Governo Juscelino Kubitschek
Biografia
Raízes
Juscelino Kubitschek, o vigésimo brasileiro a ocupar a presidência da República, nasceu num sobrado da rua Direita, em Diamantina, cidade mineira a 282 quilômetros de Belo Horizonte, no dia 12 de setembro de 1902.
Juscelino aos 3 anos
Era filho de João César de Oliveira, irrequieto personagem que teve os mais variados ofícios – caixeiro de loja, bombeiro, lapidador de pedras preciosas, caixeiro-viajante, delegado de polícia, fiscal de rendas e capitão da Guarda Nacional – antes de morrer, ainda jovem, de tuberculose.
Sua mãe, a professora primária Júlia Kubitschek, era neta de um marceneiro checo nascido na Boêmia, Jan Nepomuscký Kubitschek, que chegou ao Brasil por volta de 1831, o ano em que d. Pedro I abdicou do trono. O país tinha então pouco mais de 5 milhões de habitantes.
Instalado na região de Diamantina, Jan não tardou a fazer fortuna e viu seu nome ser abrasileirado, pela gente do lugar, para João Alemão. Casado com uma brasileira, teve três garotos – um dos quais, João Nepomuceno Kubitschek, faria carreira política, tendo chegado a senador estadual constituinte e a vice-governador de Minas Gerais no final do século XIX.
Família do avô materno de Juscelino: a tia Sinhá, a avó Mariquinha, o avô Augusto Elias e a filha Júlia, mãe de JK
O mais velho dos filhos de João Alemão morreu menino. O terceiro, Augusto Elias Kubitschek, homem sossegado e de pouca conversa, comerciante de armarinho que trocava tudo por um bom livro, foi o pai da professora Júlia Kubitschek e avô do futuro presidente do Brasil.
Cronologia
1902 12/SET Nasce em Diamantina (MG) Juscelino Kubitschek de Oliveira, filho de Júlia Kubitschek e de João César de Oliveira.
1905 Com a morte do pai, muda-se com a família para o morro da Grupiara e, mais tarde, para uma casinha na rua São Francisco. Faz o curso primário, tendo a mãe como professora.
1914 Na falta de curso ginasial em Diamantina, ingressa no seminário diocesano da cidade.
Juscelino, o Segundo da direita pra esquerda na última fila, no seminário de Diamantina
1917 Conclui o curso de humanidades e, sem vocação para o sacerdócio, abandona o seminário.
1919 É aprovado em concurso para telegrafista dos Correios, em Belo Horizonte.
1921 É nomeado telegrafista-auxiliar e se muda para Belo Horizonte. Conclui em Barbacena os exames preparatórios para o curso superior.
1922 Entra na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte. Até o fim do curso, trabalhará como telegrafista.
1927 Forma-se em medicina. Trabalha na Santa Casa de Misericórdia, na Faculdade de Medicina (como assistente de clínica cirúrgica e física médica), na Caixa Beneficente da Imprensa Oficial e divide consultório com o cunhado, Júlio Soares.
1930 Passa sete meses na Europa. Em Paris, especializa-se em urologia. Conhece vários países e retorna ao Brasil pouco depois da vitoriosa Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Em Belo Horizonte, reassume seus empregos e monta consultório próprio.
1931 Nomeado para o Hospital Militar da Força Pública de Minas Gerais, como capitão-médico.
30/DEZ Casa-se com Sarah Gomes de Lemos.
Sarah e Juscelino Kubitschek
1932 Médico do 1º Batalhão da Força Pública para a Zona do Túnel da Mantiqueira, no sul de Minas, durante a Revolução Constitucionalista. Torna-se amigo de Benedito Valadares, delegado federal na região.
A PAIXÃO IMPREVISTA (1933-1954)
1933 Chefe da Casa Civil de Benedito Valadares, recém-nomeado interventor federal em Minas Gerais. A primeira obra pública executada por sua iniciativa é uma ponte sobre o ribeirão do Inferno, ligando Diamantina a Rio Vermelho.
1934 Juscelino é eleito deputado federal, com a maior votação de Minas Gerais, pelo Partido Progressista (PP). Torna-se líder político em Diamantina.
