domingo, 17 de julho de 2016

Garimpeiros arriscam a vida em busca do “ouro verde”

Garimpeiros arriscam a vida em busca do “ouro verde”

Garimpeiros arriscam a vida em busca do “ouro verde”
BAHIA
No mês em que o mundo parou para ver o resgate de 33 mineiros em Copiapó, no deserto do Atacama, no Chile, a reportagem de Com Ciência Ambiental esteve visitando a Serra da Carnaíba, conhecida também como a “Terra das Esmeraldas”, localizada no distrito que leva o mesmo nome, no município de Pindobaçú, no norte da Bahia. Descoberto no final de 1963, o garimpo da Serra da Carnaíba continua sendo um lugar de cobiça e aventura, e o sonho de ficar milionário da noite para o dia continua vivo. Em cada “corte”, local onde se realiza o garimpo, a esperança de encontrar o veio das esmeraldas mantém homens e mulheres trabalhando 24 horas, alheios aos iminentes riscos de acidentes.
Para chegar até o local de trabalho dos garimpeiros, é utilizado um carretel, guincho usado para alçar e descer pessoas e materiais até o fundo das minas. Preso a um “cavalo”, espécie de cinta confeccionada com pedaço de pneu, os mineradores, chamados de garimpeiros, descem até o fundo das grunas (galerias onde se realiza o trabalho de extração de minérios), que podem chegar a mais de 300 metros de profundidade.
De baixo do chão, onde a temperatura é escaldante, beirando os 40 graus, os trabalhadores manipulam dinamite, respiram fuligem e estão sujeitos a desabamentos o tempo todo. Os garimpeiros reconhecem que o risco de morrer é real, mas segundo eles, pode compensar, uma vez que dois gramas de esmeralda de boa qualidade podem ser vendidos por até 5 mil dólares.
Na maioria dos “cortes” ou “serviços”, a exploração da esmeralda, conhecida também como “ouro verde”, é feita de forma rústica. Por exemplo, o ascensorista é quem controla o que sobe e desce – de pedras a pessoas. A máquina, movida a diesel, tem dois comandos: acelerador e freio. Geralmente a comunicação com o interior da mina é feita por meio de um tubo de PVC, usado como comunicador. 
Para se chegar a um veio de esmeraldas, é preciso cavar buracos verticais com até 300 metros de profundidade no solo rochoso. As minas são cavadas dentro de barracões cobertos, sendo invisíveis para quem anda nas ruas do garimpo. Para iniciar a perfuração de uma mina, é preciso instalar bananas de dinamite em fendas feitas com uma britadeira. À medida que se encontram veios de pedra preciosa e a rocha fica mais solta, os garimpeiros se valem de ferramentas mais "delicadas", como marretas e picaretas.
O trabalho de garimpo é pesado, dificultoso, muito perigoso e, o pior, nem sempre dele se obtém lucros. Milhares de pessoas trabalham no garimpo por necessidade e por não ter outro meio de vida.
Segundo informações da CCGA (Cooperativa Comunitária dos Garimpeiros Autônomos da Bahia), com sede em Pindobaçú, mais de 30 mil famílias têm o garimpo como sendo o único meio de subsistência.
Por meio da Portaria 119 de 19/01/1978 do Ministério de Minas e Energia, os garimpeiros têm autorização para trabalhar e sobreviver das esmeraldas de Carnaíba. Eles esperam do governo federal o reconhecimento da profissão. Por ser uma atividade com renda intermitente (possui intervalos), não há estabilidade, ou seja, não é gerado um fluxo contínuo e permanente de renda. Um dos principais objetivos da classe é lutar para a aprovação do projeto para transformar os garimpeiros em segurados especiais, com direitos previdenciários como aposentadoria.
