sábado, 17 de setembro de 2016

OCORRÊNCIA, CONTEXTO MINERALÓGICO E QUÍMICA MINERAL DA BRAZILIANITA

RESUMO
A brazilianita é um fosfato gemológico relativamente raro, amarelo a amarelo-esverdeado, descrito em 1945 em amostras coletadas no Pegmatito Córrego Frio (Divino das Laranjeiras, MG), onde vários depósitos similares foram depois reportados. No mesmo Estado, existe ainda outro pegmatito mineralizado, em Itinga. Tais pegmatitos, ora estudados, originam-se de granitogêneses relacionadas ao Orógeno Araçuaí, constituindo em geral corpos tabulares de pequeno porte, além de pouco diferenciados. Análises químicas com microssonda eletrônica no mineral revelaram valores muito homogêneos para os diversos pegmatitos estudados, semelhantes aos da descrição original; Análises sobre feldspatos associados mostraram que os pegmatitos hospedeiros são pobres em B (não turmaliníferos), Cs, Rb e Zr, mas ricos em F. Um deles, o Pegmatito Telírio, apresenta uma anomalia em Li em relação aos demais. A cor amarela do mineral, estudada por EPR e absorção óptica, deve-se a uma banda de absorção no UV próximo, e sua intensidade está relacionada com um centro O1- fixo, do tipo buraco. Diferentes tipos de centros de elétrons são responsáveis pela ampla faixa de estabilidade térmica da cor do mineral; o componente esverdeado é causado por uma extensa banda de absorção na região vermelha do espectro. Nos depósitos estudados, a brazilianita constitui um produto secundário de alteração da montebrasita, em estágio hidrotermal precoce (350-250ºC).
Palavras-chave: Brazilianita; Pegmatito; Fosfato.

ABSTRACT
Brazilianite is a relatively rare gem phosphate mineral, yellow to greenish yellow, that was described in 1945 from samples of the Córrego Frio pegmatite (Divino das Laranjeiras county, Minas Gerais state), where several similar deposits were subsequently reported. Also in this State, another mineralized pegmatite occurs (Itinga county). Such pegmatites, studied in the present paper, were originated from some granitogenesis related to the Araçuaí Orogen, generally constituting small tabular bodies, with low differentiation degree. Chemical analysis by electronic microprobe in the mineral showed very homogeneous values for the different studied pegmatites, similar to the original description. Analyses on associated feldspars showed that the host pegmatites are B, Cs, Rb and Zr-poor, however, F-rich. One of them, Telírio Pegmatite, presents an anomaly in Li compared to the others. EPR and optical absorption studies indicated that the yellow component of the color is due to an absorption band in the near UV and its intensity is directly correlated with a localized O1- hole center. Different types of electron centers are responsible for the broad thermal annealing range of the mineral color; the greenish component is caused by a very broad absorption band in the red spectral range. In the studied deposits, brazilianite seems to be a secondary product of montebrasite alteration in a hydrothermal early stage (350-250ºC).
Keywords: Brazilianite; Pegmatite; Phosphate.



INTRODUÇÃO
A brazilianita [NaAl3(PO4)2(OH)4] foi inicialmente descrita por Pough & Henderson (1945), a partir de amostras coletadas no Pegmatito Córrego Frio, em Divino da Laranjeiras, Minas Gerais. Desde então poucos estudos envolveram essa espécie mineral gemológica, tanto na região de origem como em outras ocorrências brasileiras e mundiais, ou mesmo quanto a seus aspectos mineralógicos em geral (eg. Pecora & Fahey, 1949; Gatehouse & Miskin, 1974; Cassedanne, 1983; Chaves et al., 2007; Chaves & Scholz, 2008; Scholz et al., 2012; Gatta et al., 2013). A Província Pegmatítica Oriental do Brasil – PPOB (Paiva, 1946), na qual a localidade-tipo do mineral está situada, abrange uma extensa região com cerca de 150.000 km2, dos quais mais que 90% está inserida nas porções leste e nordeste de Minas Gerais (Figura 1
). Os pegmatitos dessas regiões ficaram mundialmente conhecidos na década de 1940, com a larga produção de minerais industriais para suprir a indústria militar aliada durante a II Grande Guerra Mundial, o que levou também ao encontro de inúmeros depósitos com minerais gemológicos e de coleção.