JK, Anos 30
1937 NOV Com o golpe que instaura o Estado Novo, perde o mandato. Retoma suas atividades médicas.
1938 É promovido a tenente-coronel da Força Pública e nomeado chefe do Serviço de Cirurgia do Hospital Militar.
1940 a 1945
16/ABR É nomeado prefeito de Belo Horizonte pelo interventor Benedito Valadares, mas não abandona inteiramente suas atividades médicas. Promove grandes obras que lhe valem o apelido de "prefeito furacão": abertura e asfaltamento de avenidas, criação de bairros como Sion e Cidade Jardim, construção do conjunto arquitetônico da Pampulha, projetado pelo jovem Oscar Niemeyer.
1945 OUT Com a deposição de Getúlio Vargas e o fim do Estado Novo, deixa a prefeitura de Belo Horizonte.
DEZ É o segundo deputado mais votado em Minas para a Assembléia Nacional Constituinte, pelo recém-criado Partido Social Democrático (PSD). Abandona definitivamente a medicina.
1946 18/SET Promulgada a nova Constituição. Juscelino permanece no exercício de seu mandato na Câmara Federal.
1950 3/OUT É eleito governador de Minas, pelo PSD. Getúlio Vargas volta à presidência da República pelo voto direto.
1951 a 1954
31/JAN Toma posse com um programa de governo – "Binômio energia e transporte" – voltado para a industrialização do estado. Abre dezesseis estradas de rodagem, no total de 3087 quilômetros. Constrói (ou amplia) várias usinas hidrelétricas, além de 120 postos de saúde, 137 prédios escolares e 251 pontes. Atrai o grupo alemão Mannesmann, que implanta uma usina siderúrgica em Contagem, nas imediações de Belo Horizonte.
UM FURACÃO NA PRESIDÊNCIA
(1955-1961)
1955 10/FEV Juscelino Kubitschek é escolhido candidato à presidência da República em convenção do Partido Social Democrático (PSD).
ABR João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), é escolhido vice na chapa de JK.
4/ABR JK assume, durante comício em Jataí (GO), o compromisso de transferir a capital para o planalto Central.
3/OUT Juscelino é eleito presidente da República com 3077411 votos, ou 36% do total. A UDN e seus aliados iniciam batalha judicial para anular as eleições.
1/NOV O coronel Jurandir de Bizarria Mamede, discursando no enterro do general Canrobert Pereira da Costa, sugere golpe militar para impedir a posse de JK e Goulart.
3/NOV O presidente Café Filho sofre ataque cardíaco.
8/NOV Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, assume o poder e se recusa a punir os militares que pregam o golpe.
10/NOV O ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, pede demissão, em protesto contra a "inclinação golpista" do novo governo.
11/NOV Para garantir a posse dos eleitos, antes de deixar o ministério Lott põe os tanques nas ruas e dá o "golpe da legalidade". Carlos Luz é deposto.
22/NOV O Congresso Nacional aprova o impedimento do presidente da República, Café Filho. Nereu Ramos, vice-presidente do Senado, assume o governo até a posse de JK.
1956 31/JAN JK toma posse e pede ao Congresso a abolição do estado de sítio. No dia seguinte, põe fim à censura à imprensa.
FEV É criado o Conselho do Desenvolvimento, primeira tentativa de centralizar o planejamento econômico. Sob o slogan "50 anos em 5", JK lança o Plano de Metas, seu programa de governo, cujo objetivo é industrializar o país. A "meta-síntese" é a construção de Brasília.
11/FEV Oficiais da Aeronáutica se rebelam contra o governo e tomam a base aérea de Jacareacanga, no Pará. A rebelião é sufocada em dezoito dias. JK propõe e o Congresso aprova anistia para todos que tivessem participado de movimentos políticos ou militares no período de 10/11/55 a 19/3/56.
18/ABR Apresentado no Congresso Nacional projeto de lei visando à transferência da capital da República para o planalto Central.
MAI JK lança, num encontro dos bispos do Nordeste, a idéia do que virá a ser a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Revolta estudantil no Rio, prontamente debelada. JK convida os líderes para um encontro no Palácio do Catete.
SET É lançado o primeiro miniveículo fabricado no Brasil: a Romi-Isetta, para dois passageiros.