Conforme dados da CBPM (Companhia Baiana de Pesquisa Mineral), as zonas mineralizadas em esmeralda ocorrem em três áreas, totalizando 1.512,49 hectares, situadas no Distrito de Esmeralda de Carnaíba, em Pindobaçu. A zona mineralizada mais importante, e já investigada com sondagem, situa-se na parte da reserva garimpeira, em uma área com 41,54 hectares. O órgão presume que exista nas reservas de 7 mil a 13,4 mil toneladas de esmeraldas gemológicas e não gemológicas.
A CBPM não só realiza trabalhos de pesquisa em suas áreas, principalmente por meio de sondagem, como também dá apoio técnico aos garimpeiros e micro-empresários da região.
Impactos ambientais 
Os impactos mais comuns são resultados de garimpos de esmeralda sem nenhuma proteção, além do rejeito que é jogado sem tratamento a céu aberto. Ocorre também contaminação dos rios e aquíferos subterrâneos por causa da implantação de fossas em um grande número de casas. Outro fator de contaminação é o lixo jogado na rua e a não existência de esgotamento sanitário, sendo os esgotos domésticos lançados diretamente no rio sem tratamento. Outro grande impacto negativo é o desmatamento em áreas sujeitas à erosão forte provocada pela alta declividade e a composição areno-argilosa dos solos. A partir de estudo realizado, a área foi caracterizada como de risco ambiental para população.
Já a Cooperativa Comunitária dos Garimpeiros descarta a possibilidade de haver riscos ao meio ambiente, alegando que “a reserva garimpeira de Carnaíba fica situada no semiárido baiano, em meio à Caatinga e a lugares formados por muitas rochas”, o que atenua os prejuízos ambientais. 
A entidade que representa os garimpeiros garante que o trabalho de garimpagem causa pouquíssimo impacto ambiental, pois as minas são subterrâneas e não a céu aberto e também pelo fato de os explosivos usados não causarem efeitos fisiológicos, porque são ecológicos. “Sou ecologista e respeito a natureza. Se devemos ter consideração e cuidados com aves e animais silvestres, muito mais consideração e respeito devemos ter pelo ser humano”, garante Antonio Caldas, presidente da Cooperativa Comunitária de Garimpeiros.
Indianos 
Os indianos são os principais compradores do que é extraído em Carnaíba. Os ‘bagulhos’, pedras de pequeno valor, são denominadas também de “pedras indianadas”, por conta do interesse dos inidianos por esse tipo de material. “As esmeraldas de Carnaíba, em sua maioria, são escórias denominadas de lixo, ou pedras indianadas, cujo mercado brasileiro rejeita para compra. Somente quem se interessa pelas esmeraldas bagulho são os indianos. Eles vêm trazendo o dinheiro da Índia para Carnaíba, o que gera renda e meio de sustentação a mais de 30 mil famílias garimpeiras”, disse Antonio Caldas, rebatendo em seguida a alegação de que o comércio das pedras não gera tributos. “Com aquilo que no Brasil é considerado lixo, geramos tributos fiscais, renda e impostos para os cofres públicos do Estado da Bahia e do nosso país”.
Prostituição 
A presença de vários garimpeiros solteiros ou daqueles que deixam as suas esposas na sede do município, ou em outras cidades, tem atraído prostitutas para os pequenos bordéis existentes na localidade. Segundo Caldas, os problemas do Garimpo da Carnaíba são comuns aos que acontecem na maioria das áreas de exploração mineral. “Claro que é inevitável haver promiscuidade no garimpo. Isso acontece atualmente em qualquer lugar, e em qualquer cidade, povoado e bairros nobres de qualquer capital no mundo. No Garimpo da Carnaíba e Serra da Carnaíba, existem várias igrejas evangélicas e a maioria dos donos de garimpo são evangélicos. Eu mesmo não bebo, não fumo, sou vegetariano e ecologista, além de ser temente ao Deus de Abrão, Isaque e Israel”, ressaltou.
Sobre a existência de trabalho infantil, apesar de a reportagem ter flagrado crianças trabalhando, Caldas garante que denúncia formalizada ocorreu apenas uma vez, ainda na década de 1970, “mas foi corrigido à época e nunca mais aconteceu”.