A PPOB é subdividida em onze distritos pegmatíticos (Pedrosa-Soares et al., 2011). Os depósitos de brazilianita conhecidos até o presente limitam-se aos distritos de Conselheiro Pena e de Araçuaí, localizados na porção nordeste do Estado e distantes cerca de 360 km e 580 km, respectivamente, da capital estadual, Belo Horizonte. No presente estudo cinco depósitos de brazilianita são enfocados, sendo quatro na área de Conselheiro Pena (Córrego Frio, Telírio, Sebastião Cristino e Ari Machado) e um na área de Araçuaí (Agenor Silistrino), visando principalmente seus aspectos geológicos, assembleias mineralógicas e a constituição química do mineral. As amostras de brazilianita e de outros minerais foram investigadas por diferentes técnicas, incluindo microssonda eletrônica, termogravimetria, fluorescência de raios X e ressonância paramagnética eletrônica (EPR), como partes da Dissertação de Mestrado ora desenvolvida pelo primeiro autor. Tais resultados foram ainda comparados com os dados disponíveis pré-existentes para o mineral.

CONTEXTOS GEOLÓGICO E GEOTECTÔNICO
O Distrito de Conselheiro Pena está localizado no médio vale do Rio Doce, envolvendo partes dos municípios de Conselheiro Pena, São Geraldo do Baixio, Goiabeira e Galiléia, abrangendo uma área de cerca de 500 km2, enquanto o Distrito de Araçuaí insere-se no baixo vale do Rio Jequitinhonha, cobrindo partes dos municípios de Araçuaí, Coronel Murta, Rubelita, Virgem da Lapa e Itinga, perfazendo uma extensão com cerca de 400 km2. Ambos os citados distritos enquadram-se em domínios da Faixa de Dobramentos Araçuaí (Almeida, 1977), uma faixa móvel desenvolvida na margem leste do Cráton do Araçuaí durante o ciclo orogênico Brasiliano, no período entre 630 e 490 Ma. As unidades geológicas nessa faixa de dobramentos mostram direção norte-sul em Minas Gerais, infletindo para leste-oeste ao adentrar o Estado da Bahia (Pedrosa-Soares et al., 2001, 2009).
Tendo por base relações de campo, características geoquímicas e petrológicas, além de dados geocronológicos U-Pb, as rochas graníticas do Orógeno Araçuaí tem sido agrupadas em cinco “supersuítes”, designadas G1, G2, G3, G4 e G5 (Pedrosa-Soares et al., 2001; 2011). Em relação aos estágios de evolução da orogenia, G1 é pré-colisional (630-585 Ma), G2 é sin-colisional (585-560 Ma), G3 é tardi- a pós-colisional (545-520 Ma) e G4 e G5 representam intrusões pós-colisionais (535-490 Ma). Pegmatitos desenvolveram-se em todos esses estágios, os mais potentes e/ou economicamente significativos relacionados aos estágios G2 e G4-G5.
Os principais litotipos que ocorrem no Distrito de Conselheiro Pena são metassedimentos xistosos neoproterozoicos do Grupo Rio Doce (formações Tumiritinga e São Tomé), os quais são intrudidos por diversas suítes tonalíticas e graníticas (G1) de idades neoproterozoicas (Moura et al., 1978; Féboli, 2002; Vieira, 2002). Um contexto geológico similar ocorre no Distrito de Araçuaí; as exposições mais relevantes em área correspondem a rochas metassedimentares (principalmente biotita-xistos e quartzitos) e metaultramáficas dos grupos Macaúbas e Salinas, do Neoproterozoico, onde ocorreram as intrusões, de idades similares (G4).

PEGMATITOS RICOS EM BRAZILIANITA
Após a descoberta da brazilianita no pegmatito do Córrego Frio, em 1945, alguns novos depósitos do mineral foram encontrados na mesma região, bem como alguns poucos fora desta área original. Em tal caso, destacam-se os achados na Província Pegmatítica do Nordeste (também conhecida como Província da Borborema), nos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba (Murdoch, 1955; Silva, 1975). Somente em 2001 ocorreu a descoberta do pegmatito com brazilianita no Distrito de Araçuaí, nas proximidades do vilarejo de Jenipapo, em Itinga (aqui estudado).