19/SET É sancionada a Lei nº 2 874, que dispõe sobre a transferência da capital federal e cria a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), cuja presidência é entregue ao deputado federal Israel Pinheiro, do PSD de Minas Gerais.
2/OUT JK faz, com pequena comitiva, sua primeira viagem ao lugar onde será construída Brasília.
10/NOV É inaugurado o Catetinho, alojamento de madeira onde o presidente se hospedará durante a construção de Brasília.
14/DEZ Compra do porta-aviões inglês Vengeance, rebatizado Minas Gerais. Abre-se crise entre a Marinha e a Aeronáutica, que disputam o controle das aeronaves embarcadas no porta-aviões.
1957 FEV Começa a construção de Brasília.
1956-1961
18/MAR É aprovado o Plano Piloto da nova capital, de autoria do urbanista Lúcio Costa, em concurso organizado por Oscar Niemeyer. As obras atrairão milhares de trabalhadores nordestinos, conhecidos como candangos.1/OUT JK sanciona a lei que fixa a data de 21 de abril de 1960 para a mudança da capital.
1958 16/MAR O Fundo Monetário Internacional (FMI) estabelece, no Rio, condições para concessão de empréstimo pedido por JK.
AGO John Foster Dulles, secretário de Estado norte-americano, visita o Brasil.
1959 MAI Fidel Castro, primeiro-ministro da vitoriosa Revolução Cubana, visita as obras de Brasília.
17/JUN JK rompe com o FMI, por não aceitar as exigências feitas para a concessão de financiamentos.
3/DEZ Nova revolta na Aeronáutica. Rebeldes se apossam da base aérea de Aragarças (GO). O movimento dura apenas dois dias.
15/DEZ É criada a Sudene.
1960 23/FEV O presidente americano, Dwight Eisenhower, visita o Brasil. Por iniciativa do visitante, abre-se caminho para reatamento, em novas bases, com o FMI, que em maio concederá vultoso empréstimo ao país.
3/OUT Jânio Quadros se elege presidente da República. O vice, João Goulart, é reeleito.
1961 31/JAN Jânio Quadros toma posse.
O TEMPO DA AMARGURA
(1961-1976)
1961 4/JUN JK é eleito senador por Goiás, pelo PSD.
25/AGO Jânio Quadros renuncia à presidência da República. Setores de oposição civil e militar não querem a posse do vice, João Goulart. A crise é contornada com a adoção do regime parlamentarista.
7/SET João Goulart assume a presidência.
1963 6/JAN Plebiscito restabelece o regime presidencialista.
1964 13/MAR Realiza-se, no Rio de Janeiro, com a presença do presidente João Goulart, o "comício da Central do Brasil", em que se anunciavam medidas para levar a cabo as polêmicas "reformas de base".
19/MAR Convenção do PSD homologa a candidatura de JK à presidência da República nas eleições de 1965. Realiza-se em São Paulo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, contra o governo de João Goulart.
31/MAR Golpe militar depõe João Goulart.
2/ABR Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, é empossado na presidência da República.
10/ABR Sai a primeira lista de cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos do regime militar.
11/ABR O general Humberto de Alencar Castelo Branco é eleito presidente da República pelo Congresso Nacional, com o voto de JK.
8/JUN Juscelino tem seu mandato de senador cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos. Cinco dias depois, parte para o exílio.
1965 3/OUT Com o apoio de JK, Francisco Negrão de Lima e Israel Pinheiro elegem-se governadores da Guanabara e de Minas Gerais, respectivamente.
4/OUT Primeira volta do exílio. É intimado a depor, no mesmo dia, no primeiro de vários inquéritos policiais-militares abertos contra ele.
27/OUT É decretado o Ato Institucional nº 2, que reabre o ciclo de cassações, extingue os partidos políticos e acaba com as eleições diretas para a presidência da República.
9/NOV JK parte outra vez para o exílio, abatido pelos massacrantes interrogatórios a que vinha sendo submetido.
1966 4/JUN É autorizado a permanecer no país durante 72 horas, para assistir aos funerais de sua irmã, Naná.
28/OUT Forma-se a Frente Ampla, que reunirá as maiores lideranças civis do país: JK, Carlos Lacerda e João Goulart.
19/NOV É divulgada a Declaração de Lisboa, em que JK e Lacerda afirmam ter posto de lado as divergências passadas e se engajam na oposição ao governo militar.
