
and peraluminous schists.
*Suporte financeiro de FAPEMIG, CNPq e CAPES 1 Universidade Federal de Ouro Preto, Dep. de Geologia, Morro do Cruzeiro, Ouro Preto, MG. marcio.basilio@uol.com.br
2 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Dep. de Química, Av. Amazonas 5253, Belo Horizonte, MG 3
Universidade Federal de Minas Gerais, IGC-CPMTC, Campus Pampulha, 31270-901 Belo Horizonte, MG
INTRODUÇÃO
Alexandrita, uma das mais raras e valiosas gemas
do mundo, é a variedade cromífera do crisoberilo
(BeAl2
O4
). O efeito alexandrita se manifesta pela
mudança de cor, em função do tipo de iluminação, que
passa de verde intenso, sob luz do sol, para violeta ou
vermelho framboesa, sob luz incandescente(White et
al. 1967).
A substituição de parte do Al+3 por Cr+3,
representada na fórmula [Be(Al2-xCrx
)
2
O4
], é a causa
do efeito alexandrita. O conteúdo de cromo substituindo
o alumínio pode variar dentro de limites relativamente
amplos (0,03% a 1,5%), sendo a presença do cromo o
fator determinante da cor e da mudança de cor na
alexandrita (Schmetzer et al. 1980, Gübelin e Schmetzer
1982, Pinheiro et al. 2000).
No Brasil, a alexandrita é explorada principalmente
em Minas Gerais, nas regiões de Itabira-Nova Era e
Malacacheta-Setubinha, sendo também encontrada em
pequenas ocorrências no Espírito Santo e Bahia
(Cassedanne e Baptista 1984, Pinto e Pedrosa-Soares
2001).
A descoberta de alexandrita em Malacacheta
ocorreu em 1975, após a identificação de pequenas
pedras verdes contidas no barro trazido do Córrego do
Fogo (Fig. 1). Logo que estas gemas foram classificadas
como alexandrita de alta qualidade, teve início um
grande fluxo de garimpeiros que chegaram a totalizar
5000 homens acampados às margens do Córrego do
Fogo e ribeirões Soturno e Setubinha.
A atividade garimpeira na região teve seu pico entre
os anos de 1975 e 1987. Durante aqueles 12 anos foram
produzidos cerca de 2 kg de alexandrita de muito boa
qualidade (Proctor 1988). Em 1985 foi descoberto um
cristal pesando 14,6 g no Ribeirão Soturno que, depois
de lapidado, gerou um cabochão de 18,5 ct, considerado
uma das mais raras e finas alexandritas olho-de-gato do
mundo. A partir de 1987, a produção declinou muito.
Em 1998, cerca de 100 garimpeiros ainda trabalhavam
nos aluviões, mas a produção era muito pequena, não
superando poucos quilates de gema de boa qualidade
por ano.
ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO
O Distrito Gemológico de Malacacheta localiza-se
à cerca de 30 km ao norte da cidade homônima. O
intenso intemperismo tropical transformou as rochas da
área em extensos e profundos solos lateríticos com
exposições periódicas de saprólito. Quando ocorrem,
as exposições de rochas frescas situam-se ao longo de
drenagens, cortes de estrada e escarpas íngremes.
O Distrito Gemológico de Malacacheta situa-DEPÓSITOS DE ALEXANDRITA DE MALACACHETA, MINAS GERAIS
A Formação Salinas é composta predominantemente
por quartzo-mica xisto granatífero e xisto peraluminoso
rico em almandina e sillimanita fibrosa, com
intercalações de rochas cálcio-silicáticas. Os xistos são
mais ricos em biotita que moscovita. Seixos e matacões
de formações ferríferas bandadas (tipos óxido e silicato)
e de ortoanfibolitos são frequentes nos terrenos desta
formação, na área estudada.
A Formação Capelinha consiste em uma sucessão
basal de camadas alternadas de micaxisto, grafita xisto
e protoquartzito, coberta por espesso pacote de
ortoquartzito. O micaxisto é rico em moscovita, granada
e sillimanita fibrosa. O protoquartzito contém moscovita
e/ou feldspato e/ou sillimanita. Veios quartzofeldspáticos
com textura pegmatítica são comuns nas
camadas ricas em moscovita. Parte destes veios parece
ter origem anatética e parte parece estar relacionada às
intrusões graníticas.
Corpos de rochas metaultramáficas ocorrem
tectonicamente alojados nestas formações. O maior
deles, denominado Corpo Catulé (Fig. 1), é constituído
de tremolita-talco xisto com remanescentes de peridotito
mostrando foliação milonítica. Espessos veios de
diopsídio e quartzo, de granulação grossa, ocorrem
associados a este corpo e foram garimpados para
explotação dos belos cristais euédricos de diopsídio.
Um granito intrusivo ocupa a porção central da área
(Fig. 1). Trata-se de granito homogêneo, a duas micas,
Figura 1: Mapa geológico simplificado da área garimpeira do Córrego do Fogo-Setubinha, no Distrito
Gemológico de Malacacheta (adaptado de Voll & Pimenta, 1997).