Pegmatitos com brazilianita sendo um mineral acessório foram ainda encontrados em diversos países, como Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Canadá, China, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Namíbia, República Sul-Africana, República Tcheca e Ruanda (www.mindat.org). Entretanto, nenhum desses países produziu amostras comparáveis, em tamanho e/ou qualidade, às encontradas no Brasil. Além disso, destaca-se o fato que a localidade original nos arredores de Divino das Laranjeiras permanece como a principal área produtora brasileira, bem como referência mundial para pesquisadores e colecionadores.
Aspectos gerais
Os pegmatitos da PPOB são de dois tipos: anatéticos, isto é, diretamente formados da fusão parcial das rochas regionais, ou residuais, formados por fusões silicáticas residuais derivadas da cristalização fracionada dos granitos “mães”. Os principais corpos pegmatíticos dos distritos enfocados são do tipo residual, onde a maior parte dos pertencentes ao Distrito de Conselheiro Pena se formaram a partir de intrusões G2, enquanto os do Distrito de Araçuaí derivam de intrusões G4. Os pegmatitos residuais tanto podem ser internos, hospedados no próprio granito “mãe”, como externos, hospedados nas rochas xistosas ou quartzíticas encaixantes. Pegmatitos externos constituem os mais importantes dos dois distritos enfocados, embora alguns corpos internos localmente tenham produzido minerais gemológicos de excelente qualidade (particularmente água-marinha).
No Distrito de Conselheiro Pena (Figura 2) os pegmatitos são principalmente de formas tabulares ou lenticulares, alguns com aspecto de “balões” irregulares. Segundo Nalini Júnior et al. (2000), suas idades variam em torno de 580 Ma. Os corpos em geral apresentam um zoneamento complexo e mineralogia bastante diversificada, que pode ser dividida em dois grupos em relação à mineralogia fosfática primária, o primeiro com a presença de montebrasita e o segundo com trifilita (Scholz et al., 2012). No primeiro grupo, o fosfato primário ocorre associado a brazilianita, fluorapatita, hidroxilherderita, berillonita, eosforita, zanazziíta e crandalita. O segundo grupo desenvolve uma mineralogia fosfática secundária complexa, substituindo parcial a completamente a assembleia trifilita-litiofilita, e compõe-se principalmente de fosfatos de ferro e/ou manganês.
A maioria dos pegmatitos do Distrito de Araçuaí (Figura 3) compreende corpos residuais, em clusters variando de espessura desde uns poucos metros até cerca de 50-60 m. No campo pegmatítico de Itinga, onde se localiza o único depósito de brazilianita conhecido no distrito, inclui corpos residuais derivados de plútons do tipo G4. Os pegmatitos intrudiram ao longo da foliação regional ou através de sistemas de fraturas nos metassedimentos dos grupos Salinas e Macaúbas, com mergulhos para SE ou NW (Correia-Neves et al., 1986; Pedrosa-Soares et al., 1997). Os corpos podem ser tanto não zonados como apresentarem zoneamento moderado, muitas vezes ricos em espodumênio industrial, ou ainda serem completamente zonados, ricos em Li, B, Na, Cs, Ta e/ou Cs e mineralizados a espodumênio, petalita, tantalita, turmalinas e polucita. O pegmatito estudado ocorre aparentemente isolado, constituindo assim uma anormalidade para a região.
Depósitos estudados
Os principais depósitos de brazilianita dos distritos de Conselheiro Pena (Córrego Frio, Telírio, Sebastião Cristino e Ari Machado – Figura 2) e de Araçuaí (Agenor Silistrino – Figura 3) são aqui caracterizados quanto aos seus aspectos geológicos e mineralogia. Os três primeiros situam-se nas proximidades do vilarejo de Linópolis, entre os municípios de Divino das Laranjeiras (ao qual pertence) e Mendes Pimentel, cuja expressão geomorfológica é bastante peculiar (Figura 4A).
