quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Mina de ouro repousa sob a pobreza

Mina de ouro repousa sob a pobreza


Há aproximadamente dois séculos, levas de aventureiros se revezaram por algum tempo em temporadas quase sempre breves na região de Cachoeira, uma área inóspita e na época pouco habitada do município de Viseu, próximo à divisa com o Maranhão. Eles não se demoravam ali por lazer. Eram faiscadores de ouro, garimpeiros em trânsito, aventureiros movidos pela ilusão da riqueza fácil.

Mas só garimpeiros? Nos primeiros tempos, sim. Depois deles, entretanto, vieram as mineradoras, empresas organizadas. Mas elas também não criaram raízes. A primeira foi a canadense Brascan, que lá chegou em 1954. Depois dela vieram várias outras, todas também meio que de passagem, e entre elas, como ocorreu sempre ao longo dos últimos dois anos, novas levas de garimpeiros, sazonalmente na busca de ouro. Agora, está lá a décima empresa de mineração.

Cachoeira, que durante muitas décadas não passou de um simples garimpo, às vezes rústico e hostil, às vezes semiabandonado, começou a mudar sua história a partir da década de 1990. Em 1995, mais precisamente o antigo vilarejo que foi se formando ao longo dos anos, e já então elevado à condição de vila, obteve finalmente a sua emancipação político-administrativa. O antigo distrito de Viseu transformou-se em município e a partir daí ganhou vida própria.

Desde então, Cachoeira do Piriá cresceu bastante. Sua população hoje é estimada em perto de 28 mil habitantes. Mas é uma população pobre. O mais recente diagnóstico social lá realizado concluiu que a taxa de analfabetismo no município é de 76%, o índice de pobreza chega a 49,7%, o rendimento médio da população é de R$ 196,53, sendo o último censo do IBGE, e 40% das famílias dependem do Bolsa Família. Cachoeira do Piriá rivaliza também com alguns municípios do Marajó na lista dos que têm o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano – lá, de 0,551 – de todo o Estado.

De tudo isso, de certa forma já se sabia, inclusive a própria população local. Mas agora já existem fatos novos que poucos conhecem. Por exemplo: parte da população pobre de Cachoeira do Piriá vive literalmente sobre um depósito subterrâneo de ouro. E mais: exatamente por estar em cima desse depósito, uma parcela dos moradores da cidade vai ter que deixar o local e ser remanejada para outra área. Com direito a indenização justa, obviamente.

Outra coisa que as pessoas ignoram, mas não deveriam ignorar – principalmente aquelas que residem em Cachoeira – é que elas estão expostas a duas situações extremamente perigosas. Uma, o uso de explosivos (dinamite) por pessoas não autorizadas nem capacitadas a manusear produtos perigosos, o que constitui crime. Outra, o processamento de rejeitos do antigo garimpo em duas plantas de cianetação.

Os rejeitos são coletados e vendidos aos responsáveis pelas duas plantas por ex-garimpeiros desempregados. Ocorre que as unidades de cianetação estão operando de forma irregular. Elas ocupam irregularmente áreas que já possuem portarias de lavra expedidas pelo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), não têm autorização legal para funcionar e muito menos o licenciamento ambiental, obrigatório nesse tipo de empreendimento. E o que é mais grave: o cianeto, que estão utilizando no processo de extração do ouro, é um dos produtos químicos mais tóxicos e letais que existem na natureza. Ou seja, estão colocando em sério risco a vida das pessoas e o meio ambiente.

DNPM na defesa dos garimpeiros

A flagrante ilegalidade das operações que estão se processando no antigo garimpo, por um lado, e por outro as graves ameaças que a atividade hoje representa para a população local levaram o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) a buscar uma solução urgente.

Ainda esta semana esteve em Belém, vindo de Brasília, o seu diretor de gestão de títulos minerários, Jomar Feitosa. Ele se reuniu com o superintendente do DNPM no Pará, João Bosco Pereira Braga, e com dirigentes e executivos da empresa que detém a portaria de lavra.

Na verdade, são duas empresas de um mesmo grupo, conforme explicou João Bosco Braga. Em Cachoeira do Piriá, do lado paraense, atua a Luna Gold, detentora de direitos sobre uma área com reserva estimada em 15 toneladas de ouro. Do outro lado da fronteira, já em território maranhense, no município de Godofredo Viana, atua a Aurizona Mineração, com projeto mecanizado que já produz ouro desde 2008.

O que acontece ali é fácil de ser explicado, à luz do conhecimento geológico que hoje se tem da área: o veio de ouro subterrâneo, criado pela natureza sem se importar com os limites geográficos idealizado pelo homem, avança por debaixo do solo em duas direções, alcançando de um lado o Maranhão e, de outro, a cidade de Cachoeira, dezenas de metros abaixo da superfície onde mora parte da população local.

Para resgatar a ordem e restaurar na cidade o princípio da legalidade, Jomar Feitosa disse que foi acionado um grupo de trabalho da Coordenação e Ordenamento Mineral (Cordem). Esse grupo está atuando em conjunto com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado e Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração. Também vai ser buscada a parceria com a Prefeitura Municipal de Cachoeira e com os garimpeiros, através das lideranças e entidades que representam a categoria.

O diretor do DNPM deixou claro que a empresa mineradora terá que cumprir uma série de condicionantes nas áreas social e ambiental. Quanto aos garimpeiros, a ideia é que eles sejam treinados e capacitados para trabalhar na atividade industrial.

“É preciso haver equilíbrio entre empreendedorismo econômico e responsabilidade social. Nós precisamos, sim, restaurar o princípio de legalidade e ao mesmo tempo montar uma equação em que todos possam ganhar o que é justo - a remuneração do capital para a empresa, tributos para o município, o Estado e a União, e a oportunidade de trabalho digno para os garimpeiros que hoje vivem em condições degradantes”, finalizou. (Diário do Pará)

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