Figure 1: Simplified geologic map of the Córrego do Fogo-Setubinha area, Malacacheta Gemologic District
(after Voll & Pimenta, 1997).
10
48 º W 42º W
16º S
20º S
42º 10'
Formação Capelinha: micaxisto e quse em
terreno metamórfico de fácies anfibolito, intrudido por
granitos, do domínio tectônico interno da Faixa Araçuaí
(Pedrosa-Soares e Wiedemann-Leonardos 2000). As
unidades estratigráficas da área estudada estão
representadas na Figura 1.
O embasamento, de idade arqueana a
paleoproterozóica, retrabalhado no Ciclo Brasiliano, é
constituído predominantemente por biotita gnaisse
bandado do Complexo Guanhães (Pedrosa-Soares et al.
1994). Sobre ele repousam as unidades que ocupam a
maior parte da área, denominadas formações Salinas e
Capelinha no qual a biotita predomina sobre a moscovita e a
granada ocorre como acessório frequente. A orientação
por fluxo ígneo verificada nas bordas do corpo
desaparece no seu interior. Roof-pendants e xenólitos
de rochas encaixantes são frequentes nos maciços
graníticos. Os atributos mineralógicos e geoquímicos
evidenciam que o Granito Córrego do Fogo é do tipo
S, peraluminoso, alcalino-potássico e pós-colisional
(Basílio, 1999).
Zircões desta intrusão foram separados para datação
pelo método Pb/Pb (evaporação) e agruparam-se em
duas famílias. A família de zircões arredondados e
corroídos, e cor amarelo claro a escuro, forneceu a idade
de 2585 ± 19 Ma. Esta idade indica que fonte arqueana
forneceu zircões para os metassedimentos que sofreram
fusão parcial para gerar o granito.
A família de zircões euédricos, límpidos, de prisma
longo, forneceu a idade de 537 ± 8 Ma. Esta é a idade
de cristalização do Granito Córrego do Fogo, em
perfeita concordância com sua assinatura pós-colisional
(Basílio 1999). Regionalmente, o Granito Córrego do
Fogo pertence à Suíte G4, uma das suítes graníticas
originadas durante o estágio de colapso orogênico póscolisional
da Faixa Araçuaí (Pedrosa-Soares e
Wiedemann-Leonardos, 2000).
Os pegmatitos encontrados na área estudada são
veios relativamente pequenos, cuja espessura máxima
está em torno de 3 m. Quartzo, feldspato potássico
macropertítico e moscovita são seus minerais essenciais,
enquanto berilo e schorlita podem ocorrer como
acessórios. Há pegmatitos que são claramente derivados
do Granito do Córrego do Fogo, assim como há veios
que são anatéticos. Em qualquer dos casos, são
pegmatitos pobres em gemas que, eventualmente,
produzem água-marinha. Cristais de rubelita ocorrem
nos aluviões e provavelmente são oriundos dos
pegmatitos. Não se tem notícia de alexandrita que tenha
sido extraída dos pegmatitos da área.
A ALEXANDRITA
A alexandrita de Malacacheta apresenta-se como
grãos milimétricos, mas raramente atinge alguns
centímetros. Os grãos são angulosos e de arestas agudas.
Faces cristalinas preservadas praticamente inexistem,
devido ao intenso fraturamento. Estas características
evidenciam transporte por distâncias curtas.
As cores da alexandrita de Malacacheta variam do
verde ao azul (conhecida comercialmente como “azul
pavão”), mas pode ocorrer nítido tricroísmo, variando
entre azul, verde intenso e verde amarelado.
A presença do cromo, identificado por microssonda
eletrônica, em substituição a parte do alumínio, está
intimamente relacionada à característica mudança de
cor, que se dá de verde ou azul em luz natural, para
vermelho framboesa ou violeta sob luz incandescente.
Os teores de cromo podem variar desde 0,3% a 1,2%
(Basílio, 1999; Pinheiro et al., 2000).
Inclusões de talco, antofilita e actinolita-tremolita,
minerais comuns na rochas ultramáficas da área, foram
identificadas em grãos de alexandrita do Córrego do
Fogo (Henn, 1987). Basílio (1999) também verificou a
presença de inclusões cristalinas, na forma de um
mineral fibroso (actinolita?) e um mineral placóide
hexagonal (biotita?).
DESCRIÇÃO DOS DEPÓSITOS
Desde 1975 a alexandrita tem sido extraída apenas
de depósitos aluvionares no Distrito de Malacacheta. É
ainda desconhecida a rocha na qual os cristais de
alexandrita se cristalizaram (Basílio, 1999).
Os depósitos mais ricos encontram-se ao longo de
apenas dois cursos d’água: o Córrego do Fogo e o
Ribeirão Soturno. Nos ribeirões Santana e Setubinha
existem aluviões relativamente pobres em alexandrita.
O Ribeirão Setubinha recebe as águas do Córrego do
Fogo (Fig. 1).
Três superfícies erosivas foram identificadas na
região de Malacacheta por Guimarães e Grossi-Sad
(1997). A superfície mais antiga, representada por
chapadas, possui altitudes em torno de 1200 m. As
chapadas são suportadas por quartzito da Formação
Capelinha ou xisto da Formação Salinas.