O Pegmatito Córrego Frio, mais conhecido na área como “Lavra do Duquinha” (GPS-UTM 239340/7933640 – 563m), é um corpo tabular, com zoneamento bem definido, composto por um núcleo de quartzo e uma zona de borda composta de albita maciça e subordinadamente quartzo e muscovita; a mineralização concentra-se entre essas duas zonas (Pecora & Fahey, 1949; Cassedanne, 1983). Sua espessura máxima é de cerca de 2,5 m, com direção leste-oeste mergulhando fortemente para norte, concordantemente com a foliação do quartzo-biotita xisto da Formação São Tomé. A zona intermediária, mineralizada em brazilianita, apresenta mineralogia complexa com mais de 20 minerais, incluindo quartzo, muscovita, microclínio/albita, turmalina, granada, arsenopirita e muitos outros fosfatos (beraunita, eosforita-childrenita, dufrenita, fluorapatita, frondelita, jahnsita, roscherita, sabugalita, scorzalita, souzalita, strunzita e wyllieíta) (cf. Cassedanne, 1983). Scorzalita e souzalita também foram descritos nesse depósito, que se encontra abandonado e desmoronado na atualidade (Figura 4B).
A mais produtiva mina brasileira do mineral nas últimas três décadas, o Pegmatito Telírio (Figuras 4C e 4D), nas proximidades do anterior (GPS-UTM 239910/7933070 – 388m), permanece como o principal fornecedor do mineral ao mercado, onde ainda montebrasita (erroneamente designada como ambligonita) é regularmente recuperada. O corpo, detalhado no estudo, encaixa-se em biotita xisto, é zonado mas pouco evoluído, com cerca de 7 m de espessura máxima, exibindo um núcleo de quartzo descontínuo e estreito ao redor do qual a zona intermediária apresenta-se com microclínio/albita, quartzo, muscovita, berilo, almandina, cassiterita e montebrasita. Corpos de substituição ocorrem nas proximidades do núcleo, aparecendo os minerais econômicos em pequenas cavidades semi-esféricas (“ximboquinhas”, para os garimpeiros) ou em blocos maciços juntamente a outros fosfatos, como berillonita (também explorado), eosforita-childrenita, fluorapatita, frondelita, heterosita, greifensteinita, moraesita, vivianita e zanazziíta.
O Pegmatito Sebastião Cristino (GPS-UTM 240870/7930340 – 390m), nome tirado do proprietário da terra, destaca-se por ter produzido cerca de uma tonelada de brazilianita, há 10-12 anos atrás, muitas vezes em agregados de até 50 kg (desde então, a lavra encontra-se paralisada). O corpo, com cerca de 6-7 m de espessura, tem direção NE, mergulhando suavemente para NW, discordante da foliação da rocha hospedeira, um biotita xisto granatífero (vertical e com direção E-W). O pegmatito inclui abundantes xenólitos desta hospedeira. Não se observou zoneamento no corpo, composto de quartzo, microclínio/albita, almandina, schorlita, berilo e fluorapatita. Entre outros fosfatos secundários que ocorrem com a brazilianita, observam-se frondelita, jahnsita e cirilovita; interessante ainda ressaltar que um novo fosfato, a qingheiíta-(Fe2+), foi descrito a partir de amostras coletadas no rejeito da lavra (Hatert et al., 2010).
O Pegmatito Ari Machado (ou “Lavra da Mica”), embora ainda nos limites do Distrito de Conselheiro Pena, fica isolado do cluster principal de Divino das Laranjeiras, situando-se no município de São Geraldo do Baixio (GPSUTM 253380/7909080 – 486m). Até então, não havia nenhum estudo sobre tal depósito, que constitui uma lavra antiga, operada desde a década de 1940 com produção principalmente de muscovita para fins industriais. Em 1999 ela foi reativada por um breve tempo, produzindo excelentes cristais algo equidimensionais de brazilianita, de até 7 x 7 cm. O corpo é homogêneo, de forma tabular e subvertical, possuindo cerca de 3 m de espessura; também se encaixa em biotita xisto da Formação São Tomé, no local muito rico em sillimanita. Além dos minerais essenciais do pegmatito, onde predomina a muscovita, ocorrem dispersos berilo, fluorapatita, hidroxilherderita e gormanita em associação à brazilianita, em pequenos corpos de substituição (Figura 4E).
No Distrito de Araçuaí encontra-se a Lavra do Agenor Silistrino, nome do garimpeiro que a descobriu e explorou em 2001 (também conhecida como Lavra do Bié – apelido do proprietário do terreno). É o único depósito conhecido fora do Distrito de Conselheiro Pena em toda província mineral, situando-se na localidade de Jenipapo, município de Itinga (GPS-UTM 188630/8155570 – 313m). O corpo, subverticalizado, é bastante delgado, não excedendo 1,2 m de espessura, concordante com a foliação dos micaxistos do Grupo Salinas, no local direcionados para N80ºE/85ºNW (Figura 4F). Esse pegmatito não é zonado, e juntamente com os minerais básicos, apresenta cristais grandes (até 15 cm) de berilo branco, leitoso. A brazilianita aparece “solta” na base do corpo, muitas vezes intercrescida com quartzo (não se observou o mineral associado à albita, como é muito comum nas lavras de Conselheiro Pena). Esta lavra foi reativada e permanecia ativa em 2013.