Histórias 
De sua descoberta até hoje, várias são as histórias que marcaram e ainda marcam a vida de diversos seres humanos que tiveram alguma ligação com o garimpo. São muitos casos de garimpeiros que, em um piscar de olhos, ficaram milionários. Também é comum encontrar muitos desses “milionários” que hoje vivem em dificuldade. “Tem muita gente aqui que ganhou fortuna, mas ficou pobre da noite para o dia. Não soube empregar bem o dinheiro, gastou com carros, viagens, farras e hoje vive trabalhando para outros garimpeiros”, relata o goiano Valter Oliveira, que há mais de vinte anos reside em Carnaíba. “Aqui teve um garimpeiro que ganhou tanto dinheiro que pegava um cordão de náilon e amarrava cédulas no fundo do carro e saía arrastando pelas ruas. Quando alguém perguntava: por que você está fazendo isso? Ele respondia: eu corri muito atrás delas (das cédulas), agora elas é que correm atrás de mim”, conta com humor o garimpeiro.
Alexandro Souza de Santana, 24 anos, é filho de dono de ‘serviço’ e, apesar de novo, comemora a aquisição do primeiro carro, da pequena fazenda e da casa própria. Na opinião de Santana, que tem apenas o ensino fundamental incompleto, o garimpo é o melhor lugar para quem não tem “estudo”. “Mesmo sendo perigoso, o garimpo permite às pessoas que não estudaram ganhar dinheiro. De vez em quando morre gente em acidente com boi”, conta Alexandro.
Reinilde Maria dos Santos, de 50 anos de idade, sustenta os cinco filhos com o dinheiro que ganha com a venda de alexandrita. Segunda ela, um quilo do refugo de pedras pode lhe valer até 600 reais.
Gildean Silva Ribeiro, subgerente da empresa de mineração Beira Rio, comemora a compra do seu Eco Sport e de sua fazenda, com algumas cabeças de gado. Ele diz que a pedra está difícil de ser encontrada, mas acredita que com paciência muita gente ainda vai mudar de vida. Já o proprietário da empresa onde Ribeiro trabalha orgulha-se de dizer que seus funcionários melhoraram suas condições financeiras. Quanto à questão de segurança, diz prezar pela saúde dos garimpeiros. “A segurança é um quesito essencial na nossa empresa. Não trabalhamos sem os equipamentos de proteção individual”, garante o empresário.
O garimpeiro Edemilson Nery de Oliveira, conhecido por Neguinho, de 35 anos, é responsável pelas montagens das gambiarras, instalações elétricas nas galerias. Natural de Jacobina, Bahia, trabalha há 12 anos na Serra da Carnaíba e diz não pensar em voltar para a terra natal. “O garimpo é minha vida”, declarou.
Imprensa nacional 
Tema de matéria publicada na edição de número 49 da extinta revista O Cruzeiro, em 7 de dezembro de 1968, o Garimpo da Carnaíba de Cima teve sua história abordada pela primeira vez por um meio de comunicação de circulação nacional. O texto evidenciava o início da garimpagem, ocorrido entre os anos de 1960 e 1963. Naquele momento a população passava por dificuldades financeiras por conta da falta do Ouricuri e Babaçú (espécies de cocos), produtos de onde se extraiam suas amêndoas para comercialização. Por esse motivo, a atividade de garimpagem de esmeraldas passou a ser o principal meio de trabalho, sobrevivência e única fonte de sustento das famílias.
Estrutura e funcionamento do garimpo*
Não existe discriminação étnica, de gênero ou de classe social no garimpo. Todos trabalham juntos. A extração mineral é a principal atividade econômica do município. Apesar disso, não há investimento, como se deveria, na extração desses minerais e na segurança de quem os procura. A extração mineral é peculiar aos garimpos e em galerias subterrâneas, normalmente sem uma análise prévia. No garimpo de Carnaíba, a técnica de mineração é feita ainda artesanalmente. A desorganização começa desde o local escolhido para instalar uma mina, pois o processo de escavação da galeria é na encosta, onde os garimpeiros montam o serviço de extração, até a sua estrutura interna e o seu modo de funcionamento. 