1967 15/MAR O general Artur da Costa e Silva assume a presidência da República, sucedendo a Castelo Branco.
9/ABR JK retorna definitivamente ao Brasil, após 976 dias de exílio. Assume o cargo de diretor-presidente do Banco Denasa de Investimentos, criado com seus genros.
1968 5/ABR O governo militar proscreve a Frente Ampla. JK abandona definitivamente a política.
13/DEZ JK é preso no Rio de Janeiro, em seguida à decretação do Ato Institucional nº 5, e mantido incomunicável por alguns dias.
1972 Compra terras em Luziânia (GO) e vira fazendeiro.
1974 Inicia a publicação do livro em três volumes Meu caminho para Brasília.
JUN É eleito para a Academia Mineira de Letras.
1975 23/OUT É derrotado em eleição para a Academia Brasileira de Letras.
1976 18/JUN É eleito Intelectual do Ano de 1975 pela União Brasileira de Escritores, que lhe confere o troféu Juca Pato.
22/AGO Morre em acidente na via Dutra, quando viajava de automóvel de São Paulo para o Rio.
1981 12/SET É inaugurado em Brasília o Memorial JK, projetado por Oscar Niemeyer.
ESTUDANTE DE MEDICINA
Em janeiro de 1922, com dezenove anos de idade, Juscelino entrou na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, que cinco anos mais tarde viria a formar, com outras faculdades, a Universidade de Minas Gerais.
Trabalhando à noite como telegrafista, ele saía da estação ferroviária com dia claro, a tempo de pegar a primeira aula, às oito horas da manhã. De sua turma, com vinte alunos, fazia parte o futuro escritor Pedro Nava, que evocará o colega numa bela página de um de seus livros de memórias, Beira-mar.
JK com os amigos Pedro Sales e Olemar Lacerda em Santos, 1925
Curiosamente, o futuro presidente não se preocupava com a política. Tinha olhos apenas para a carreira em preparo. A partir do quinto ano, entrou como interno na terceira enfermaria da Santa Casa de Misericórdia, a convite de um colega mais velho, Júlio Soares, que se casou com sua irmã, Maria da Conceição, a Naná. Foi viver em casa deles.
Mais tarde, também a convite do cunhado, tornou-se sócio de seu consultório. Em 1923, saiu pela primeira vez de Minas Gerais, numa viagem ao Rio de Janeiro. Dois anos depois, um congresso de estudantes de medicina o levou a São Paulo, com direito a uma esticada em Santos.
Sua paixão, porém, era Belo Horizonte, uma cidade que, inaugurada havia menos de trinta anos, atravessava então um dos momentos mais fascinantes de sua existência.
CAPITÃO-MÉDICO
Difícil imaginar o que teria sido a vida de Juscelino Kubitschek se ele não tivesse ingressado, em março de 1931, na Força Pública de Minas Gerais, para trabalhar no Hospital Militar.
Era capitão-médico quando, a 9 de julho de 1932, eclodiu em São Paulo a Revolução Constitucionalista. Estava casado havia seis meses – desde o dia 30 de dezembro de 1931 – com Sarah Lemos. De uma hora para outra, foi enviado para o front, na região do túnel da Mantiqueira, divisa com São Paulo, que os revoltosos paulistas haviam atravessado.
Ficou baseado em Passa Quatro, como responsável por um hospital. Mas acabou tendo um papel muito mais importante no conflito, conta o biógrafo Francisco de Assis Barbosa: JK "seria de fato o cirurgião da campanha, infatigável no seu posto, indo e vindo do front para o hospital de sangue, sem conhecer cansaço".
O que mudou sua vida, no entanto, não foi o desempenho como médico, mas as relações que fez em Passa Quatro. Conheceu, entre outros, o então coronel Eurico Dutra, futuro ministro da Guerra e presidente da República.
Mais decisiva ainda seria a amizade com o obscuro prefeito de Pará de Minas, Benedito Valadares, chefe de polícia na região conflagrada. Nomeado por Getúlio Vargas interventor em Minas, no ano seguinte, Benedito arrastaria para um destino político o capitão-médico que conhecera em Passa Quatro.