Duas outras lavras que produziram brazilianita foram visitadas e amostradas para feldspatos, Telírio Alto (GPS-UTM 239435/7933325 – 460m) e Belmiro (GPSUTM 241510/7933720 – 485m), embora não se conseguisse exemplares do mineral. Para efeito de comparações, foram também visitadas e amostradas duas lavras situadas na área mineralizada principal, nos entornos de Divino das Laranjeiras, mas que historicamente nunca produziram brazilianita: Ácio (GPS-UTM 239200/7930280 – 325m) e Tim (GPS-UTM 237415/7921545 – 228m).

MINERALOGIA E QUÍMICA MINERAL
A brazilianita [NaAl3(PO4)2(OH)4], de coloração que varia desde o amarelo até o amarelo esverdeado, possui estrutura cristalina monoclínica com grupo espacial P21/n e quatro moléculas por cela unitária (Z=4). Tal estrutura pode ser descrita por cadeias de octaedros de Al, compartilhando os vértices dos octaedros ao longo de [100] e interligadas por tetraedros de P, em cujas cavidades distorcidas encontram-se íons Na+. Recentemente, a estrutura do cristal foi refinada e a localização exata dos íons hidroxila foi determinada por difração com nêutrons (Gatta et al., 2013).
São ainda escassos os estudos envolvendo a constituição química da brazilianita. Além do estudo pioneiro de Pough & Henderson (1945) e o reportado na sua segunda ocorrência descrita (Frondel & Lindberg, 1948), outros dados pertinentes encontram-se em Chaves et al. (2007), Chaves & Scholz (2008), Scholz et al. (2012) e Gatta et al. (2013). Para entender o comportamento químico do mineral e dos pegmatitos encaixantes, além de análises com microssonda eletrônica (ME) na própria brazilianita, foram ainda efetuadas análises geoquímicas totais de elementos maiores, menores e traços sobre feldspatos dos corpos estudados (Tabelas 1, 2 e 3). Resultados complementares e/ou comparativos são dados, respectivamente, por análises de material feldspático das lavras do Belmiro e do Telírio Alto (produtores de brazilianita), e das lavras do Ácio e do Tim (estéreis).
Algumas interpretações consistentes podem ser tomadas a partir das análises químicas dos elementos maiores por microssonda eletrônica (Tabela 1). De início, há que se destacar que não existem diferenças significativas entre os vários depósitos estudados. Destaca-se que os valores de K2O por volta de 0,20-0,30% conforme inicialmente relatados por Pough & Henderson (1945) e por Frondel & Lindberg (1948), foram calculados de maneira errônea; de fato, os valores desse óxido são inteiramente desprezíveis no mineral. Os valores encontrados para o FeO (0,00-0,06%), por tal metodologia analítica, não permitem a obtenção de interpretações seguras.
Em termos generalizados, o mineral não apresenta grandes variações composicionais em relação a dois de seus componentes químicos principais (P2O5 e Na2O). Os fechamentos das análises foram excelentes, e os valores encontrados para esses dois citados óxidos foram muito próximos aos ideais. De tal modo, consideram-se insatisfatórias as análises anteriores relatadas por Chaves et al. (2007), Chaves & Scholz (2008) e Scholz et al. (2012). Alguns aspectos químicos particulares devem ser realçados, em função do depósito enfocado, considerando os teores de Al2O3 e SiO2. Assim, o primeiro óxido apresenta valores mais expressivos na Lavra do Ari Machado, enquanto o conteúdo de sílica é praticamente desprezível nesta lavra e ainda no Pegmatito Agenor Silistrino. Pela observação dos dados obtidos para o Pegmatito Telírio, o silício parece entrar na estrutura do mineral pela substituição do fósforo. Os pegmatitos da região de Divino das Laranjeiras são extremamente homogêneos quanto a seus elementos maiores, denotando uma origem similar.