A segunda superfície tem altitudes em torno de 900
m e suas drenagens mostram vales estreitos e de margens
abruptas, como ocorre com o Ribeirão Setubinha. Este
e outros cursos que se estabeleceram no segundo ciclo
erosivo parecem ter sido herdados do primeiro ciclo.
Estes cursos escavaram seus canais na primeira
superfície e, persistindo em sua ação erosiva, adquiriram
meandros que foram realçados durante o segundo ciclo.
A superfície erosiva mais recente é resultado do
rebaixamento do nível de base local. Como evidência
da erosão provocada por este rebaixamento observa-se
a presença de paleoalúvios em cotas imediatamente
superiores aos cursos d’água atuais e a reincisão dos
aluviões atuais por estes mesmos cursos.
Nestes compartimentos do relevo foram
identificados três tipos de depósitos secundários de
alexandrita, a saber: depósitos em paleoalúvios,
depósitos em alúvios recentes e depósitos em tálus.
Os depósitos paleoaluvionares estão presentes em
grande parte da calha do Ribeirão Setubinha, nos trechos
onde este corre mais encaixado, desde a foz do Córrego
do Fogo até cerca de 5 km antes da cidade de Setubinha
(Fig. 1).
Os depósitos aluvionares recentes situam-se no
Córrego do Fogo e ribeirões Santana, Soturno e
Setubinha, sendo mais desenvolvidos nas cabeceiras do
Córrego do Fogo e ao longo de todo o percurso dos
ribeirões Santana e Soturno.
O único depósito de tálus observado encontra-se
próximo à margem esquerda do Córrego do Fogo, cerca
de 4 km a montante de sua fozDEPÓSITOS DE ALEXANDRITA DE MALACACHETA, MINAS GERAIS
Depósitos Paleoaluvionares
A base dos depósitos paleoaluvionares do Ribeirão
Setubinha está disposta cerca de 5 a 8 metros acima do
nível atual da drenagem. Estes depósitos são compostos
essencialmente por duas sequências, uma superior, de
composição argilosa e outra, inferior, constituída por
blocos e seixos rolados dispostos diretamente sobre
saprólito de xisto. A Figura 2 mostra,
esquematicamente, as relações entre o paleoalúvio, o
alúvio recente e o xisto da Formação Capelinha.
Figura 2: Perfil transversal e seção colunar, esquemáticos, ilustrando a distribuição lateral e o empilhamento entre
o paleoaluvião com horizonte de cascalho mineralizado em alexandrita, o aluvião recente e o Ribeirão Setubinha.
Figure 2: Schematic transect and section showing the lateral distribution and the stratigraphic relations shown
by an alexandrite deposit in the Setubinha creek.
Form ação Cap elinha
Cascalho m ineralizado
Rib eirão Setubinha
Alúvio recente
Solo orgânico
Latossolo vermelho-am arelo com
nív eis m icroconglomeráticos intercalados
Cascalho m ineralizado
Saprólito de xisto
Paleoalúvio
E W
Sem escala
A Figura 3 apresenta a descrição detalhada de um
perfil do paleoaluvião mineralizado do Ribeirão
Setubinha.
O nível argiloso varia entre 4 e 8 m de espessura e
mostra-se estruturado pedologicamente. Sua análise
morfológica evidencia um latossolo vermelho-amarelo.
Sua composição argilosa é homogênea, não obstante a
presença localizada de níveis arenosos, mais raramente
portador de pequenos seixos e grânulos intercalados.
Uma linha de seixos centimétricos está presente
localmente.
Subjacente ao nível siltoargiloso encontra-se, em
contato abrupto, o leito de cascalho portador de
alexandrita. Trata-se de um nível de cerca de 1 m a 1,5
m de espessura, composto essencialmente por seixos e
matacões de quartzo de veio, quartzito de granulação
grossa e localmente, grandes fragmentos de pegmatito
gráfico. Os blocos de quartzo apresentam-se maiores e
mais bem arredondados que os fragmentos de quartzito.
Este nível de cascalho é extremamente mal selecionado.
Nele predominam os seixos e matacões, que podem
medir mais de 1 m em seu maior diâmetro. Fragmentos
de alexandrita, Depósitos Aluvionares Recentes
P erfil es q u em á ti co
sem es cala.
?
Os vales da maioria das drenagens da área
garimpeira são amplos e parcialmente entulhados por
sedimentos aluvionares. Os rios estão, atualmente,
reescavando este material aluvionar.
A espessura deste tipo de depósito varia muito em
função da sua localização ao longo do rio. Nos depósitos
à montante a cobertura atinge cerca de 10 a 15 m acima
do nível atual da drenagem. Já nas partes mais baixas,
principalmente no Ribeirão Setubinha, a cobertura
atinge 1,5 m acima do nível da lâmina d’água. A camada
mineralizada, entretanto, encontra-se cerca de 3 metros,
em média, abaixo do nível freático, independentementemedindo poucos milímetros, ocorrem
associados a esta fração
grossa.
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