Nas palavras de Francisco de Assis Barbosa, "Juscelino receberia, com a campanha de 1932, além do batismo de fogo, o batismo da política".
Dr. Kubitschek, urologista
Formado em medicina em dezembro de 1927, Juscelino Kubitschek andou pensando em se mudar para Uberaba, no Triângulo Mineiro, mas foi dissuadido pelo cunhado, colega e sócio de consultório Júlio Soares.
Na decisão de permanecer em Belo Horizonte pesou também o namoro com aquela que viria a ser sua mulher, Sarah Gomes de Lemos. Ligando-se a ela, Juscelino de certa forma punha os pés na política, pois a moça era filha de um falecido deputado federal, Jaime Gomes de Souza Lemos.
Por parte da mãe, Luísa Negrão, a namorada tinha dois primos que viriam a se destacar na vida pública: Francisco Negrão de Lima, futuro ministro, embaixador e governador do estado da Guanabara, e Otacílio Negrão de Lima, futuro prefeito de Belo Horizonte. Uma irmã de Sarah, Amélia, vai se casar com Gabriel Passos, que em 1950 perderá para JK a disputa pelo governo de Minas.
Naquela altura, porém, o jovem médico ainda não dava sinais de querer enveredar pela política. Dividia seu tempo entre a Santa Casa de Misericórdia, o consultório e a Faculdade de Medicina, onde era assistente nas cadeiras de clínica cirúrgica e física médica. Logo arranjaria mais trabalho, na Caixa Beneficente da Imprensa Oficial, nomeado por intercessão do amigo José Maria Alkmin, vice-diretor da casa.
Já sem aflições financeiras, o filho da professora Júlia Kubitschek logo pôde comprar seu primeiro carro, um valente Ford que o levava de um emprego a outro.
RUMO A PARIS
Com exceção da irmã, Naná, toda a família achou que Juscelino ia dar um mau passo quando, em 1930, decidiu interromper uma carreira que ia tão bem e buscar especialização na Europa. Ele teria que abrir um parêntese, também, em seu namoro com Sarah Lemos. Mas estava mesmo decidido. Rapou as economias, vendeu o carro, levantou um empréstimo – e, no final de abril, embarcou para a França.
Em Paris, matriculou-se no curso do professor Maurice Chevassu, renomado urologista, que incluía treinamento no Hospital Cochin. (Quase três décadas depois, em 1956, visitando a cidade como presidente eleito, o ex-aluno foi ver o velho mestre, que dele se lembrava.)
Terminado o curso, Juscelino fez uma longa viagem de navio pelo Mediterrâneo. Conheceu o Egito, Síria, Turquia, Grécia, Terra Santa e Líbano. Esticou por terra até Milão, Veneza, Viena, Budapeste. Emocionou-se ao conhecer Praga, a capital da Checoslováquia que o bisavô Jan Nepomuscký Kubitschek trocara pelo Brasil um século antes.
Estava em Berlim quando, a 3 de outubro, irrompeu no Brasil a Revolução de 1930.
Em Paris, teve a confirmação da vitória, que comemorou em companhia de dois brasileiros de quem se tornara amigo na Europa:o pintor Cândido Portinari e o ator Leopoldo Fróis.
De volta ao Rio de Janeiro, a 21 de novembro, por pouco não cruzou no porto com o presidente deposto, Washington Luís, que na véspera tomara o rumo do exílio.
JK NO EXILIO
"Deixo o Brasil porque esta é a melhor forma de exprimir meu protesto contra a violência", declarou JK ao partir para o exílio, a 13 de junho de 1964. Durante quase mil dias, viveria em Paris, Lisboa e Nova York.
Na capital francesa, o ex-presidente morou num apartamento de dois quartos e teve uma cozinheira portuguesa que parecia ter sido escolhida pelo nome: Diamantina. Sem motorista, dirigia ele mesmo o seu carrinho, um castigado Simca, pelas ruas de Paris. Para pagar as contas, envolveu-se em atividades empresariais em Lisboa; nos Estados Unidos, aceitava convites para fazer palestras.
Em nenhum lugar sentiu-se feliz, à vontade. "Não posso deixar de confessar que viver fora do país, sem saber quando será possível o regresso, é o castigo mais cruel imposto a um homem que só pensava no Brasil", escreveu a um amigo nos primeiros tempos do exílio.