Quanto aos feldspatos encontrados na região em apreço, tanto nas lavras estudadas como em duas outras próximas onde não ocorre brazilianita (Ácio e Tim), alguns resultados foram também interessantes (Tabelas 2 e 3). Tratando-se dos elementos maiores, deve ser destacada a relativa anomalia de fósforo (e concomitante empobrecimento em sílica) no Pegmatito Córrego Frio, além dos baixos valores deste mesmo elemento (<0,25%) nas lavras onde não ocorre brazilianita. Principalmente em relação aos elementos menores e traços, observa-se que: a) os baixos valores em boro, indicando que são pegmatitos não turmaliníferos; b) anomalias em berílio no corpo Córrego Frio, que deve representar uma provável riqueza em berilo ou outro mineral rico no elemento, e em lítio no corpo Telírio, corroborada pela conhecida incidência de montebrasita neste pegmatito (Scholz et al., 2012); c) os valores de césio baixos nos pegmatitos estudados, porém extremamente mais altos neste elemento nos depósitos do Ácio e do Tim, indicando a ínfima diferenciação dos primeiros em relação aos dois últimos; d) de modo inverso, a maior riqueza relativa em flúor nos pegmatitos com brazilianita; e) os pegmatitos sem brazilianita também são expressivamente mais enriquecidos em rubídio e zircônio do que os enfocados.

CAUSAS DE COR
Estudos sobre a causa da cor na brazilianita, por meio de ressonância paramagnética eletrônica (EPR), foram iniciados com Hill & Lehnann (1978), os quais observaram a presença de hidrogênio atômico (H0), estável até cerca de 180 ºC. Requardt et al. (1982) identificaram ainda um centro O1- fixamente localizado, do tipo buraco, o qual no entanto foi descartado como um possível centro de cor no mineral. Esses autores reconheceram também impurezas de ferro nos seus dois estados principais de valência (Fe2+ e Fe3+), os quais foram considerados como os íons cromóforos.
Em estudo recente que integra parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor (Krambrock et al., 2014), exemplares de brazilianita coletados dos mesmos pegmatitos da PPOB foram investigados por análises de EPR e absorção óptica. De tal modo, as amostras naturais foram irradiadas com raios gama (CDTN/CNEN – Belo Horizonte) e tratadas termicamente sob diversas condições de temperaturas crescentes.
A cor natural, amarela esverdeada clara, após a irradiação torna-se de um amarelo mais intenso. Conforme bem representado pelo espectro da amostra do Pegmatito Córrego Frio (Figura 5A), observou-se que a coloração típica nas amostras naturais em geral tinha sua componente amarela intensificada com a irradiação. Uma intensificação do sinal ocorre próximo a 350 mT, porém o primeiro sinal, próximo a 150 mT, permanece praticamente constante e homogêneo com ou sem irradiação; como este sinal é associado ao Fe3+, descartouse tal cátion como possível cromóforo. Diante da intensificação do sinal inicial com a irradiação da amostra, questionou-se sobre o limite de tal incremento por meio desse procedimento. Como pode se verificar no espectro típico da amostra do Pegmatito Telírio (Figura 5B), ocorre nitidamente um limite de saturação, pois mesmo com uma dose acumulativa de 400 KGy, verificou-se um aumento apenas insignificante do sinal.
No tratamento térmico das amostras, sob condições crescentes a cada 50ºC até 350ºC (Figura 5C), a cor amarela acentuada é perdida com os incrementos de temperatura entre 190ºC e 350ºC, dependendo do pegmatito amostrado. Entretanto, em diversos casos a cor era restaurada com a irradiação gama. Tendo como um exemplo típico a brazilianita do Pegmatito Telírio, observa-se a variação dos sinais de EPR das amostras irradiadas após sucessivos aquecimentos por períodos padronizados em 30 minutos, percebendo-se que o sinal é drasticamente reduzido por volta de 250 ºC (linha verde).
As medidas de EPR identificaram ainda cinco tipos diferentes de centros paramagnéticos: Fe3+ em sítios de Al, centros O1- do tipo buraco, hidrogênio atômico (H0), Ti3+ em sítios de Al, que agem como centros de elétrons, além de um centro paramagnético com estrutura até então desconhecida. Esse último centro pode decorrer de outro centro O1- do tipo buraco, porém com uma coordenação distinta e de maior estabilidade térmica. Os tratamentos por irradiação gama e térmico mostraram claramente que o componente amarelo intenso da cor é causado por uma banda de absorção no UV próximo (Figura 5D), e que a sua intensidade está correlacionada com o centro O1- do tipo buraco localizado de modo fixo. Centros O-1 do tipo buraco também foram observados em turmalina amarela irradiada (Krambrock et al., 2004) e no euclásio (Dias et al., 2009).