Nessas encostas, os garimpeiros constroem barracões cobertos e ao centro cavam um buraco vertical até encontrarem o veio de esmeraldas, sendo invisíveis para quem anda nas ruas do garimpo. O garimpeiro compra um corte, isto é, um lote, e contrata alguns trabalhadores para furar a mina. O poço cavado verticalmente é geralmente chamado de frincha. Para iniciar a perfuração de uma mina, precisa-se instalar bananas de dinamite em fendas feitas com uma britadeira. Os trabalhadores descem e sobem clipados em um cavalo. O pó do xisto se espalha no chão, na boca do serviço, e, ao misturar-se com a água que brota da rocha, deixa o piso liso, provocando acidentes. Garimpeiros já caíram de uma altura de aproximadamente 60 metros. 
O garimpeiros acompanham esse veio, formando uma gruna, que pode conter ou não as gemas. A estrutura das grunas também é um risco, pois na maioria das vezes os trabalhadores têm de andar quase que agachados, pelo fato de o teto ser baixo e em algumas partes ficar caindo pedras. Por isso, colocam esbirro em algumas grunas. 
Sob a terra do garimpo, esses serviços parecem um formigueiro. A estrutura interna de uma mina é composta por vários equipamentos fundamentais ao serviço. As minas funcionam 24 horas diárias. O número de guinchos depende do número de porões, para cada porão um guincho, no “Brasil” (parte externa) tem o primeiro, que é acompanhado de um compressor de ar para a britadeira realizar a perfuração das rochas, a ventoinha para retirar a fumaça das explosões, um padrão de luz para realizar a detonação e um cano de PVC que os garimpeiros utilizam para fazer a comunicação com o “Japão” (parte interna), onde o guincheiro dá uma assoprada no cano e no fundo da mina os trabalhadores respondem com outro assopro, realizando-se a comunicação. A maioria dessas escavações, ou cortes, acompanha o sentido do riacho que se despeja de uma altura de mais de dez metros da serra.
O garimpo está divido em dois trechos de exploração. Sendo trecho velho e trecho novo. Em parte do trecho velho, em 1969, houve um desabamento resultado da infiltração de água na encosta que provocou o deslizamento. Testemunhas contam que só ouviram o forte barulho e a grande nuvem de fumaça subir. Alguns corpos foram resgatados, mas até hoje não se sabe ao certo o número de pessoas que morreram. O acidente ainda é muito comentado entre os moradores locais. 
Glossário de alguns dos termos utilizados no garimpo de esmeralda
Arroio - entulho. Deriva da corruptela de roia, rolha. Rocha que impede o acesso ao veio do mineral procurado 
Bagulhos - esmeraldas brutas de baixo valor
Berilo - exemplar de esmeralda bruta com forma prismática bem definida
Bestunta - na bestunta: ao acaso, de forma aleatória
Biriba - esmeralda lapidada de baixo valor
Boi - grande bloco de rocha ou de mineral extraído do garimpo
Canga - exemplar de mineral para coleção. Corruptela de ganga
Carretel - guincho para alçar e descer pessoas e material da gruna
Cavalo - espécie de cinta confeccionada com borracha na qual o garimpeiro senta ou se engancha para descer ou ser alçado da gruna
Corte/Serviço - local onde se realiza o garimpo. Conjunto de grunas de onde se extraem esmeraldas e outros minerais. O mesmo que serviço
Desarroiador - garimpeiro encarregado de remover o arroio que bloqueia o acesso ao mineral buscado
Estanho - subproduto da extração de esmeraldas, cujo quilo é vendido em média por 25 reais; 
Gruna - galeria onde se realiza o trabalho de extração de minérios
Malado - quem ganhou muito dinheiro
Vazar - encontrar esmeraldas

Nenhum comentário:

Postar um comentário