Tinha medo de morrer longe da pátria. Mas dizia não querer voltar durante o governo de Castelo Branco – o "Monstro", rotulava –, que lhe cassara o mandato e suspendera os direitos políticos.
Seu exílio (mas não seu calvário) acabou a 9 de abril de 1967, já no governo Costa e Silva. Ao desembarcar no Rio, disse que só morto deixaria o país outra vez.
FAZENDEIRO JK
No dia em que deixou a presidência da República, jornalistas perguntaram a JK que planos tinha ele para o futuro. "Vou ser fazendeiro", respondeu.
O projeto haveria de realizar-se no final da vida, em 1972, quando Juscelino levantou empréstimos e comprou uma pequena propriedade – 310 alqueires mineiros –, a Fazenda JK, a dezoito quilômetros de Luziânia e 67 de Brasília.
Construiu ali uma casa com projeto de Oscar Niemeyer e uma capela copiando a do Palácio da Alvorada. Plantou soja e milho, além de café, cuja primeira colheita não chegaria a ver.
Passava lá temporadas cada vez maiores. "Há quase um mês estou na minha solidão da Fazenda JK", escreveu ele a sua amiga Vera Brant no dia 8 de agosto de 1976, duas semanas exatas antes de morrer. "Recolho-me à rede da varanda, afino os ouvidos pelo silêncio das quebradas e leio."
Tinha com a sua propriedade uma relação de amor e desgosto. "A Fazenda JK está envenenando a minha vida", anotou em seu diário em dezembro de 1974. "Continuo?" Continuou, até o fim.
Depois de sua morte, a Fazenda JK foi vendida.
MORTE DE JK
No dia 9 de agosto de 1976, uma notícia correu o país: Juscelino Kubitschek morrera num acidente de estrada. Amigos e jornalistas se precipitaram à Fazenda JK, onde não havia telefone – e o encontraram vivo, sorridente. "Estão querendo me matar, mas ainda não conseguiram", disse ele.
Duas semanas depois, no final da tarde de 22 de agosto, quando a notícia voltou a correr, era verdade: a poucos dias de completar 74 anos, o ex-presidente havia morrido, às 17h55, num acidente no quilômetro 165 da via Dutra, quando viajava de São Paulo para o Rio de Janeiro.
Segundo o inquérito policial, o Chevrolet Opala 1970 em que ia o ex-presidente, conduzido por Geraldo Ribeiro – seu motorista desde o primeiro dia como prefeito de Belo Horizonte, em 1940 –, foi atingido, por trás, por um ônibus. Desgovernado, atravessou o canteiro central e, na outra pista, foi apanhado, de frente, por uma carreta.
Dúvidas surgidas naquela tarde nunca foram esclarecidas. Poderia tratar-se não de acidente, mas de atentado. O caso foi reaberto quase vinte anos depois, sem que nenhuma evidência disso tenha sido encontrada.
Sem endossar a tese de atentado, o escritor Carlos Heitor Cony chamou atenção para o fato de que as três maiores lideranças civis brasileiras desapareceram no espaço de poucos meses, todas em circunstâncias no mínimo estranhas, num momento em que o governo do general Ernesto Geisel promovia um lento – lentíssimo – movimento de retorno à democracia. Carlos Lacerda se internou com uma gripe forte, recebeu uma injeção e morreu. João Goulart, que teria morrido de infarto, foi achado com um travesseiro sobre o rosto.
Anos mais tarde desvendou-se parcialmente um plano conjunto de ditaduras militares do continente sul-americano, a tenebrosa Operação Condor, para eliminar opositores incômodos. Um deles, o chileno Orlando Letelier, ex-chanceler do governo do presidente socialista Salvador Allende, foi assassinado em Washington a 21 de setembro de 1976. Embora não haja provas, há quem sustente que JK, morto poucos dias antes de Letelier, e João Goulart, alguns meses depois, teriam sido, como ele, vítimas da Operação Condor.
"Democracia neste país, só depois de minha morte", dissera JK ao deputado Carlos Murilo às vésperas do acidente que o matou. "Eles têm muito medo de mim."
Fonte: www.projetomemoria.art.br
O melhor presidente do Brasil.
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