Segundo Krambrock et al. (2014), os diferentes tipos de centros de elétrons são responsáveis pela ampla faixa de estabilidade térmica de cor na brazilianita. O componente esverdeado da cor é causado por uma extensa banda de absorção na faixa vermelha do espectro (~14.000 cm-1), a qual não é influenciada pela irradiação ou pelo tratamento térmico; sua origem, porém, ainda é desconhecida.

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
São importantes os resultados obtidos a partir da revisão dos dados geológicos e mineralógicos sobre a brazilianita em cinco de seus principais depósitos de Minas Gerais. De início, pode-se relacionar o mineral a pegmatitos residuais, derivados de granitogeneses sin a pós-colisionais (585-490 Ma) ocorridas durante a evolução do Orógeno Araçuaí. Observou-se que a brazilianita é um produto típico de pegmatitos pouco espessos e não muito diferenciados, embora possam ser zonados (Córrego Frio). Todos os corpos estudados possuem espessuras inferiores a 7 m.
Pelo estudo químico dos feldspatos, demonstrou-se uma deficiência em boro (<10 ppm); a riqueza neste elemento é mais típica em pegmatitos diferenciados e portadores de turmalinas. Pegmatitos turmaliníferos da região, como os das lavras do Ácio e do Tim, apresentaram valores superiores a 230 ppm desse elemento. De outro modo, os pegmatitos mais possantes do mesmo distrito, ricos em fosfatos secundários ou minerais raros, como Sapucaia (Proberil), Boca Rica, Urucum e Cigana, são estéreis no mineral. Somente no primeiro foram descritos sete novos fosfatos secundários: avelinoíta, barbosalita, faheyita, frondelita, lipscombita, moraesita e tavorita (Cassedanne & Baptista, 1999).
Em termos químicos, análises com microssonda eletrônica realçaram a notável semelhança de composição do mineral nos diferentes depósitos, refutando-se uma presença algo significativa de K2O (cf. Pough & Henderson, 1945; Frondel & Lindberg, 1949). Também constatou a precisão dos valores originais encontrados por Pough & Henderson (1945) para seus principais óxidos constituintes, embora usando métodos muito mais simples (combinação de via úmida com gravimetria para os óxidos em geral, fotometria de chama para o sódio e gravimetria para a hidroxila).
Nos pegmatitos com brazilianita, a cristalização do mineral provavelmente ocorreu em estágio hidrotermal precoce, entre 350-250º (Moore, 1973; Figura 6), como produto de alteração da montebrasita – (Li,Na)AlPO4(OH,F) (Scholz et al., 2012). Nesta figura, a linha tracejada mais larga (em 200ºC) representa o ponto em que aproximadamente as moléculas de água são estáveis como unidades ligadas aos cátions de metais de transição. Observar o grande número de espécies na faixa à direita, no domínio dos fosfatos secundários.
No estudo sobre a cor do mineral (com EPR e absorção óptica), embora tenham sido reconhecidos cinco tipos diferentes de centros paramagnéticos (Fe3+, O1- do tipo buraco, H0, Ti3+e um não identificado), o primeiro foi descartado como causador do amarelo típico (como antes defenderam Requardt et al., 1982) e, ao contrário das conclusões apresentadas por esses autores, considerou-se um centro O1- do tipo buraco como tal causador. Além disso, se constatou que as tonalidades variadas de verde são originadas por uma banda de absorção na faixa vermelha do espectro (em ca. 14.000 cm-1), visto que não foi influenciada pela irradiação ou pelo tratamento térmico (Krambrock et al., 2014).
A gama extensa de dados apresentados, permite sugerir que estudos suplementares sobre o mineral devam ser realizados tomando-se como base os dados ora fornecidos e a revisão geral dos conhecimentos.

AGRADECIMENTOS
Os autores desejam expressar seus agradecimentos ao Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, e à CAPES pela bolsa de mestrado concedida ao primeiro deles. Os demais autores são pesquisadores CNPq, e também agradecem a tal instituição.

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